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Nosso estudo sobre a análise das características técnicas e estilísticas da talha no panejamento e nos cabelos das esculturas do Acervo de Arte Sacra do Museu Solar Monjardim do Espírito Santo revelou a possibilidade do uso de protótipos de biscuits para uma reprodução mais fiel das dobras da talha das esculturas, o que também nos permitiu identificar os detalhes dos drapeados das vestes e nomeá-los segundo as classificações propostas por Michel Lefftz. (2004, 2006).

Em face disso, foi possível estabelecer comparações entre os predicados identificados no acervo em estudo e em acervos de outras regiões do país, mais precisamente, do Estado da Bahia e do Estado de Minas Gerais.

A partir de estudos anteriores118, pudemos sugerir que um grupo de imagens do acervo teria sido trazido da Bahia. Em nossa dissertação, mantivemos essa hipótese, tendo em vista os tipos de ornamentação que há nas vestes das esculturas do Espírito Santo, muito semelhantes ao que encontramos nas vestimentas das imagens baianas. Além disso, há que se lembrar que, durante um longo período, a passagem do Espírito Santo para as Minas Gerais esteve impossibilitada, o que explicaria os maiores contatos com a Bahia e teria possibilitado que famílias baianas aqui residentes, mais precisamente na vila e atual cidade de São Mateus, tivessem trazido suas imagens de devoção para o nosso Estado, e mesmo influenciado na produção de imagens aqui.

O que também justifica nossa suposição é a característica peculiar da Bahia quanto ao comércio de imagens cristãs. Esse Estado, durante os séculos XVIII e XIX, ocupou um lugar de proeminência na produção de imagens, chegando a exportá-las para outras regiões do país. Talvez essa peculiaridade possa ser explicada pelo fato de a Bahia ter sido o principal centro de administração da colônia, como primeira capital do Brasil, como também por ter sido sede do primeiro bispado da Igreja Católica, instituído em 1554.

Acerca disso, é importante frisar que aprofundamos nossos estudos sobre a imaginária baiana e sua ornamentação com douramento em reserva. Como nos

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mostra uma de nossas referências bibliográficas, Cláudia Guanais A. Fausto119, algumas imagens baianas são bastante ornamentadas. É possível identificar esculturas com revestimento total de folha metálica em toda a parte frontal das vestes e, em menor quantidade, na parte posterior. Isso também o comprovamos em nossa pesquisa realizada em Salvador-BA. Assim como nos mostra Fausto120, salientamos que não podemos restringir a imaginária baiana do século XIX à única característica do “douramento em reserva”. Essa autora nos diz isso, mostrando que nesse período há também imagens que têm douramento integral em suas vestimentas. Ela ainda afirma que as características da imagem dependem também do encomendante da peça, por isso que em sua dissertação fala sobre a atuação das Ordens Terceiras. Assim, quem tinha elevado poder aquisitivo não foi tão influenciado pela decadência do ouro em Minas Gerais para produzir as esculturas religiosas.

No caso das imagens do acervo em estudo, mantemos a hipótese de que parte dele seja proveniente da Bahia devido à questão geográfica abordada, `a presença dos "ressaídos" na imaginária dos dois Estados, e porque o “douramento em reserva”, apesar de não ser a característica principal da imaginária baiana, é encontrado com mais frequência nas imagens desse Estado. Essa consideração é feita tendo como base, principalmente, o estudo efetuado no capítulo 3.

Acerca da procedência sugerida para a imagem de Nossa Senhora do Rosário, (Figuras 44, 97, 98, 114, 179 e 181), portuguesa ou mineira, verificamos que, muito provavelmente, a procedência mais correta seja a portuguesa. Ao estudarmos alguns acervos de arte sacra de Minas Gerais, não foram identificadas semelhanças com a imagem do Espírito Santo. Essa distinção, como se pôde comprovar em nossa pesquisa, é visível inclusive na carnação – a não ser que a escultura de Nossa Senhora do Rosário daqui tenha sofrido nessa área da policromia algum tipo de deterioração, tendo “forçado” um tipo de intervenção que teria, de certa forma, alterado a sua policromia original.

De todo modo, também, realçamos aqui a influência de outros países para a imaginária cristã no Brasil, principalmente daqueles que mais fizeram parte do seu

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FAUSTO, 2009.

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processo de colonização (Portugal e Espanha). Lembramos que Portugal foi Metrópole do Brasil Colônia e que as primeiras imagens vindas para o Brasil são portuguesas. Além disso, citamos que no período correspondente à União Ibérica (1580-1640), também foram trazidas para cá imagens espanholas.

Dado o exposto, chegamos mesmo a cogitar a possibilidade da imagem de Nossa Senhora do Rosário ser espanhola, mas, a técnica da pastilha utilizada não é o tipo de relevo mais comum na Espanha e sim, como mostram Ramos e Martínez, a técnica do “Brocado Aplicado”. Nesse sentido, é mais provável que fosse portuguesa, como a imagem de Nossa Mãe dos Homens, segundo Mauro Fraga na Revista Capixaba, em 1968.

O que também comprovamos, a partir de nossos estudos, é a necessidade de um maior cuidado com o patrimônio Histórico do Espírito Santo. Vemos a possibilidade do conhecimento da história desse Estado, e mais precisamente desse acervo, despertar o interesse das partes competentes, e mesmo da população em geral, para que essas peças religiosas que fazem parte da nossa cultura sejam preservadas.

Quanto à hipótese de ter havido santeiros trabalhando no Estado do Espírito Santo, confirmamo-la devido à identificação de Domingos de Abreu e Lima ou Domingos Gonçalves de Abreu e Lima, conhecido como Domingos Santista por alguns, e por outros, como Domingos Santeiro. A partir de um levantamento documental sobre a Fazenda Monte Líbano, onde ele teria trabalhado, assim como sobre a Capela Senhor dos Passos, hoje Igreja Nosso Senhor dos Passos, conhecida como Matriz Velha, e, situada em Cachoeiro de Itapemirim, foi possível encontrar registros sobre alguns de seus trabalhos. Esse santeiro teria sido contratado por Antônio Francisco de Souza Monteiro, dono da Fazenda Monte Líbano. Além da decoração da Capela de Nosso Senhor dos Passos, teria produzido algumas imagens, o que reforça a ideia de que realmente ele seja o autor de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição (Figuras 26, 48, 101, 102 e 115), do Acervo de Arte Sacra do Museu Solar Monjardim, que, “coincidentemente”, teria sido doada pela neta de Antônio Francisco de Souza Monteiro, a historiadora, Maria Stella de Novaes. Nesse sentido,

discordamos de Andrea Valentina121 quando escreve que a imagem de Nossa Senhora da Conceição faria parte do acervo da Ordem Terceira da Penitência, uma vez que a autora não apresenta documentação que confirme isso.

Ainda não encontramos informações acerca de outras imagens que teriam sido feitas por Domingos Santista, a não ser aquela correspondente ao acervo em estudo. Essa pesquisa para a atribuição de imagens realizadas por ele, almejamos realizar na oportunidade de um próximo estudo, não tendo sido esse o foco principal de nosso objetivo para esta dissertação.

Também relevante para a nossa pesquisa foi a associação da talha das esculturas com as dobras na conceituação da geomorfologia, a fim de nos auxiliar na percepção e análise da talha.

Além disso, comprovamos que a policromia e a talha da peça podem, realmente, ser feitas por pessoas diferentes que assumem papéis específicos na feitura da imagem. Sobre isso, retomamos o que escreve Beatriz Coelho acerca da policromia: “Depois de terminada a talha e colocados os olhos, a imagem ia para as mãos do pintor, que, em geral, era também dourador e se encarregava de aplicar todas as camadas da policromia122” No capítulo 3, vimos que esculturas cujo estofamento é bastante semelhante, se diferem muito quanto ao entalhamento. O mesmo se verifica no cabelo, elemento do qual não encontramos imagens com uma semelhança marcante e que evidenciassem um tipo de “cacoete”, para a identificação de um possível santeiro no Estado do Espírito Santo, além daquele que identificamos.

Ao considerarmos os aspectos construtivos das esculturas, e, mais precisamente, o panejamento e as características formais dos cabelos das imagens, enfatizamos que tal como a linguagem verbal, o estilo e a técnica podem auxiliar na compreensão dos costumes de determinada época, em nosso caso, nos auxiliam na compreensão da devoção religiosa, não somente no Espírito Santo, como também em outras regiões do Brasil, e mesmo, em outros países.

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VALENTINA, 2009.

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Em face da deficiência de documentação sobre esse acervo, já que a maior parte dos dados utilizados aqui para a constituição de sua história foi retirada de recortes de jornais e de documentos avulsos, encontrados no IPHAN, concordamos com o que diz Luiz Alberto Ribeiro Freire em artigo apresentado ao 18° Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, realizado em 2009, em Salvador- BA, de que a ausência, e aqui indicamos a deficiência, de informação textual não impede a realização de um trabalho com a realidade visual, pois havendo manifestação estética e conformação plástica, as possibilidades elementares de se construir história da Arte estão postas.

Assim, por meio do estudo formal da talha das esculturas do acervo, e da continuação de uma observação acerca das técnicas de ornamentação das vestimentas, já empreendida na pesquisa de 2009, e cruzando com alguns dados históricos, foi possível avançarmos em hipóteses acerca do local de procedência e da origem do acervo estudado.

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