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Por todo o exposto, conclui-se que a lei n.º 13.104/15, que tipificou o crime de feminicídio, é um instrumento de proteção aos direitos humanos, na medida em que é uma legislação com a finalidade específica de criminalizar a forma mais extrema de violência de gênero.

Tal legislação foi pensada no contexto da CMPI de Combate à Violência contra a Mulher, que produziu uma grande investigação sobre os casos de violência de gênero no Brasil, além de estar de acordo com os tratados e Convenções internacionais de direitos humanos, em especial a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, os quais recomendam medidas, inclusive de caráter legislativo, para proteção e garantia dos direitos fundamentais das mulheres.

A criminalização do feminicídio serve não apenas para nomear e destacar as mortes de mulheres em razão do gênero, o que propicia o conhecimento e o debate sobre o problema, mas também para punir, de forma determinante, os agressores. Um homicídio em razão do gênero não pode ser tratado simplesmente como um homicídio, tendo em vista que sua motivação é específica e fruto de um sistema patriarcal de sociedade, que deve ser discutido e desconstruído.

Ressalta-se, ainda, a importância do estigma causado pela criminalização da violência de gênero, especialmente por ser uma conduta que, historicamente, é reduzida a um problema de menor gravidade, ou até mesmo a uma questão familiar. Estigmatizar o agressor, sobretudo sendo esse companheiro ou ex-companheiro da vítima, tem a utilidade de demonstrar que a violência contra a mulher não deve ser naturalizada.

Por fim, salienta-se que a interpretação conforme os direitos humanos, com base no princípio pro homine, permite compreender a legislação sobre feminicídio como uma norma

protetora dos direitos humanos das mulheres, na medida em que deve prevalecer sobre a norma que estabelece o privilégio para o homicídio, na hipótese de um conflito aparente de normas penais. Considerando que não pode haver a coexistência do homicídio privilegiado com a qualificadora do feminicídio, em razão desta tratar da motivação do crime, deve-se primar pela aplicação da qualificadora no caso concreto, posto que tal norma protege os direitos fundamentais das vítimas, em detrimento do privilégio, que consiste em um benefício para o agressor.

Conclui-se, portanto, que criminalizar o feminicídio é relevante para nomear o problema, promover o debate acerca dele e fomentar a busca por formas eficazes de combater a violência de gênero em todos os âmbitos e em todas as suas formas, inclusive evitando o seu ápice que é o homicídio da vítima. A lei n.º 13.104/15 deve ser devidamente aplicada, de maneira que possa cumprir o seu papel enquanto norma penal e enquanto instrumento de proteção aos direitos humanos das mulheres.

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