• Nenhum resultado encontrado

Detectabilidade e ocupação das espécies

5. CONCLUSÃO GERAL

Do ponto de vista da conservação da diversidade, o presente estudo avaliou a singularidade ecológica em termos de composição de espécies em cada área de estudo, e mais especificamente, em cada ponto amostral (i.e., camera trap), permitindo identificar os processos que explicam uma maior ou menor diversidade β entre as comunidades de mamíferos terrestres em oito florestas neotropicais. O estudo mostra que áreas de floresta contínua foram mais similares entre si e diferiram significativamente das áreas fragmentadas, resultando em maiores estimativas de diversidade β para as áreas menores (> LCBD). Tanto a substituição quanto a diferença na riqueza de espécies atuam entre estas comunidades, mas foi a diferença na riqueza de espécies o principal fator para a variação encontrada entre as áreas.

A diversidade β esteve associada à distância espacial e também à fatores da paisagem, como o tamanho da área e aspectos da vegetação (NDVI e área basal). Outro ponto relevante foi a identificação de quais as espécies que mais contribuem para a diversidade β (SCBD). As espécies com maior SCBD apresentaram maior abundância, ocupação naïve e são em sua maioria herbívoras, enquanto que espécies carnívoras obtiveram os menores índices. Os resultados indicam que as comunidades de mamíferos em áreas de floresta contínua são mais complexas do que as áreas fragmentadas, nas quais os herbívoros são abundantes e carnívoros de grande porte, como onça pintada (P. onca) e onça parda (P. concolor), estão localmente extintos ou apresentam menor abundância relativa. Através desta abordagem proposta por LEGENDRE & DE CÁCERES (2013), a qual considera a contribuição local (LCBD) e das espécies (SCBD) para a diversidade β, é possível identificar e focar esforços de conservação em sítios ou espécies específicos, sendo uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento de planos de manejo e restauração nestas áreas a fim de manter a diversidade regional (γ).

A variação na riqueza e abundância de espécies são características que podem influenciar nos mecanismos de seleção de recursos, atividades circadianas e uso do espaço das espécies, principalmente àquelas que são ecologicamente similares, como os felinos. Este estudo ampliou o conhecimento sobre os mecanismos de coexistência, avaliando os padrões de uso de espaço e sobreposição nos padrões de atividade de cinco espécies felinos [onça pintada (P. onca), onça parda (P. concolor), jaguatirica (L. pardalis), jaguarundi (H. yagouaroundi) e gato maracajá (Leopardus

wiedii)] ao longo de oito áreas florestais que apresentam diferentes contextos de paisagem.

Os resultados mostram que onça pintada, onça parda e jaguatirica exibiram padrões claros de diferenciação no uso do habitat, havendo maior influência da disponibilidade de presas do que das variáveis ambientais e da interação entre as espécies. Os menores coeficientes de sobreposição nos padrões de atividade foram observados entre as espécies menores (jaguatitica-jaguarundi e

145 jaguarundi-gato-maracajá), sugerindo que a competição interespecífica desempenha um papel importante entre jaguatirica e as espécies menores de felinos. O estudo revela que há algum nível de sobreposição espacial e temporal, principalmente entre as três espécies de maior porte, mas vai além ao avaliar numa escala fina a disponibilidade local de recursos e os padrões de atividade, detectando o particionamento de nicho e as diferenças no comportamento dos felinos entre os locais de estudo.

Por fim, discutiu-se a influência da sazonalidade nos padrões de movimentação das espécies em função da variação da disponibilidade de água e recursos alimentares (considerando que a disponibilidade de flores e frutos é maior na estação seca). O estudo vêm preencher uma lacuna no conhecimento sobre a dinâmica sazonal de espécies em florestas tropicais, pois a grande maioria dos estudos é de curto prazo ou a amostragem é realizada apenas durante os períodos de menor precipitação. Os resultados demonstram que a composição de espécies e a abundância total não variaram significativamente entre as estações, porém que a sazonalidade influenciou a ocupação e detecção de espécies como paca (C. paca), cotia (D. leporina) e veado vermelho (M. americana). A ocorrência de outras espécies analisadas não foi influenciada pela estação ou variáveis climáticas, mas sim por características do habitat, como elevação e a distância vertical à drenagem.

Do ponto de vista metodológico, não houve diferença significativa na riqueza e abundância total das espécies entre os períodos de amostragem e estações, mesmo considerando diferenças no esforço amostral em cada um (apenas 30 armadilhas fotográficas foram instaladas durante a estação chuvosa em 2014, enquanto que 60 foram instaladas nos demais períodos). Isso indica que o monitoramento através de armadilhas fotográficas é bastante eficiente para registrar a mastofauna terrestre e seus padrões gerais de riqueza e abundância quando utiliza-se um esforço concentrado e um desenho amostral que contemple uma extensão de área suficiente para englobar diferentes características do habitat. Nosso estudo demonstrou que o efeito da sazonalidade pode ser limitado para mamíferos considerados residentes na área (i.e., não migratórios), mas ressalta a importância de considerar mudanças ao longo do ano para o melhor entendimento da dinâmica destas espécies em florestas tropicais.

Este estudo destaca a importância do uso de diferentes abordagens para descrever os padrões de diversidade de mamíferos terrestres de uma das regiões mais ricas do planeta. Compreender como essa diversidade está distribuída em diferentes escalas, seja em um ponto de armadilha fotográfica, um sítio ou uma região, permite uma melhor avaliação de como as características bióticas, fatores espaciais, bem como os desencadeados por ações antrópicas, podem influenciar os mamíferos terrestres e suas interações. Estas informações são fundamentais no delineamento de estratégias para a conservação tanto das espécies quanto das próprias florestas.

146

6. REFERENCIAS

AHUMADA, J. A. et al. Community structure and diversity of tropical forest mammals: data from a global camera trap network. Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological

Sciences, v. 366, n. 1578, p. 2703–2711, 2011.

BADGLEY, C. Tectonics, topography, and mammalian diversity. Ecography, v. 33, n. 2, p. 220– 231, 2010.

BASELGA, A. Partitioning the turnover and nestedness components of beta diversity. Global

Ecology and Biogeography, v. 19, n. 1, p. 134–143, 2010.

BEAUDROT, L. et al. Standardized Assessment of Biodiversity Trends in Tropical Forest Protected Areas: The End Is Not in Sight. PLOS Biology, v. 14, n. 1, 2016.

BURTON, A. C. et al. Wildlife camera trapping: a review and recommendations for linking surveys to ecological processes. Journal of Applied Ecology, v. 52, n. 3, p. 675–685, 2015.

CARBONE, C. et al. The use of photographic rates to estimate densities of tigers and other cryptic mammals. Animal Conservation, v. 4, n. 1, p. 75–79, 2001.

CHASE, J. M. Community assembly: When should history matter? Oecologia, v. 136, n. 4, p. 489– 498, 2003.

CHIARELLO, A. G. Effects of fragmentation of the Atlantic forest on mammal communities in south-eastern Brazil. Biological Conservation, v. 89, n. 1, p. 71–82, 1999.

CUSACK, J. J. et al. Revealing kleptoparasitic and predatory tendencies in an African mammal community using camera traps: a comparison of spatiotemporal approaches. Oikos, v. 126, n. 6, p. 812–822, jun. 2017.

DEFRIES, R. et al. From plot to landscape scale: Linking tropical biodiversity measurements across spatial scales. Frontiers in Ecology and the Environment, v. 8, n. 3, p. 153–160, 2010.

DOBROVOLSKI, R. et al. Climatic history and dispersal ability explain the relative importance of turnover and nestedness components of beta diversity. Global Ecology and Biogeography, v. 21, n. 2, p. 191–197, 2012.

DONADIO, E. & BUSKIRK, S. W. Diet, Morphology, and Interspecific Killing in Carnivora. The

American Naturalist, v. 167, n. 4, p. 524–536, 2006.

EISENBERG, J. F. Neotropical mammal communities. In: GENTRY, A. H. (Ed.). . Four

Neotropical Rainforests. New Raven: Yale University Press, 1990.

EMMONS, L. H. & FEER, F. Neotropical Rainforest Mammals: a field guide. 2. ed. Chicago/London: University of Chicago Press, 1997.

ESPINOSA, S., CELIS, G. & BRANCH, L. C. When roads appear jaguars decline: Increased access to an Amazonian wilderness area reduces potential for jaguar conservation. PLOS ONE, v. 13, n. 1, 2018.

GASTON, K. J. Global patterns in biodiversity. v. 405, n. 6783, p. 220–227, 2000.

HAUGAASEN, T. & PERES, C. A. Primate assemblage structure in Amazonian flooded and unflooded forests. American Journal of Primatology, v. 67, n. 2, p. 243–258, 2005.

JANSEN, P. A. et al. TEAM: A standardised camera-trap survey to monitor terrestrial vertebrate communities in tropical forests. In: MEEK, P. D.; FLEMING, P. J. S. (Eds.). . Camera trapping :

147

wildlife management and research. Melbourne, Australia: CSIRO Publishing, 2014. p. 263–270.

JETZ, W. & FINE, P. V. A. Global gradients in vertebrate diversity predicted by historical area- productivity dynamics and contemporary environment. PLoS Biology, v. 10, n. 3, 2012. KARANTH, K. U. et al. Monitoring carnivore populations at the landscape scale: Occupancy modelling of tigers from sign surveys. Journal of Applied Ecology, v. 48, n. 4, p. 1048–1056, 2011.

KOLEFF, P., LENNON, J. J. & GASTON, K. J. Are there latitudinal gradients in species turnover?

Global Ecology & Biogeography, v. 12, p. 483–498, 2003.

LEGENDRE, P., BORCARD, D. & PERES-NETO, P. R. Analysing beta diversity: partitioning the spatial variation of community composition data. Ecological Monographs, v. 75, n. 4, p. 435–450, nov. 2005.

LEGENDRE, P. & DE CÁCERES, M. Beta diversity as the variance of community data: dissimilarity coefficients and partitioning. Ecology Letters, v. 16, p. 951–963, 2013.

LENNON, J. J. et al. The geographical structure of British bird distributions: Diversity, spatial turnover and scale. Journal of Animal Ecology, v. 70, n. 6, p. 966–979, 2001.

MACARTHUR, R. & LEVINS, R. The Limiting Similarity, Convergence, and Divergence of Coexisting Species. The American Naturalist, v. 101, n. 921, p. 377–385, 1967.

MACKENZIE, D. I. et al. Estimating Site Occupancy Rates When Detection Probabilities Are Less Than One. Ecology, v. 83, n. 8, p. 2248–2255, 2002.

MARTIN, E. H., NDIBALEMA, V. G. & ROVERO, F. Does variation between dry and wet seasons affect tropical forest mammals’ occupancy and detectability by camera traps? Case study from the Udzungwa Mountains, Tanzania. African Journal of Ecology, v. 55, n. 1, p. 37–46, 2017. MENDES PONTES, A. R. & CHIVERS, D. J. Peccary movements as determinants of the

movements of large cats in Brazilian Amazonia. Journal of Zoology, v. 273, n. 3, p. 257–265, 2007.

MICHALSKI, F. & PERES, C. A. Disturbance-mediated mammal persistence and abundance-area relationships in Amazonian forest fragments. Conservation Biology, v. 21, n. 6, p. 1626–1640, 2007.

MONTERROSO, P., ALVES, P. C. & FERRERAS, P. Plasticity in circadian activity patterns of mesocarnivores in Southwestern Europe: implications for species coexistence. Behavioral Ecology

and Sociobiology, v. 68, n. 9, p. 1403–1417, 2014.

O’BRIEN, T. G. et al. The wildlife picture index: Monitoring top trophic levels. Animal

Conservation, v. 13, n. 4, p. 335–343, 2010.

PALMEIRIM, A. F. et al. Ecological correlates of mammal β-diversity in Amazonian land-bridge islands: from small- to large-bodied species. Diversity and Distributions, v. 24, n. 8, p. 1109– 1120, 2018.

PALOMARES, F. & CARO, T. M. Interspecific Killing among Mammalian Carnivores. The

American Naturalist, v. 153, n. 5, p. 492–508, 1999.

PRIMACK, R. & CORLETT, R. Tropical Rain Forests: An Ecological and Biogeographical

Comparison. 2nd. ed. Oxford, UK: Blackwell Publishing, 2005.

148 v. 235, n. 4785, p. 167–171, 1987.

RICKLEFS, R. E. Evolutionary diversification and the origin of the diversity–environment relationship. Ecology, v. 87, n. 7, p. 3–13, 2006.

RIDOUT, M. S. & LINKIE, M. Estimating overlap of daily activity patterns from camera trap data.

Journal of Agricultural, Biological, and Environmental Statistics, v. 14, n. 3, p. 322–337, 2009.

ROVERO, F. & ZIMMERMANN, F. Camera Trapping for Wildlife Research. Exeter, UK: Pelagic Publishing, 2016.

ROWCLIFFE, J. M. et al. Quantifying levels of animal activity using camera trap data. Methods in

Ecology and Evolution, v. 5, n. 11, p. 1170–1179, 2014.

ROWCLIFFE, J. M. et al. Wildlife speed cameras: measuring animal travel speed and day range using camera traps. Remote Sensing in Ecology and Conservation, v. 2, n. 2, p. 84–94, 2016. SCHOENER, T. W. Resource partitioning in ecological communities. Science, v. 185, n. 4145, p. 27–39, 1974.

SVENNING, J. C., FLØJGAARD, C. & BASELGA, A. Climate, history and neutrality as drivers of mammal beta diversity in Europe: Insights from multiscale deconstruction. Journal of Animal

Ecology, v. 80, n. 2, p. 393–402, 2011.

TEAM NETWORK. Terrestrial Vertebrate Monitoring ProtocolArlington, VA, USAConservation International, , 2011.

TERBORGH, J. Maintenance of Diversity in Tropical Forests. Biotropica, v. 24, n. 2, p. 283, 1992. TERBORGH, J. et al. The role of top carnivores in regulating terrestrial ecosystems. Continental

Conservation: Scientific Foundations of Regional Reserve Networks, p. 39–64, 1999.

WHITTAKER, R. H. Evolution and Measurement of Species Diversity. Taxon, v. 21, n. 2/3, p. 213, 1972.

Documentos relacionados