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(1) A Constituição Federal, excepcionando a regra geral da responsabilidade penal das pessoas físicas, consagrou a imputabilidade penal das pessoas jurídicas na esfera das lesões ao meio ambiente e nos crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, provocando grande polêmica ao inserir os dois dispositivos acima transcritos, levando a doutrina penal brasileira à discussão da sua temática e de seus princípios.

(2) A principal pergunta que se faz frente ao texto constitucional é a seguinte: a Carta Magna introduziu ou não a responsabilidade penal das pessoas jurídicas?

Os constitucionalistas, em sua grande maioria, respondem afirmativamente à essa indagação, reconhecendo, portanto, a consagração da responsabilidade penal das pessoas jurídicas na Constituição Federal de 1988. Expoentes desta corrente são José Afonso da Silva, Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins, Pinto Ferreira, entre outros.

Outros pensadores entendem que esta responsabilidade ainda se encontra limitada à responsabilidade subjetiva e individual, não se podendo falar em responsabilização de ente coletivo.

(3) Obedecendo-se aos ditames constitucionais, após mais de três projetos distintos de regulamentação de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, foi, enfim, editada a Lei 9.605/98. Seu grande destaque foi justamente a instituição da responsabilidade penal da pessoa jurídica na legislação ordinária fundada no art. 225, § 3º, da CF/88, que previa a responsabilidade das empresas por danos ambientais, resultado inconteste da insensibilidade social cada vez mais emergente.

De acordo com o seu art. 3º, as pessoas jurídicas serão responsabilizadas na esfera administrativa, civil e penal, conforme dispõe a lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou no benefício de sua entidade.

Vale lembrar que a responsabilização do ente coletivo não exclui a responsabilização das pessoas naturais, que sejam autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, o que demonstra a adoção do sistema duplo de imputação, consagrando-se a teoria da co-autoria necessária entre agente individual e coletividade.

A lei em comento dispõe em seu artigo 4º acerca da teoria da desconsideração da personalidade, o que possibilita que sempre que a personalidade da empresa constituir-se em obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, poderá ter a sua personalidade jurídica desconsiderada.

O legislador ambiental adotou três espécies de pena: a) a pena de multa; b) as restritivas de direito e c) a prestação de serviços à comunidade, sendo que nestas duas últimas criou espécies diferentes.

Muitos doutrinadores não aceitam a responsabilização penal das pessoas jurídicas que cometem atos lesivos ao meio ambiente. Sustentam, para tanto, que a Lei de Crimes Ambientais ao descrever as normas penais incriminadoras não indicou sobre qual delas poderia recair a responsabilidade do ente coletivo, tampouco a pena a ser aplicada em cada caso.

Assim, defendem os que são contra a responsabilização criminal dos entes coletivos que da forma como foi redigido o dispositivo, outra não é a conseqüência, senão a sua inaplicabilidade. Outros, porém, a entendem perfeitamente aplicável.

(4) As polêmicas sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas apresentam inúmeros problemas, destacando-se como principais os seguintes:

questões de política criminal, a incapacidade de ação/omissão por parte da pessoa jurídica, a incapacidade de culpabilidade, o princípio da personalidade da pena; as espécies ou natureza das penas aplicáveis às pessoas jurídicas, a responsabilidade sem culpa (desprezo ao instituto da culpabilidade), a violação ao princípio da personalidade da pena e a incapacidade de arrependimento.

Ausência de culpabilidade - a questão da ausência da culpabilidade é crucial para os que sustentam a inaplicabilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica.

A culpabilidade é pressuposto para a aplicação da pena. É que para que haja culpabilidade, devem-se configurar todos os seus elementos: a) a imputabilidade, a consciência – real ou potencial; b) ilicitude do fato e c) a exigibilidade de conduta diversa. E como se sabe, o ente coletivo não possui consciência, não possui vontade própria, o que inviabiliza ter o mesmo imputabilidade, conhecimento sobre a ilicitude do fato e se poderia ela tomar ou não outra conduta, que não fosse a descrita no tipo penal.

Assim, não há como se falar em responsabilidade sem culpa. A pessoa jurídica, por ser desprovida de inteligência e vontade, é incapaz, por si própria, de cometer um crime, necessitando sempre recorrer a seus órgãos integrados por pessoas físicas, sendo estas, por sua vez, capazes de agir com consciência e com vontade de infringir a lei.

Princípio da personalidade da pena - a condenação do ente coletivo pressupõe a penalização de membros inocentes do grupo jurídico, contrapondo-se, portanto, à personalidade da pena. A sociedade é incapaz de sentir o efeito aflitivo e reeducativo da sanção penal.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, XLV dispõe que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, consagrando o princípio da personalidade da pena. Desta conclui-se que o corolário lógico do princípio da personalidade da pena é o princípio da individualização da pena e a substituição da pena privativa de liberdade aplicada. Desta forma, o princípio da personalidade da pena – consagrado pelo direito penal moderno - funciona como óbice à responsabilização penal da pessoa jurídica.

Incapacidade de arrependimento - um dos grandes valores do ser humano é o seu arrependimento, sendo que a pessoa jurídica não pode ser intimidada e nem reeducada, ou seja, os fins da pena não poderiam ser atingidos pela aplicação de uma sanção deste tipo. Assim, é impossível que uma pessoa jurídica se arrependa, uma vez que desprovida de vontade, não podendo ser intimidada ou mesmo reeducada.

Por absoluta impossibilidade lógica, é inaplicável às pessoas jurídicas as penas privativas de liberdade, reprovação essa que, ainda hoje, constitui-se na principal medida institucional utilizada contra as pessoas físicas.

(5) Como argumentos favoráveis à responsabilização penal da pessoa jurídica, podem ser apontados: princípio do alter ego; respondeat superior; teoria da realidade da pessoa jurídica e a possibilidade de imposição de outras penas que não seja a privativa de liberdade.

Princípio do alter ego – trata-se da responsabilidade direta do ente jurídico ante os atos da pessoa física que comete a infração e considera como atos do próprio ente.

O indivíduo identifica-se com o ente jurídico, sendo este a própria pessoa jurídica.

Respondeat superior – pretende exprimir a idéia de que o autor da infração não é mais do que um agente subordinado de grau inferior, uma espécie de braço da pessoa jurídica. Tem-se a responsabilidade delegada.

Teoria da realidade da pessoa jurídica – já deixou de ser a pessoa jurídica uma mera ficção para tornar-se uma realidade, constituindo-se o modo de expressão uma medidas de segurança, as de multa, a de perdimento de bens, entre outras.

(6) Para que haja a responsabilização criminal da pessoa jurídica, é preciso que sejam observados vários aspectos: em primeiro lugar, é necessário que a infração individual seja praticada no interesse da pessoa coletiva, bastando que a infração tenha o objetivo de ser útil à finalidade do ente coletivo; em segundo lugar, é necessário que a infração não se situe fora da esfera da atividade da empresa, o que implica em dizer que estarão excluídas aquelas infrações que se situem além do domínio normal da atividade da pessoa coletiva, como aquelas que somente a pessoa física pode praticar na sua esfera individual; em terceiro lugar, tem-se que a prática da infração deve ter o auxílio do poderio da pessoa coletiva. De fato, não bastam as características acima enumeradas. O que verdadeiramente caracteriza e distingue as infrações das pessoas coletivas é o poderio que atrás delas se oculta, resultante da reunião de forças econômicas, o que vem a provocar que essas infrações tenham um volume e intensidade superior a qualquer infração da criminalidade tradicional. Aqui não há aquela vítima do pequeno furto, do roubo ou mesmo do homicídio, sendo, portanto a sociedade sua vítima.

(7) Como punição ao ente coletivo que comete crime, o Estado pode responder através de três formas: a resposta tradicional impõe medidas administrativas e/ou civis;

a segunda posição, intermediária, seria a de impor “medidas de segurança” às empresas por se entender que as reprovações às empresas fazem parte do direito

penal, sem negar, contudo, sua procedência do direito administrativo; a terceira resposta seria a de se impor uma verdadeira responsabilidade criminal.

(8) Por absoluta impropriedade física, não há como se aplicar a pena normalmente infligida a uma pessoa física, que é a pena privativa de liberdade. A Lei de Crimes Ambientais elencou em seu artigo 21 e seguintes as espécies de pena aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente, aos entes coletivos que cometem crimes contra o meio ambiente, quais sejam: pena de multa, restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade e liqüidação forçada.

Penas de multa – embora conste da Lei nº 9.605/98, previsão expressa para a aplicação da pena de multa para a pessoa jurídica, o legislador não adotou critérios específicos para a sua imposição, razão pela qual, a multa deverá ser calculada pelos critérios no artigo 49 do Código Penal (dias-multa) e caso se revele ineficaz, poderá ser aumentada até o triplo, dependendo do valor da vantagem econômica auferida com a prática criminosa e a situação econômica do infrator. O valor do dia-multa é fixado com base no salário-mínimo mensal vigente à época do fato. Mesmo com a aplicação do máximo da pena (360 dias-multa multiplicado por 5 vezes e aumentado até o triplo), poderá ocorrer uma prestação pecuniária não condizente com a possibilidade financeira da empresa e a necessidade para o efetivo ressarcimento do dano, ou ainda, com a vantagem obtida com o crime.

Penas restritivas de direito – consistem na suspensão parcial ou total de suas atividades, aplicadas quando ela não estiver obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente; na interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com a violação legal ou regulamentar; e a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, não podendo exceder o prazo de dez anos.

Pena de prestação de serviços à comunidade – o legislador enumerou quatro modalidades: custeio de programas e de projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. Estas penas vêm ao encontro dos ditames

constitucionais de buscar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida das pessoas.

Pena de liqüidação forçada – aplicada à pessoa jurídica que permite, facilita ou oculta a prática de crime definido nessa lei, ocasião em que seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.

(9) Expostas as posições doutrinárias sobre a matéria, não há como deixar de se emitir o posicionamento, firmado em decorrência do estudo da questão: partilha-se aqui do entendimento que na verdade, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não passa de mera ficção, não constituindo-se em realidade, tendo em vista que o crime é produto próprio do ser humano e não de um ente despersonalizado, desprovido de consciência, de vontade, de culpabilidade.

Acredita-se que a tentativa de atribuir-se a capacidade penal às pessoas jurídicas é mais um projeto de desestabilização do sistema penal positivo na medida em que estimula a impunidade quando a investigação deixar para segundo plano a identificação dos prepostos da pessoa coletiva.

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