• Nenhum resultado encontrado

O Relatório de Estágio aqui apresentado analisa os resultados obtidos num estudo de caso, realizado com três alunos do ensino vocacional do Conservatório de Música do Porto, que pretendia desenvolver e aplicar pedagogicamente um conjunto de estratégias para a memorização da “Fuga em Fá Maior, BWV 856” do Cravo Bem Temperado de J. S. Bach.

As estratégias desenvolvidas, fundamentadas na literatura existente e, posteriormente, adaptadas ao estilo de aprendizagem de cada aluno e à obra musical selecionada, revelaram resultados muito positivos nos três casos estudados, através de um processo de memorização da “Fuga” muito rápido e amplamente eficaz, não tendo ocorrido, em nenhum dos casos, quaisquer falhas de memória nas performances finais. Estas estratégias procuraram aperfeiçoar e complementar a abordagem de memorização utilizada pelos três alunos antes da intervenção, a qual não se havia revelado muito eficaz, nomeadamente no período de observação.

O facto de se ter abordado a questão da memorização desde o primeiro contacto dos alunos com a obra, possibilitou um processo de memorização muito mais rápido do que o conseguido habitualmente pelos mesmos. Por outro lado, a introdução das estratégias de memorização utilizadas por “experts”, nomeadamente pianistas profissionais, também se revelou adequada para estes alunos, como comprovaram os resultados positivos obtidos. A orientação e reflexão sobre as dedilhações a utilizar, analisando a peça, com o objetivo de identificar padrões musicais e, posteriormente, criar um mapa mental da obra com respetivas pistas de performance, que associavam a determinadas passagens, acabou por resultar, por um lado, no desenvolvimento de uma concepção global da obra e da interpretação pretendida. Por outro lado, esta orientação contribuiu também para o desenvolvimento de uma rede de segurança, que permitiu aos alunos adquirir um maior controlo sobre o processo de memorização.

Apesar de a intervenção ter incidido fundamentalmente sobre memorização, foi possível verificar que as estratégias aplicadas não só desenvolveram os diferentes tipos de memória (auditiva, visual, cinestésica e conceptual), tendo ainda contribuindo para o melhoramento de questões interpretativas, nomeadamente ao nível da diferenciação de vozes e compreensão do fraseado. Estas fomentaram também a capacidade de decisão por parte dos alunos relativamente a questões interpretativas de forma autónoma, como dedilhação, articulação, fraseado, agógica, entre outros, o que nos permite concluir que o seu potencial pedagógico não

74

se limita apenas ao desenvolvimento do processo de memorização, estendendo-se também ao desenvolvimento de outras competências musicais.

Contudo, é importante alertar para as naturais limitações deste estudo, quando se interpretam os resultados aqui apresentados. Uma vez que nos encontramos perante um estudo de caso, com uma amostra reduzida, constituída por alunos que sempre tocaram de memória e com níveis de competência acima da média, dado que ultrapassam as competências exigidas pelos conteúdos programáticos do nível de ensino em que se enquadram, estes resultados devem ser interpretados à luz deste contexto específico, sendo imprudente a sua generalização a outras realidades e casos particulares do ensino da música. Assim, a utilização das estratégias de memorização apresentadas neste estudo, devem ser sempre adaptadas a cada aluno, tendo em conta os seguintes critérios: estilo de aprendizagem, a forma como cada caso encara o processo de memorização e o seu nível de competência, entre outros.

Os resultados desta investigação apontam vários caminhos que poderão ser explorados no futuro, nomeadamente o desenvolvimento de outros estudos que apliquem estas estratégias em contextos de intervenção diferenciados, em particular em escolas de ensino vocacional que funcionam noutros regimes de ensino. Além disso, estes resultados poderão também ser expandidos através da realização de outros estudos experimentais, que avaliem a aplicabilidade destas estratégias em alunos do nível complementar, com amostras mais significativas e representativas. Por outro lado, seria pertinente estudar a aplicação destas estratégias em alunos que revelem grandes níveis de ansiedade a tocar de memória, de forma a procurar compreender se, e de que forma, as mesmas contribuem para o aumento da confiança destes alunos e para a redução da ansiedade quando tocam em público de memória. A literatura evidenciou ainda lacunas relativamente a estudos que contemplem estratégias de memorização para outros géneros musicais, que se revelam particularmente difíceis de memorizar, nomeadamente a música contemporânea, sendo esta uma área cujo estudo poderia ser de grande utilidade para um desenvolvimento da compreensão destes processos e que poderá refletir-se em consequências práticas benéficas para os intérpretes.

Este estudo não pretende defender ou fomentar a ideia de que a performance de memória deve ser obrigatória para todos os alunos. Todavia, procura demonstrar a sua pertinência, utilidade e sucesso na implementação de estratégias de memorização, aqui apresentadas e implementadas em contexto de ensino e aprendizagem, uma vez que as mesmas desenvolvem diferentes tipos de memória (auditiva, visual, cinestésica e conceptual), como também

75

capacidades analíticas, autonomia na tomada de decisões interpretativas e concentração, entre outras.

No momento da performance, cabe a cada professor considerar se a performance de memória será um benefício para o aluno ou um foco de ansiedade e desconforto, optando pela utilização ou não da partitura, como foi defendido por autores como Agay (1981), Blanchard (2007) e Mitchell (2010).

Os professores devem ser sensibilizados para a necessidade de encararem a memorização como uma competência que deve ser trabalhada com os alunos. No entanto, uma vez que o processo de memorização se pode revelar uma tarefa complexa e intimidante para alguns alunos, não se deve solicitar que memorizem uma obra musical sem lhes proporcionar a devida orientação e as estratégias mais adequadas, para que o processo não se transforme numa fonte de ansiedade, originando desmotivação, bloqueios e um eventual insucesso.

Em suma, o trabalho de estratégias de memorização em sala de aula poderá trazer grandes benefícios para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem de repertório para piano, desenvolvendo diferentes competências musicais nos alunos, reduzindo a ansiedade de tocar em público, aumentando a sua confiança e melhorando a sua performance musical.

76

Documentos relacionados