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Quando os presidentes das oito nações mais ricas do mundo assinam um termo conjunto defendendo o uso dos dados governamentais abertos para “capacitar os indivíduos, os meios de comunicação, a sociedade civil e as empresas ajudando a obter melhores resultados nos serviços públicos, como saúde, educação, segurança pública, proteção ambiental e governança” (GOVUK, 2013), torna-se fundamental compreender os usos e efeitos da disponibilização de dados governamentais e avaliar os incentivos políticos em jogo.

A principal contribuição deste trabalho é ampliar o conhecimento sobre os efeitos das políticas de governo aberto através da publicação e uso dos dados governamentais. Grande parte da literatura existente sobre este assunto procura analisar aspectos técnicos de gestão e disseminação da informação fazendo com que atores não iniciados em tecnologia tenham uma percepção limitada de como esta ferramenta pode auxiliar o desenho das políticas sociais visando aumentar a eficiência dos serviços públicos, melhorar a transparência na gestão dos recursos e viabilizar novos canais de participação com a sociedade civil organizada.

O objetivo principal da pesquisa foi analisar os efeitos dos dados educacionais abertos sobre a administração e a prática do processo educativo no ensino básico. Para isso analisou e comparou as experiências da Inglaterra e do Brasil identificando os diversos atores sociais envolvidos, o grau de acesso à informação dos dados governamentais e as externalidades que seu uso e mediação propiciam.

Com base nos achados podemos argumentar que a tecnologia amplia o poder do principal em relação à escolha parental da escola, porém também gera aspectos indesejáveis como o acesso privilegiado da informação por classes mais ricas e o uso dos dados em formato de rankings para comparar a qualidade de ensino de uma escola sem levar em conta suas características socioambientais.

Do ponto de vista do agente, a transparência de informação aumenta a pressão por uma gestão baseada em metas e indicadores norteando as ações político-pedagógicas. Segundo alguns críticos, a abordagem “data-driven” reforça a ideia de que a gestão da educação e a avaliação do aprendizado podem ser reduzidas a um número. Esse viés anularia, portanto, análises subjetivas e dialógicas pautadas no desenvolvimento de valores e habilidades não cognitivas do ser humano. A abordagem “data-informed” surge como uma alternativa procurando utilizar os dados como ferramenta de questionamento e apoio às conversações dentro da escola e na comunidade.

Dessa forma, os dados educacionais abertos apresentam em síntese duas dinâmicas principais: controle e colaboração e externalidades distintas dependendo do contexto. No caso do controle, visa suportar principalmente políticas de accountability através da divulgação de informações de desempenho das escolas orientando o processo de escolha parental e o funcionamento de quasi-mercado como na Inglaterra, e suporte a políticas de incentivo ao aumento da qualidade do ensino em Estados e Municípios como no Brasil. A mediação no

formato de ranking pode trazer efeitos negativos como a estratificação social e estigmatização das escolas de pior desempenho. No entanto, no caso brasileiro, o uso do indicador de performance para avaliar as gestões de Governadores e Prefeitos parece trazer um efeito positivo pela importância dada ao debate da qualidade da educação pública.

No caso da colaboração, os dados visam apoiar a gestão através do benchmarking entre escolas e da análise dos dados para tomada de decisões. A mediação se dá usualmente por ferramentas privadas pagas ou subsidiadas que facilitam a visualização e a apropriação das informações com efeitos positivos na capacidade de diagnosticar e resolver problemas comparando os resultados de uma escola ou de uma rede com outras unidades similares. A colaboração também se materializa através da participação social, seja através do movimento de hackers em busca de soluções inovadoras para desafios técnicos ligados a disseminação dos dados educacionais ou na parceria com empresas e organizações sociais para aumentar a qualidade e a eficiência dos processos de educação pública.

Uma das limitações desta pesquisa foi a pouca diversidade de atores sociais entrevistados na Inglaterra. Naquele país não foi possível realizar entrevistas com gestores, parlamentares, auditores e imprensa. No Brasil, apesar da grande variedade de entrevistas, não foi possível aprofundar a pesquisa com os pais de alunos, pois os que foram contatados tiveram receio de expor suas opiniões e sofrer alguma retaliação. A pesquisa também foi limitada no seu escopo, pois analisou a educação de base de apenas dois países.

Recomenda-se que futuras pesquisas avancem sobre a temática de dados governamentais abertos analisando a experiência de outros países bem como os efeitos em outras áreas das políticas educacionais como educação infantil, educação técnico-profissionalizante e educação superior. Torna-se especialmente útil analisar os países e políticas onde a iniciativa privada recebe investimento público para entregar serviços e produtos educacionais.

Outro tema recomendado para pesquisas futuras é o uso dos dados abertos no suporte ao ensino e aprendizagem através dos Recursos Educacionais Abertos (REA, 2014). O REA é uma tecnologia que se baseia na disponibilização e reuso do conhecimento de forma livre e que é utilizada, por exemplo, para criação de aulas de forma colaborativa ou disponibilização de conteúdo curricular na modalidade ensino a distância. No REA, os dados abertos são utilizados para descrever uma taxonomia padrão dos objetos educacionais permitindo a sua troca e colaboração entre diferentes redes de educação e mesmo países.

Ao concluir este trabalho, lembramos que diante do aumento dos valores destinados à educação no Brasil, a sociedade precisa aprofundar o debate sobre a melhoria da qualidade do ensino e a eficiência na gestão da educação. O acompanhamento e cobrança das metas previstas pelo Plano Nacional de Educação (PNE), em especial de indicadores como o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), que estabelece um padrão mínimo de investimento do governo federal em Estados e Municípios para atingir uma educação de qualidade, gera uma demanda imediata pela transparência de informação tanto no nível regional como no federal.

A sociedade civil organizada deve cobrar os diferentes níveis de governo para que abram os dados em formatos processáveis por máquina e, diante do conjunto amplo de informações, trabalhar com a mídia, iniciativa privada e hacktivistas para produzir mediações de fácil assimilação tornando o dado governamental útil para a prática da gestão democrática. A apropriação dos dados governamentais por entidades de defesa da educação é fundamental para que os sistemas locais de educação básica deixem de ser uma “caixa-preta”.

Do ponto de vista dos agentes públicos deve-se procurar aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços através da integração das informações governamentais, fomentando uma base de dados nacional de educação básica que seja alimentada pelos entes federados, viabilizando pesquisas e avaliações das políticas públicas por diferentes atores sociais e assegurando a devida proteção aos dados pessoais.

Políticas públicas que incentivem arranjos colaborativos com a esfera pública a partir dos dados governamentais abertos geram a dinâmica necessária para dar conta dos desafios de entregar um serviço com equidade, qualidade e agilidade, satisfazendo as demandas de uma sociedade cada vez mais complexa, múltipla e em constante transformação.

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