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Está estendida a rede. Claro, trata-se de um esforço inicial e inaugural. É certo também que a materialidade e concreção do texto deve dar lugar à leitura das entrelinhas, que refletem o ressôo do pensamento. Aliás, essa idéia de movimento revelou-se como guia maior em nossa jornada, mostrando-nos, inclusive, como é tênue a linha entre o entendimento e o escape do sentido e, ainda, como se faz justo e fulgural buscar o conhecimento por esses entremeios. Foi em torno dessas bordas que procuramos agir, na tentativa de evidenciar algo além no objeto informação, que vale ressaltar, a nosso ver, extrapolou essa imagem objetal e alcançou os ares da subjetividade. Talvez aí se localize nossa maior tarefa nessa dissertação, tão laboriosa quanto compensadora, quer seja a de abrir uma nova janela de observação ao campo da Ciência da Informação, passando pelos contornos da significação.

E foi, principalmente, por se tratar de um feito inédito que se tornou melindroso nosso caminho de construção. Fez-se necessário, primeiramente, uma retomada às discussões postas entre as ciências, as técnicas e o corpo, onde pudemos notar quão longínquas são tais preocupações e, nesse ensejo, foi possível discorrer sobre o advento das tecnociências como uma revolução científica na qual o homem ousou enfrentar o ideal do Deus criador onisciente, que limitava o conhecimento humano. Na modernidade, introduziu-se a idéia do corpo-máquina sem que Descartes fosse condenado à fogueira, embora alguns livros do audacioso La Mettrie não tenham tido a mesma sorte. De atitudes, como a desses pensadores que viveram há quase 300 anos atrás, as Ciências Humanas herdaram a qualidade da inovação, caracterizando-se por um campo que não tem pretensões de dominar a natureza e sim, prezar pelo conhecimento do homem sobre o homem. Mostrou-se, nesse contexto, como são inesgotáveis as possibilidades de pesquisa nessas ciências e como a Ciência da Informação, voltada que está para as relações do homem com as coisas do mundo, por intermédio da informação ancorada ao tecido social, é capaz de abraçar temas como o que propusemos. Neste caso, usufruímos de uma notável

188 característica da área, a interdisciplinaridade, que nos deu o “alcance teórico” necessário para o desenvolvimento dessa discussão. Por meio disso, pudemos estabelecer nosso recorte de pesquisa, engajados na “virada semiótica” proposta por Moura (2006) que nos fez posicionar o corpo como nosso suporte de informação primeiro e parte constituinte das práticas informacionais em sua dinâmica relação com o mundo. Entendemos, nesse sentido, que a informação pode estar “fora do lugar”, ou seja, ademais de suas bases físicas ela ocupa também o espaço das criações e interações humanas.

Seguindo em nossos esforços de oferecer aportes ao debate aqui apresentado, deparamo-nos com polêmicos artistas e teóricos que, por vezes, colocam seus próprios corpos a serviço das discussões, em performances e teorias que, de um modo geral, sugerem a intenção de se fazer pensar a respeito das aproximações entre corpos e tecnologias e para onde as acelerações desse cenário têm nos levado. Aponta-se, então, para o devir ciborgue que se evidencia como expressão legítima da cibercultura, graças ao intrincado relacionamento entre as três vertentes que a compõem, sendo elas: ferramentas tecnológicas, cultura e sociedade. A partir desse contexto, realizou-se um apanhado histórico que apontou para a co-evolução entre homens e máquinas e fez-nos concluir que, ao que parece, estivemos desde sempre, progressiva e intrinsecamente, ligados às tecnologias que produzimos e, com isso, o corpo também “evolui”. Fato é que, o que se altera, contemporaneamente, é a abrangência e velocidade com que se dão tais transformações, em meio às Tecnologias da Informação.

Temos, portanto, um corpo exposto a milhares de informações advindas de um meio permeado por tecnologias em um mundo pleno de movimentos, em fluxos ininterruptos. Interessava-nos saber como se estabelecem as mediações entre a tríade informação, corpo e tecnologias e, para isso, era preciso compreender o ser vivo como processador de informações. Entender o corpo em ações de percepção, processamento e assimilação da informação. Nesse sentido, o contexto sócio- cultural, ao qual estamos inseridos, mostrou-se determinante, a rede surgiu como imagem abrangente e a semiótica voltou à cena para sustentar o tecido teórico que estabelecemos. Das amarras de nossa trama, destacou-se a idéia, fundamental

189 nessa pesquisa, de que a informação pode ser vista como um signo que, como todo outro, constitui-se diante de uma cadeia semiótica inestancável, donde se apreendem sentidos em escape, dos quais podemos apenas nos aproximar. Para fundamentar essa questão, foi necessária uma incursão à obra de Peirce, através de leituras que, embora breves, devido à grandiosidade da obra, foram profícuas ao entendimento que buscávamos, uma vez que nela encontramos conceitos instigantes. Em se tratando de semiótica, faz-se lembrar que, tal exercício, tornou-se ainda mais estimulante, visto que, não é próprio da teoria uma aplicabilidade prática ou concreta, questão essa que não deixou de ser ponderada em nossas análises do objeto empírico. De tal forma e corroborando com a visão central e abrangente de Peirce, que toma o mundo e o próprio homem como signos, pudemos nos acercar de faculdades que nos permitiram avançar em direção ao conhecimento das ações do corpo processual. E, se o que víamos nesse cenário era um corpo em movimento, nada mais propício do que procurar um “objeto movente” para apontar tais ações.

Foi no encontro com o campo da dança que a pesquisa ganhou corpo analítico. A escolha da área mostrava-se providencial, pois lá encontrávamos sujeitos habituados a lidar com as questões do corpo e do movimento. Delineou-se um terreno fértil no qual se articularam os depoimentos dos artistas, que acrescentavam seus saberes ao nosso discurso, principalmente, no que se refere a pensamentos inéditos à nossa área, envolvendo o conceito de informação. Tornou-se possível, nesse ensejo, vislumbrar o entrosamento entre os conceitos semióticos selecionados e as ações do corpo, sob um ponto de vista informacional. Diante da qualidade e quantidade de material coletado em campo, voltar-se para a gênese da obra foi uma escolha que cumprimos na tentativa de explicitar o movimento de significação em meio ao processo de criação do Movasse. Em prol dessa articulação, elegemos elementos tais como figurino, trilha sonora, iluminação, cenário e a própria elaboração das cenas, a partir das quais foi possível apontar e argumentar sobre a concepção semiósica da obra e o movimento de tradução promovido pelos sujeitos. Tais conceitos são inerentes ao processo criativo e sugeriram uma negociação de sentido partindo-se das Vídeo-Cartas em direção a Imagens Deslocadas.

190 Foi através dessa espécie de recomposição da obra, que se deu nossa própria composição de análises, onde se sobrepuseram processos criativos que demonstraram como a criação não se prende apenas aos contornos da arte. E, indo além, podemos afirmar que, com tal processo, atingimos nosso objetivo maior de demonstrar o papel da informação nas mediações entre corpo e tecnologias, embora, essa segunda vertente, tenha se tornado mais ‘invisível’ do que esperávamos, talvez por sua própria característica de ‘naturalização’. Aliás, essa propriedade das tecnologias é algo a se considerar, pois, parece-nos curioso compreender como o corpo - orgânico que é -, torna-se motivo de estranhamento para a CI, enquanto a artificialidade dos artefatos digitais é ‘naturalmente’ empreendida nas discussões da área. Nesse sentido, postulamos o corpo como um novo objeto da Ciência da Informação, na medida em que ele promove a circulação das informações, é “operário” das significações e é capaz de dar suporte e projetar os fluxos informacionais aos quais os sujeitos estão, impreterivelmente, inseridos. Corpo e informação podem estabelecer diálogos promissores, que devem ter lugar em um campo que pretende se dedicar aos “problemas da efetiva comunicação do conhecimento e de seus registros entre os seres humanos, no contexto social, institucional ou individual do uso e das necessidades de informação” (Saracevic,

1996, p.47).

Ao final desse percurso, notável foi que nosso traçado se constituiu em cena, a partir do empenho e do desejo de extensão que foi acompanhado pelo movimento de nosso pensamento, que se exauriu e se recuperou inúmeras vezes. Essa organização reticular alcança extremidades. E andar nas bordas foi mesmo um desafio. Quando o bailarino se equilibra sobre os pés faz deles sua base fundamental e, com isso, apruma o corpo e assegura seus movimentos em um esforço contínuo de manter sua posição. A satisfação daquele corpo, quando executa os passos como desejados, é indizível, plena, é de quem dança. A maior descoberta trazida por essa dissertação é que um cientista em nada está longe dessa sensação. Afinal, o que fizemos aqui senão uma intensa reunião de pensamentos que busca equilíbrio em bases teóricas que lhe garantam fundamento? E qual contentamento nos toma ao escrevermos esse último parágrafo

191 com a sensação de que nossos pés já cabem inteiros a essa borda? A dança do cientista está na razão, na emoção e nas palavras, é de quem se aventura!

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