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CONCLUSÃO

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CAPÍTULO III – O COMPLEXO CAMINHO DA EMANCIPAÇÃO

2 CONCLUSÃO

Weffort, em seu clássico texto sobre participação e conflito industrial, sugere que da combinação entre a “concentração espacial das indústrias” e do “grande isolamento dos operários”, em relação às demais classes, decorre o surgimento de “condições excepcionalmente favoráveis” para o protesto operário. A lógica traçada por ele prega que a concentração e o isolamento viabilizariam a formação de um sentimento comunitário, o que poderia despertar a “solidariedade de classe (ou ainda sobrepor-se a ela ou reforçá-la)”. Isso, por sua vez, constituiria fator favorável à eclosão do movimento operário em greves, protestos, etc. Volta Redonda, além de Nova Lima e Ipatinga (ambas em Minas Gerais), são citadas como casos que se enquadram dentro dessa “teoria das comunidades isoladas”447.

É verdade que em todos esses locais, mais cedo ou mais tarde, ocorreu a organização operária e seus protestos, ou outras formas de conflito. Mas não houve, ao longo do tempo, uma forma ou periodicidade padrão de surgimento desse movimento e de sua materialização em greves. Nos casos analisados por Weffort (Contagem, MG e Osasco, SP), em um breve espaço de tempo, e aparentemente quase em similaridade nos aspectos temporais e processuais, se estabelece uma seqüência que contempla os seguintes elementos: formação do parque industrial, emancipação e greves.

Alertados pelo próprio Weffort, sabemos que:

“tais condições não são nunca eficazes em si mesmas. Só podem ser pensadas como favoráveis (ou desfavoráveis) ao processamento de uma reivindicação coletiva na suposição de que as pessoas se orientem no sentido de formular reivindicações e se dedicam a organizar-se coletivamente para atingi- las”448.

No caso que estudamos na presente dissertação, contudo, mesmo havendo mobilização dos trabalhadores-moradores de Volta Redonda para a resolução de seus problemas mais imediatos, como demonstramos ao longo dos três capítulos anteriores, acreditamos que o binômio Volta Redonda/CSN destoe do padrão verificado nos exemplos analisados por Weffort. Na verdade, mais até do que os locais onde ocorreram as greves de 1968, ele pode ser até utilizado como um contra-exemplo para criticar certo automatismo, presente em algumas aplicações, da “teoria das comunidades isoladas”. Pois por tudo que aferimos, a lógica das greves tardou ocorrer, ou seja, a ocorrência de grandes greves na CSN só se verificaria 15 anos após os casos analisados por Weffort e mais de 40 anos após a emancipação de Volta Redonda.

Consideramos nosso estudo como um estudo exploratório sobre essa questão, mesmo porque a fragmentação e a dificuldade de encontrar e cruzar fontes sobre esse período para a região impõem limites ao alcance das conclusões da nossa pesquisa nesse momento. Por isso, não nos colocamos na postura de construir conclusões taxativas sobre a questão estudada. Pretendemos, isso sim, analisar e abrir espaço, em meio a conceitos, teorias e estereótipos, para a identificação de uma diversidade maior de relações entre os atores sociais do período, suas organizações e movimentos.

Ao tentarmos analisar como a construção da CSN e Volta Redonda se articularam com a formação identitária dos trabalhadores e destes com a formação política do local, julgamos que as estruturas política, social e econômica do pós-1945 foram determinantes para a construção de um sistema de relações, no qual mobilização e clientelismo teriam espaço simultaneamente na mesma realidade social. Aliás, acreditamos que a formação da cidade

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WEFFORT, 1972, op. cit., p. 13.

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vinculada à construção da CSN e ao grande número de migrantes que para lá correram, vivendo sobre um imenso leque de demandas sociais, nos deram a possibilidade de analisar a experiência da formação da classe à luz do conceito de insegurança estrutural, formulado por Mike Savage,.

Concordamos com Savage quando este considera que há uma grande discussão dentro da história social do trabalho e que esta discussão tem como centro a questão da classe social449. Tentando colaborar com a resolução deste impasse teórico, que se pauta na dificuldade de se estabelecer “uma base estrutural precisa para as relações de classe”450, Savage sugere que a insegurança estrutural é pertinente à vida de todos os trabalhadores. Ela não se baseia exclusivamente no processo de trabalho, nem no mercado de trabalho, mas se pauta na experiência vivida pelos trabalhadores dentro de determinado contexto histórico, o que determinará as estratégias de sobrevivência desses trabalhadores, as formas de organização e luta com que atuarão (cooperativas, demandas de amparo do Estado, clientelismo, etc). “Nesse olhar, o trabalho, enquanto emprego, não carece ser visto como único ou o principal eixo de classe social”451.

A influência do conceito de Savage em nosso trabalho foi além da preferência do uso do termo classe trabalhadora ao invés de classe operária. Tentamos visualizar a participação dos trabalhadores em movimentos e organizações como forma de superação de suas demandas, estabelecendo estratégias e inter-relações, individuais ou coletivas, que superassem sua vida insegura, que estruturassem sua existência.

Em meio à luta cotidiana pela sobrevivência notamos que o primeiro grupo político mais organizado que capitaneou o discurso dos trabalhadores foi o PCB, inicialmente pelo Comitê Democrático. No pós-1945, suas estratégias de mobilização e organização credenciaram o PCB ao sucesso nas eleições locais e ao seu reconhecimento como representante dos trabalhadores, principalmente em meio ao Sindicato dos Metalúrgicos. Essa situação poderia levar a uma análise que situasse os comunistas como grandes atores da política local, como ocorre na obra de Bedê452. Mas, mesmo admitindo uma forte participação do PCB na região, consideramos que a pequena documentação que tivemos acesso e o fato do partido atuar a maior parte do tempo na ilegalidade não nos permite uma avaliação precisa sobre a dimensão real da sua força em Volta Redonda.

Por outro lado, as mesmas demandas foram utilizadas por outros grupos em parceria com os trabalhadores, o que contemplava outras estratégias que iam desde a tolerância com a formação de áreas de moradia precarizadas, à busca de favores pessoais, ou seja, a inter- relação entre a esfera política-institucional e as demandas da classe trabalhadora, o que nos levou a uma busca pela história social da política local.

A formação dos partidos pós Ditadura Vargas, as classes sociais que esses partidos representavam, as relações pessoais de figuras importantes da política nacional e estadual na determinação da criação dos diretórios locais formam o contexto que enquadra nossa análise. É a partir dessas variáveis que apresentamos o estudo de caso, ainda que o consideremos superficial, da vida de um figurão político local: Sávio Gama, que tendo acesso ao sistema político estadual comandado pelo PSD de Amaral Peixoto se tornará o primeiro prefeito da cidade. Acreditamos que ele seja exemplo de como as demandas dos trabalhadores foram

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Savage considera que a maior discussão se dá tendo de um lado os marxistas e os adeptos de teorias econômicas neoclássicas e, do outro, abordagens que possuem uma análise mais cultural. Deixa evidente que a questão política é muito forte para a continuidade desta discussão pois se décadas atrás classe era um conceito basilador de discursos políticos e atitudes de grupos, sindicatos e partidos, hoje este conceito perde força em relação a outros mais eminentes na agenda política progressista, tais como feminismo, etnia, questões ecológicas, etc. Idem, p. 26. 450 Idem, p. 33. 451 Idem. 452

instrumentalizadas para a criação de fortunas pessoais (vide, por exemplo, os “loteadores” na cidade) e redes de clientelismo.

A questão maior é visualizar, mesmo que interagindo de forma contraditória, que tanto mobilização quanto redes clientelistas faziam parte do processo no qual se concebeu a emancipação da cidade. Os trabalhadores parecem ter optado por atuar ao lado dos mais organizados na política-institucional (com maior poder de barganha frente à outra esfera política, para além da local), objetivando o atendimento de suas demandas, principalmente as urbanas que, hipoteticamente, poderiam ser resolvidas com a emancipação do distrito, o que entendemos que, de fato, não ocorreu.

A pesquisa nos trouxe um grande número de hipóteses e apenas algumas certezas. Consideramos que muitas dessas hipóteses só poderão ser testadas por meio de um trabalho de caráter coletivo. Mesmo o que conseguimos produzir nesta dissertação não seria possível sem o legado de outras obras que contemplaram o mesmo período e temática. Confessamos que surgiram muitos outros pontos a serem analisados, tanto para a compreensão desse período como das temáticas que perpassaram nosso trabalho. Além disso, existe a possibilidade de análise do processo de formação de Volta Redonda atrelado a conjunturas posteriores, o que leva à necessidade de mais trabalho de pesquisa e, acredito, mais pesquisa coletiva. Por isso, ficaremos felizes se tivermos colaborado com o aumento do leque de possibilidade de análises e com possíveis novos trabalhos, inclusive de nossa autoria, que se dediquem a esse tema.

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