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Ao longo desta dissertação, procuramos construir um percurso reflexivo e analítico do funcionamento do discurso “sobre” e “da” clínica, que nos ajudasse a analisar e a questionar a possibilidade de uma prática clínica interdisciplinar, bem como explicitasse o lugar enunciativo a ser ocupado pelo sujeito-psicólogo e as conseqüências profissionais, sociais, políticas e éticas daí advindas. Não foi um percurso de (des)construção fácil pelo que trazia de repetições e rupturas, de questionamentos e conflitos, a serem enfrentados por um sujeito que estava neste lugar.

A partir de um corpus constituído de recortes de diferentes discursividades, com ênfase nos discursos da lexicografia especializada (científico) e da mídia, observamos e analisamos os deslizamentos de sentido – ideológicos – que se produzem no funcionamento desses discursos para a formação de um novo lugar de significação do espaço clínico: um espaço de interlocução entre sujeitos, de relações de sentido, logo, de relações sociais. Observamos, também, que esses deslizamentos colocam em questão o lugar do sujeito que chega à clínica (paciente e/ou cliente) e o lugar do sujeito que lá está (psicólogo e/ou psicanalista).

Tomar o discurso não como sinônimo de fala, embora seja através dela que pudemos compreender melhor esse objeto teórico – o discurso – que se materializa na clínica, é que nos permitiu analisar o sujeito enquanto uma posição enunciativa construída historicamente pela articulação entre formações discursivas. Isso nos permitiu concluir que em uma clínica interdisciplinar duas posições de sujeito são construídas historicamente, e, que estarão desde sempre dividindo o indivíduo que ali atua, e deslocamentos serão necessários para permitir novos vínculos em relação a uma formação discursiva que dê conta dessa interdisciplinaridade que nos pareceu, em diferentes momentos, ser antes de tudo um efeito.

Ao se integrar pela produção e circulação do conhecimento, o sujeito da psicanálise ao sujeito da psicologia, pode-se estar edulcorando a primeira e apenas deslocando as fronteiras ideológicas (efeitos de sentido) para outros patamares, que permitirão criar um imaginário sobre o funcionamento da clínica que servirá para a manutenção de problemas epistemológicos e das desigualdades no tratamento das diferenças individuais e sociais.

A produção dos efeitos de unidade e de completude, através de determinados modos de articulação entre esses campos disciplinares, irão produzir um funcionamento específico dos discursos, dentre eles o dos dicionários especializados enquanto objetos históricos e simbólicos, em uma rede de memória, em que estão presentes diversas intertextualidades e interdiscursividades.

Dessa forma, teremos nas relações dos saberes de uma sociedade com sua história, a legitimação de um discurso científico segundo uma estrutura e um funcionamento que trazem consigo sentidos ditos e também não ditos, que produzem seus efeitos ideológicos; cabendo, portanto, a um trabalho de pesquisa, como o nosso, evidenciar aquilo que foi ou está apagado, através de procedimentos de leitura e de interpretação: os conceitos não são neutros. Eles inscrevem-se em formações discursivas diferentes, que são os lugares em que se constituem sujeitos e sentidos, e afetam as noções de sujeito e de comportamentos que, conseqüentemente farão eco no discurso “da” clínica que desde seu início se constrói no lugar da ciência positiva.

Os discursos científicos e midiáticos irão produzir, considerando as suas condições de produção, sentidos que se cristalizam na linguagem e estabelecem, também, novos laços profissionais entre os sujeitos: aquele que chega à clínica (paciente e/ou cliente) e aquele que lá está (psicólogo e/ou psicanalista), gerando novas redes simbólicas onde o sujeito habitará os seus sintomas. E será pelo funcionamento dessa rede discursiva que irá se instituir posições de sujeito a serem ocupadas pelo indivíduo, criando efeitos-sujeito: de leitor de ciência, de neurótico, de depressivo, de capaz de eliminar a dor de viver.

O deslocamento progressivo desses efeitos afeta a condição desejante do sujeito que procura a clínica e passa a fazer parte da nossa modernidade, gerando diversas demandas que provocam o discurso “da” clínica em respondê-las. Nesse momento recoloca-se, então, a posição do sujeito (psicólogo e/ou psicanalista) no lugar da interdisciplinaridade. Lugar este, que se constituirá com certas porosidades e fragilidades, pois não permite que o discurso da clínica se constitua de forma sistemática e consistente nas possíveis relações entre teoria e prática, dificultando – ou invibializando – a saída do sujeito de um discurso marcado pela repetição formal para entrar em uma repetição histórica (Orlandi: 1988). Isso quer dizer que face às diferentes manifestações de demandas clínicas, o sujeito que lá está (psicanalista e/ou psicólogo) não poderá simplesmente repetir o discurso (eclético) que seu paciente e/ou cliente

traz, porque ele precisa se filiar, conscientemente, a um saber, que lhe permitirá escutar essas diferentes demandas e atuar.

Percebemos que o discurso científico é produzido de tal maneira a refletir direta e/ou indiretamente no discurso da mídia que, conseqüentemente, atinge a sociedade letrada que tem acesso às informações, criando condições na e pela base lingüística, em que os processos discursivos se materializam, para que efeitos de sentido se constituam no espaço clínico em sua relação histórica com o sujeito contemporâneo que a procura.

No caso da relação do sujeito-psicólogo com a clínica, pudemos observar a produção de alguns deslocamentos ideológicos importantes que irão afetar também o exercício de sua função de autor na construção de sua prática, em que deve se responsabilizar sempre pelo que diz dentro e fora da clínica, procurando manter uma coerência e consistência epistemológicas, a não-contradição, a responsabilidade, a ética, representar-se como “eu” e identificar-se com o trabalho de um campo disciplinar, de um determinado grupo.

Muitas questões ficaram em aberto e outras tantas se abrem para trabalhos futuros. Talvez o maior ganho tenha sido a possibilidade de, ao final, dimensionar a verdadeira extensão e complexidade da proposta inicial, e o quanto de nós está envolvido em um percurso como esse, causando sofrimento e dor, mas também o prazer de aprender.

No documento O sujeito e a linguagem na clínica (páginas 97-100)

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