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Não tenho grandes ilusões. Nem pequenas, aliás. A árvore, em frente da minha janela perdeu as folhas: ramos torcidos, sombras de pássaros nem sonhar. Eu reflectido no vidro, sentado a esta mesa. Esferográficas, páginas, uma lupa, porque as primeiras versões são numa letrinha minúscula que, por vezes, me custa ler. Trago uma espada no peito. Volta e meia torce-se nos pulmões (António Lobo Antunes) 42

A base teórica utilizada para dar corpo a esta Tese envolveu o delineamento do pensamento do homem contemporâneo à estrutura textual criada por Lobo Antunes, enquanto expressão de uma linguagem atravessada pelos elementos neobarrocos de comunicação e verbalização da arte. De maneira substanciada, algumas indagações foram necessárias para que se pudesse direcionar o âmago da pesquisa, por isso, buscando respostas para algumas perguntas, procuramos analisar a estrutura da sua obra sem fazer uso de rótulos, etiquetas, ou organizá-la em conceitos absolutos, a não ser através de uma aproximação bem cuidada de um movimento, de uma expressão cultural, que também não adere a sistemas, mais a releituras dos processos representativos de expressão da palavra. Buscando correlações, partindo do respeito à história da arte, e às contribuições históricas e intelectuais de se conceber a Literatura, traçamos uma comparação fecunda entre as ideias do barroco e as da atualidade para entender o relacionamento do homem com a vida contemporânea, ressaltando certos elementos característicos da obra de António Lobo Antunes que podem estar próximos de uma leitura neobarroca de composição.

De modo geral, a pesquisa buscou identificar os artifícios e os efeitos de linguagem que caracterizam o neobarroco como um modo particular de apreender determinado conjunto literário. Através da enumeração das ocorrências correspondentes ao referido movimento

42 ANTUNES, António Lobo. “Pensamento positivo, meu amigo, pensamento positivo”. In: Revista Visão, de 25 de abril de 2012.

estético, este texto baseou-se no entrecruzamento de dados que revelaram na narrativa contemporânea o registro de uma escrita pautada no excesso, na repetição e no fragmento.

De modo específico, o presente estudo apoiou-se na tentativa de tradução de certo

barroco verbal antuniano, representado pela expressão de uma linguagem que imprime a

técnica do inacabado, revelando em sua estrutura, palavras interrompidas como efeito de pensamentos descontínuos; enunciados que desencadeiam a indecidibilidade e, consequentemente, a participação efetiva do leitor; parágrafos entrecortados por discursos entre parênteses que rompem com a tradição linguística em termos funcionais e emolduram um estilo particular de escrever.

Dentro deste quadro quase poético criado pelo autor, circunscrito neste plano labiríntico, o autor privilegia os jogos de perspectiva que direcionam a narrativa ao movimento do olhar, da imagem e da leitura, na elaboração de uma escrita suspensa que demanda fôlego e atenção apurada a favor do prazer de um discurso irredutível. Sendo assim, o texto voltou-se para recuperar esses recursos, resultado de um trabalho laborioso da linguagem, enquadrando-os aos pressupostos neobarrocos de expressão literária. Ao observar, ressaltar e avaliar esses pontos em relevo na obra do escritor, e encontrar as correspondências necessárias à aproximação do discurso neobarroco, a pesquisa partiu para o delineamento do campo teórico e para a articulação e a fundamentalização das ideias acerca do pensamento contemporâneo, uma vez que se reconhece em toda essa estrutura narrativa, a representação do cenário da vida atual.

A pesquisa procurou, também, relacionar elementos da música barroca - definitivamente tomando por base as fugas e os contrapontos da obra de Bach - ao corpus literário do escritor. A análise da narrativa polifônica correspondeu ao pilar investigativo desta questão, uma vez que aqueles argumentos musicais constroem-se a partir deste modo de composição, passando

pela abordagem do sujeito e do contra-sujeito ou da voz principal e da(s) voz(es) secundária(s) que sustenta(m) cada capítulo do romance Eu hei-de amar uma pedra (2004).

Mais do que revelar o indivíduo multifacetado e fora de centro que a corrente pós- moderna teoriza, a escrita de Lobo Antunes anuncia um modo obscuro e difícil de estabelecer a composição do romance. Dito de outra maneira, e sob uma visão particular da narrativa, a contribuição dos estudos neobarrocos sobre a Literatura tomam uma dimensão maior na pesquisa sobre a escrita antuniana. A sua estrutura reflete o homem fragmentado e descentrado do nosso tempo, representado pelas ruínas da linguagem contemporânea em formas espiraladas de discurso e pelo entrecruzamento de pontos de vista, assinalando um

falso voltar atrás retórico que retrata uma experiência de perda das origens, articulada à

eloquência e ao insólito da palavra.

Diante de uma arte elaborada quase artesanalmente, Lobo Antunes pratica a essência do barroco enquanto tecido textual excessivamente ornamentado por artifícios e efeitos, que expressam a reescritura das marcas coletivas e individuais do que somos através da representação de personagens que costumam assumir a exaustiva tendência de ver o mundo sob os olhos de crises. Estando próximo dos recursos poéticos utilizados por Haroldo de Campos - poeta brasileiro de inegáveis afinidades com o movimento neobarroco -, e também dos textos assinados pelo cubano Lezama Lima, a escrita antuniana cria, sobretudo, um terreno fértil que direciona a narrativa portuguesa contemporânea a transcrever os conflitos, as sensações, e a revelar a alma do homem contemporâneo.

Portanto, mais do que contar a história, o labor literário do autor anuncia uma maneira muito peculiar de tentar representar os vazios da vida pós-moderna, através de uma linguagem ambiguamente realista e poética. Desse modo, esta Tese se apropriou da estética neobarroca como produção voltada para si mesma, acreditando ser o discurso de Lobo Antunes uma das

expressões mais significativas e criativas desta conjectura complexa que impulsiona a criação e desarma a estabilidade.