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Por isso é melhor paciência

Pois todo começo começa e vai embora O problema é saber se já foi

Ou se ainda é começo

(Luiz Tatit)

O objetivo do nosso estudo consistiu em analisar as estratégias de persuasão que produzem um efeito enunciativo global na articulação de linguagens, os mecanismos de exibição dos conteúdos escolhidos pelo enunciador para manipular e persuadir o enunciatário, bem como examinar o modo como a imagem do enunciador é construída por meio da apresentação de determinados dispositivos persuasivos.

Deste modo, pode-se perceber uma identidade do enunciador Ministério da Saúde com base nas estratégias persuasivas apresentadas nos quatro anúncios analisados. No primeiro deles, temos a predominância do jogo entre as debreagens actoriais enunciativa e enunciva e entre os tipos de manipulação- sedução e intimidação-, que produzem uma imagem duplicada do enunciador. Primeiramente, ele se mostra adjuvante por meio do “nossa” e da constatação da competência do enunciatário, que garantem um efeito de sentido de cumplicidade e reconhecimento entre enunciador e enunciatário, para depois mostrar-se como um destinador- manipulador mais genuíno a partir da apresentação da lei. Essa estratégia persuasiva é potencializada pela dimensão plástica, visto que, pelo dispositivo topológico, a leitura é inicialmente direcionada para a polidez do enunciador, e pelo dispositivo cromático, tem-se a apresentação de elementos eufóricos na cor branca, eufórica no sincretismo de linguagens.

Enquanto no primeiro anúncio o enunciador mostra-se em duplicidade e constrói identidades diferentes por meio de tipos de fazeres persuasivo-manipulatórios realizados, no segundo anúncio ele se apresenta menos delicado por conta da persuasão e da manipulação por intimidação na dimensão plástica sensível (configuração cromática e topológica), buscando afetar o enunciatário pelo campo da intensidade. Assim, o enunciador busca intimidar prioritariamente pela dimensão sensível, em detrimento do apelo ao inteligível, distanciando o enunciatário da racionalidade.

Apesar de o primeiro anúncio firmar o papel colaborativo e a polidez do Ministério da Saúde, é no terceiro que o enunciador se mostra mais polido e colaborador através da apresentação do universo figurativo do enunciatário que transparece a paz no trânsito (isotopia da civilidade) e da descrição das atitudes eufóricas do enunciador, o que favorece a certificação do cumprimento dos deveres do Ministério da Saúde. Além disso, diferentemente do anúncio anterior, neste o enunciador não distancia o enunciatário da racionalidade e mostra-se bastante consciente de suas funções sociais.

O quarto e último anúncio, por sua vez, apresenta estratégias persuasivas que constroem a imagem de um enunciador também consciente de suas funções sociais -“um país de todos”, “o teste é gratuito e sigiloso”, “disque saúde 0800611997”-, como uma instituição ‘promotora’ da saúde de todos os brasileiros, aidéticos ou não. Apesar de se apresentar como adjuvante, não se mostra como um enunciador tão polido, pois manipula por tentação e por intimidação, mas também não se apresenta como um destinador-manipulador mais genuíno, como ocorre no segundo anúncio do corpus. Neste anúncio, as relações de implicação e de concessão, o descompasso entre o ser e o parecer coadunam com o tema da dúvida pela tensão entre disjunção e conjunção apresentada tanto na linguagem verbal quanto na linguagem não verbal. Apesar de a persuasão ser forte pela dimensão plástica, é pela dimensão verbal que se apresenta a lembrança do cumprimento da função social do Ministério da Saúde.

Como se pode ver, os dispositivos de persuasão parecem se concentrar no aspecto enunciativo global. Apresenta-se um enunciador desdobrado, ora assimilado ao enunciatário, ora como instância objetiva; que se utiliza de mais de uma tipologia de manipulação para persuadir o enunciatário ( tentação, sedução e intimidação); que mescla a relação entre enunciador e enunciatário ( debreagens enunciativa e enunciva); que atenua a imagem de destinador-manipulador puro pela polidez e pela permissividade e facultatividade iniciais; que articula as dimensões de modo a perpassar conteúdos semelhantes (redimensionamento dos conteúdos pelas configurações cromáticas, topológicas e eidéticas); que persuade pela relação entre duas isotopias figurativas e temáticas; que apresenta enunciados de estado disfóricos ou eufóricos através da apresentação de figuras do universo do enunciatário, de modo a validar a crença na verdade do discurso; enfim, em geral, o enunciador Ministério da Saúde utilizou-se de mecanismos persuasivos semelhantes nas linguagens em articulação, com exceção do segundo anúncio, em que o fazer persuasivo-manipulatório mostra-se mais acentuado na dimensão plástica e sensível, em detrimento da dimensão verbal.

Pelas estratégias persuasivas apresentadas nos anúncios, construíram-se simulacros de um enunciador, na medida em que, como já pontuamos, simular é um fazer-crer que envolve tanto o enunciado quanto a enunciação. Os anúncios, embora bastante distintos no que tange à construção sincrética e à apresentação de alguns mecanismos persuasivos, fizeram-nos perceber a identidade do enunciador Ministério da Saúde como a permanência na mudança. Desse modo, apesar de nosso corpus ser pequeno, foi possível tratá-lo como uma totalidade discursiva para o reconhecimento da identidade do enunciador.

O Ministério da Saúde mostra-se de duas formas, ou melhor, forja algumas identidades que se convergem em prol de uma só imagem-fim, a imagem de um enunciador desdobrado, que ora se mostra bastante polido e educado, e ora como um destinador mais rude e ameaçador, quando apresenta um fazer persuasivo-manipulatório voltado para a intimidação sensível, afastando o enunciatário da racionalidade. Não há, assim, uma unidade, pois se constrói um ‘parecer do ser do sujeito da enunciação’ em cada um dos anúncios e, também, na totalidade discursiva do corpus, porque o Ministério da Saúde simula a identidade de colaborador, de “respeitoso da saúde alheia”, de polido e, também, de um sujeito que educa por meio de ameaças.

A estrutura discursiva do enunciador reflete a mudança na mediação - enunciação e enunciado-, o que caracteriza uma imagem-fim desdobrada. Há apresentação de um sujeito heterogêneo, cujo surgimento no discurso se dá na relação entre o “outro” e o “mesmo”. O Ministério da Saúde apresentou-se como ‘sujeitos’ na linguagem, como sujeitos distintos, ao forjar uma “imagem-fim” pela recorrência do dizer no dito, sobretudo quando ela se constrói a partir dos simulacros que os anúncios fornecem de enunciador e de enunciatário, ou melhor, a partir da relação persuasiva construída entre eles. Como a persuasão pauta-se numa relação dialógica, na perspectiva da enunciação como práxis, o enunciador ‘prevê’ a ‘identidade’ do enunciatário e, assim, apresenta determinadas estratégias de persuasão com base nesse entendimento identitário que, consequentemente, colabora com a construção de sua própria identidade.

Devido à tentativa de esmiuçar o estudo da persuasão no sincretismo de linguagens e de constatar o rendimento analítico-categorial de textos sincréticos à luz da teoria semiótica, esperamos contribuir com pesquisas que trabalham com essa temática. Conscientes de que um trabalho como esse não se esgota com a análise de apenas quatro anúncios, incentivamos mais pesquisas a respeito da persuasão no sincretismo de linguagens não só com a publicidade, mas também com outros objetos mais complexos, que apresentem a articulação de ainda mais linguagens. Indo além, sugerimos que essa temática também seja pesquisada pela vertente da

Semiótica tensiva, cujo aparato teórico pode favorecer, a depender do corpus selecionado, o exame da persuasão, que não prevê apenas uma sintaxe narrativa, mas também uma sintaxe tensiva.

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ANEXOS

ANEXO A- PRIMEIRO ANÚNCIO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (Figura 5)

ANEXO B- SEGUNDO ANÚNCIO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (Figura 12)

ANEXO C- TERCEIRO ANÚNCIO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (Figuras 18 e 19)

ANEXO D- QUARTO ANÚNCIO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (Figura 22)

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