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Qual a identidade que surgiu das Zonas de Negociação com o outro ao longo do meu percurso? Certamente um novo saber ao reconhecer uma identidade cultural e política em trânsito, nem portuguesa e nem brasileira. Segundo o professor James Clifford, no artigo Culturas Viajantes (1992), a condição do viajante, emigrante e refugiado “não pode ser considerada senão em relações históricas específicas com a viagem cultural’ (CLIFFORD, 1992, p.75), no meu caso, fruto das metamorfoses que venho analisando. Como tal, as:

[…] culturas de deslocamento e transplantação são inseparáveis de histórias específicas, amiúde violentas, de interação econômica, política e cultural, histórias que geram o que poderia ser chamado de cosmopolitismos discrepantes. […] (CLIFFORD, 1992, p.68)

O deslocamento que realizei ao viajar até ao Brasil surge, assim, por um lado, da minha história específica, ou seja, todo o relato do meu desejo de

inscrição, na análise das metamorfoses de interação economica, política e

cultural. Por outro lado, emerge uma “nova” identidade, híbrida, inscrita pelas

Zonas de Negociação com o outro, ao longo destes dois anos.

O meu deslocamento implica o deslocamento do outro, pois “até mesmo quem permanece em locais ancestrais vê mudar inelutavelmente a natureza de sua relação com lugar e romper-se a ilusão de uma conexão essencial entre lugar e cultura.” (FERGUNSON; GUPTA, 1992, p.35) Esse rompimento é

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essencial para compreender a identidade que emerge das Zonas de Negociação que estabeleci, durante dois anos, com o outro. Onde borrei a ilusão de uma conexão essencial, a portugalidade, no meu caso, e a brasilidade, no caso do

outro, visto que ele não fica imune à minha deslocalização.

Para o professor Bhabha os “refugiados e exilados […] para sua sobrevivência, depois que estão em determinado lugar, eles precisam se fixar em certos símbolos.” (BHABHA, 1992, p.73- Grifo do autor). Quais os símbolos em que me fixei? Por exemplo, mantive o meu sotaque português mas adotei algumas expressões brasileiras; na minha casa ouço rádio portuguesa, vejo TV portuguesa, mas as minhas refeições são tipicamente brasileiras; compro o meu pão numa padaria portuguesa, mas quem me atende é uma funcionária brasileira; na minha casa existe uma camisa do meu clube de futebol, uma bandeira e um cachecol de Portugal, mas os golos, que ouço festejar pela janela da minha casa, são do Flamengo.

No meu caso, os símbolos são construídos mas não fixados, fato que se deve ao permanente contacto com os símbolos do outro, que criam uma ambivalência ao hibridizar cada vez mais essa “nova” identidade que emerge. Ainda mais quando os símbolos do outro não provêm diretamente dele, mas do hibridismo que surge da “nova cultura” pós-colonial. Assim, quando mantenho o sotaque português mas, adoto alguma expressão brasileira como “nossa” ou “vixi”, estou sendo “vestido” pelo outro. Ao mesmo tempo acontece um processo de recusa da minha parte ao insistir no meu sotaque português. Essa recusa é, fundamentalmente, o medo de perder os meus símbolos, que, inevitavelmente, já estão hibridizados na minha identidade.

É por isso que na performance Eu só sou eu… evitei recorrer a representações ou a símbolos, porque eles vão estabelecer relações resistência e recusa à diferença. Enquanto, os corpos e os roteiros significam-se nas

negociações de peso, de movimento, de tempo e de transformação, que

115 CONCLUSÃO

A FENDA e as suas Zonas de Negociação chegaram ao fim, pelo menos dentro do espaço/tempo que estavam estabelecidos, ou seja, dois anos. No entanto, o teatro imperial e suas metamorfoses de formação política, economica e social continuam. Enquanto isso, o meu desejo de inscrição vai assumindo outras formas para além da FENDA, sempre, tendo em vista problematizar e analisar outras metamorfoses e o modo como interferem na minha subjetividade.

Se não viajasse até ao Brasil nunca teria a distância suficiente para discernir a contexto que visei analisar ao longo desta dissertação. Essa visão possibilitou a inscrição do meu con(texto) como forma de o problematizar e debater, através do meu deslocamento. Como tal, a performance FENDA – Zona

de Inscrição Temporárias (2015) foi o primeiro sinal da emergência desse con(texto) se inscrever. A transformação que sofri depois desta performance

ajudou-me a entender que o teatro imperial me transcende, onde o desejo de

inscrição foi um sopro quando devia ter sido um grito.

No entanto, foi esse sopro que me revelou um segredo. A inscrição não foi só no momento da performance. Esse conceito ampliou-se a toda a minha experiência desde que cheguei ao Brasil e antes, mesmo, quando experimentei performance em Portugal. Isto inclui todo o processo de criação da performance ao problematizar e contestar o teatro imperial, através do meu deslocamento. Como tal, a performance FENDA – Zona de Inscrição Temporárias (2015) e as suas inscrições: O monumento ao Desempregado, A Homenagem à Crise, Não

é Ético, estão dentro da grande FENDA, onde ambicionei inscrever com o corpo

o con(texto).

Uma das inscrições que marcaram foi certamente as relações que estabeleci com o outro, no Brasil. Essa troca fez-me reconhecer uma identidade

híbrida, nem portuguesa nem brasileira. A performance Eu só sou… (2015) foi

a tentativa de negociar a recusa da diferença do outro para “cristalizar” essa

identidade, consequência do meu deslocamento. Os mecanismos de negociação que construí através do sustentar-se, arrastar-se, vestir/despir o outro e a Identidade Plástica metaforizaram a cristalização da minha identidade híbrida, ao mesmo tempo que são inscrições dentro da grande FENDA.

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Não posso encarar as performances que realizei como duas inscrições de contextos distintos. Antes pelo contrário, elas fazem parte do mesmo teatro

imperial com metamorfoses distintas que visei problematizar e contestar através

dessas inscrições. A partir daí emergiu a minha subjetividade, nos modos como os textos que produzi foram transformados em produto artístico.

O teatro de metamorfoses imperiais deu lugar a performance de

metamorfoses, onde o corpo surge como espaço de inscrição do meu erro de

português. Se assim for, o meu percurso artístico, em vez de procurar resolver as necessidades de inscrição perante as metamorfoses que surgirem, poderá transformar o meu corpo numa inscrição por onde passaram várias

metamorfoses20.

O meu regresso a Portugal será no dia 22 de fevereiro de 2016. No corpo levo todas a inscrições que surgiram das Zonas de Negociação da grande

FENDA que construí ao longo deste percurso de dois anos. Não sei o que me

espera em Portugal, e, esse fato, tem-me causado algum transtorno nos últimos tempos. No entanto, uma coisa eu sei, estou consciente da interferência do

teatro imperial e suas metamorfoses na minha subjetividade e na dificuldade do

meu desejo em fazer arte. O desejo de inscrição vai continuar através de performances de metamorfoses, enquanto, artista e pesquisador. A performance continuará a dar-me, enquanto sujeito, uma linguagem capaz de processos legítimos de representação e formas de os problematizar.

20 A última parte deste trabalho contempla a apresentação, no Departamento de Artes da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da performance Eu só sou eu… (2015). Paralelamente, o público terá à sua disposição, online, o blog <

http://verpassarosdiascontar.blogspot.com.br/ >. Através do seu celular pode ter acesso aos vídeos, imagens, textos, e gravações áudio dos dias que deram início ao processo. A interatividade proporcionará ao público a experiência de ler o meu trabalho, ao mesmo tempo que se relaciona com o percurso do meu desejo de inscrição e participa na performance.

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