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Este estudo teve como objetivo, através da metodologia utilizada, que coloca o sujeito psicológico e a vivência subjetiva no centro da investigação, a possibilidade de escutar o sujeito a falar de si mesmo e da sua vivência, de forma livre e aberta, e de aceder à subjetividade implícita na questão inicialmente colocada, permitindo assim que se realizasse uma abordagem e análises teóricas capazes de prestar um contributo, pela via deste tipo de investigação, para a área da psicologia clínica.

Retomando as noções teóricas que deram lugar à análise apresentada, e indo de encontro ao que sugere Pastori (2006) o sofrimento que se apresenta na clínica da migração aponta para uma dificuldade muito própria desta vivência: a dificuldade em sair de uma posição e assumir outra. Assim, a mudança dos referenciais culturais, que acontece no caso do processo migratório, modifica a forma como o sujeito se constitui, e se constitui nesse lugar. As condições pelas quais se é levado a constituir um lugar no mundo dependem da forma como essa rutura é vivenciada pelo sujeito. Contudo, pode considerar-se transversal a esta vivência, a existência de uma necessidade de resgate das heranças (Pastori, 2006).

Ao pressupor o afastamento do lugar de origem e, em consequência dessa situação, o afastamento de referências que fazem parte da sua identidade, é possível verificar-se que algumas das contingências que acompanham o processo migratório vêm dificultar o confronto com o diferente e o novo, podendo consequentemente assumir contornos vivenciados pelo sujeito de uma forma particularmente ameaçadora. Neste sentido, ao procurarem-se algumas aproximações, nomeadamente à problemática identitária conforme é abordada por Devereux (2009), pôde constatar-se a presença de certas semelhanças no que diz respeito ao conflito imposto por esse impasse, no processo identificatório.

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Assim, o sofrimento migrante, compreendido sob o ponto de vista de quem está colocado entre mundos diferentes, faz emergir consequências psíquicas que se podem desenvolver a partir desta vivência tão particular que é a migração.

No decorrer das considerações teóricas efetuadas em torno da temática em análise, emergiu a ideia do desamparo inicial, que embora surgido nesta análise através da alusão ao seminário de Lacan “A angústia” (1963, cit Berta e Rosa, 2005), teve a sua origem nas conceções de Freud sobre o tema. Não tendo sido muito desenvolvida, a ideia de “desamparo inicial” teve um forte assento na análise que fizemos da narrativa do Francisco, na medida em que nos levou a focar o tema da transmissão psíquica entre gerações, particularmente, através dos postulados teóricos de Kaës, Faimberg e Badaracco, para dar conta do cerne da problemática identitária, sugerida no caso do Francisco, e surgida da questão inicial que deu impulso à sua narrativa, cujo objetivo, como já referido neste trabalho, foi aceder à subjetividade do participante, no contexto do seu vivido na condição de sujeito imigrante.

O tema da transmissão psíquica transportou-nos às ideias iniciais de Freud sobre a transmissão e às teorias psicanalíticas de grupo, que permitiram o seu enquadramento, enquanto entidade constituída por uma realidade psíquica própria, influenciada pelos sujeitos que o formam, e que contribui para a organização da vida psíquica dos mesmos, sendo que estes processos são passíveis de serem explorados através da natureza do vínculo intersubjetivo, e dos processos de identificação (Kaës, 2003).

Através das noções fundamentais de Faimberg (2006) e Badaracco (1986) foi-nos possível compreender as particularidades dos processos de transmissão psíquica e que, na sua vertente mais negativa, conduzem a perturbações no acesso à subjetividade, à identidade e à alteridade, devido à impossibilidade da criação de um espaço psíquico que permita o seu desenvolvimento. Através da análise da narrativa do Francisco, podemos dar-nos conta de como o quadro intersubjetivo de transmissão psíquica é capaz de comportar aspetos negativos, que se revelam na impossibilidade da construção de uma identidade, e, por conseguinte, resultando num bloqueio do seu espaço intrasubjetivo. Francisco parece ter ficado aprisionado na vivência não elaborada da geração anterior, permitindo-nos dizer que estamos perante uma Telescopagem de Gerações, onde o Eu dos sujeitos se encontra alienado na subjetividade de Outro, onde o objeto se constitui como permanentemente intrusivo, impossibilitando a criação de um espaço que permita o desenvolvimento psíquico de Francisco (Faimberg, 2006).

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É assim, que percorrendo considerações teóricas de grande valia psicanalítica, todas elas essenciais e reveladoras quando considerado o sujeito humano e psicológico, particularmente a disciplina psicanalítica, que se foi revelando claro o fenómeno da imigração, enquanto saída do lugar de origem para outros lugares (estranhos e desconhecidos), que inscreve o sujeito numa vivência de enormes contornos representativos, cuja relevância se mostra mais do que suficiente para se dê continuidade ao desenvolvimento de reflexões mais profundas, para que possam ser promovidas novos olhares sobre esta questão.

A possibilidade de podermos dar continuidade ao uso do método utilizado, constituiu-se como mais uma evidência das suas numerosas possibilidades e potencialidades, no sentido de colocar em destaque os efeitos do afeto, os conflitos dinâmicos, os processos intersubjetivos inconscientes, bem como, as práticas incorporadas na formação da identidade, tal como refere Hollway (2009).

Como limitação deste estudo aponta-se o facto de não terem sido utilizadas outras narrativas, o que permitiria perceber, da existência e do tipo de diferenças, que poderiam ser encontradas na expressão de outras subjetividades, que, possivelmente, fariam emergir outros temas de análise, com potencial analítico diferenciado capaz de prestar um contributo mais alargado para o fenómeno da imigração.

Como sugestão para estudos futuros podemos pensar na possibilidade de uma investigação em contexto psicoterapêutico, com o sujeito do estudo, que permitiria uma compreensão mais aprofundada, de como se fundam e onde se encerram os processos específicos de transmissão psíquica no caso do Francisco, atendendo a que a vivência incorporada através do seu pai, se inscreve numa temática ainda pouco explorada, que é a vivência subjetiva no contexto da Guerra Colonial, onde a escravatura parece ter deixado a marca de uma série de impossibilidades de desmarcação desse vivido, por parte das gerações posteriores. Neste mesmo sentido, seria interessante poder aceder, através do mesmo método com que desenvolvemos a presente investigação, à subjetividade do filho de Francisco, já que parecem evidentes os conflitos relacionais existentes entre pai e filho, identificados pela clara dificuldade que Francisco manifesta, em integrar a forma como o filho olha o mundo, acrescendo o facto do mesmo, já ter nascido em Portugal – o lugar de acolhimento de Francisco - o que tornaria a futura investigação ainda mais aliciante.

Por último importa referir que a aprendizagem que este estudo possibilitou não se encerra neste momento, e deixa lugar a que, possivelmente, sejam abertas novas questões para que outras investigações tenham lugar, na busca de novos conhecimentos e novos significados.

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