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Conclusão

No documento Tese Final Miguel Esteves (páginas 82-84)

A não correlação das variáveis em estudo com a variável lactato remonta directamente para a necessidade médica de adopção de um novo método que seja capaz de identificar e classificar a hipoperfusão e o choque precocemente, de forma independente da restante analítica bioquímica, bem como monitorizar a o choque em tempo real. Esta negação não inviabiliza a utilidade das mesmas variáveis no estudo do choque, no entanto não apresentam as mesmas vantagens específicas do lactato em detectar a hipoperfusão antecipadamente à manifestação sintomatológica. Na prática médica são utilizados sinergicamente os resultados de vários testes físicos e bioquímicos do exame físico para aprofundar o conhecimento da hipoperfusão, no entanto seria mais útil a utilização de um só método analítico que sumariasse informação sobre a integridade da totalidade dos mecanismos compensatórios hemodinâmicos e que equacionasse a variabilidade individual, como a reserva compesatória. Quando se detectam clinicamente as alterações das variáveis físicas de perfusão já ocorreram desarranjos hemodinâmicos microcirculatórios, sobre os quais se poderia ter intervido medicamente se detectados atempadamente.

Ressurge então a necessidade de um método mais imediato e de monitorização em tempo real que informe o utilizador do estado de perfusão microcirculatória em que o paciente urgente se encontra.

O novo paradigma da monitorização do paciente agudo assenta sobre a premissa que as alterações microcirculatórias de redistribuição sanguínea dos órgãos não-vitais para os órgãos vitais são detectáveis perifericamente e informam acerca da competência/eficácia dos mecanismos iniciais de compensação do choque, abrindo portas para o estudo do “pré-choque”, redescobrindo a forma como se aborda medicamente o paciente agudo. Este abrir de portas para a identificação e estudo de estadios precoces ao choque descompensado vem expandir o leque de ferramentas que o médico veterinário tem ao seu dispor para prevenir ou reverter a hipoperfusão.

Na prática, consiste na detecção de sinais que antecedem a evidência clínica de um estado de hipoperfusão.

À soma integral dos vários mecanismos que mantêm a estabilidade hemodinâmica e a adequada perfusão de órgãos vitais perante o choque, atribui-se o termo “reserva compensatória”. (Moulton et al., 2013). Quando estes mecanismos cessam por défice/esgotamento de energia celular, dá-se o início da fase de descompensação do choque (Suresh et al., 2013). Numa fase inicial, os mecanismos compensatórios que são recrutados na primeira tentativa de manter a estabilidade hemodinâmica são o aumento da actividade nervosa

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simpática e a vasoconstrição periférica. Durante esta fase, os sinais vitais encontram-se frequentemente dentro dos intervalos de referência e os marcadores de perfusão podem ou não evidenciar subtilmente a presença de um distúrbio microcirculatório, dificultando a detecção desta fase à luz do antigo paradigma.

Da incapacidade de detectar esta fase, surge a impossibilidade de quantificar a totalidade da “reserva” de energia remanescente nestes mecanismos para que seja evitada fisiologicamente a descompensação, que por sua vez impede estimar e prevenir o momento em que esta ocorre.

O estudo de ondas PPG vem desmistificar eventos microcirculatórios outrora imperceptíveis, dado a sua alta sensibilidade para a detecção de variâncias do volume intravascular, (vindo substituir/complementar o estudo das ondas de pressão arterial). São aplicados sensores de pulsoxímetria perifericamente no paciente e são levantadas continuamente as leituras das duas ondas PPG, a onda de ejecção e a onda reflectida. A estas ondas correspondem respectivamente a convergência dos vários mecanismos compensatórios que optimizam o débito cardíaco e a resistência vascular periférica, perante o distúrbio hemodinâmico (Carter et al., 2016). Aquando a alteração do débito cardíaco e/ou da resistência vascular periférica, serão também denotáveis oscilações na morfologia destas ondas.A variação do contorno destas duas curvas e da diferença das suas amplitudes ao longo do tempo, são dados que quando processados representam as alterações do volume intravascular a cada batimento cardíaco, contendo inerentemente informação sobre o nível de eficácia da total dos mecanismos compensatórios em vigor.

A avaliação da onda PPG é uma ferramenta de alerta na monitorização do paciente agudo, avisando sobre a eminência da descompensação do choque (hipovolémico), antes de acontecer, antecipando a intervenção médica e potencialmente aumentando a taxa de sobrevivência em urgências (Suresh et al., 2013).

A monitorização da reserva compensatória prova-se então ser um método mais prático, mais imediato e com maior conteúdo informativo comparativamente a marcadores de perfusão isolados, por sumarizar os vários mecanismos fisiológicos de hemostasia num único resultado que é consecutivamente actualizado no tempo. A característica inovadora da reserva compensatória que vem revolucionar a abordagem médica à hipoperfusão, é a capacidade de detectar várias sub-fases que antecedem a descompensação do choque, outrora obscuras, expandindo e antecipando o número de momentos-oportunidade/chave que o médico tem para intervir terapeuticamente.

Numa nota conclusiva de cariz pessoal, creio que seja da maior importância para a comunidade médica veterinária de urgências médicas, o caminhar cientificamente com vista ao alcance de um sistema que abrigue este novo paradigma, de forma ultrapassar as actuais dificuldades dos métodos convencionais de detecção e classificação do choque. Um sistema como a reserva compensatória e a respectiva quantificação apresenta-se como um forte candidato a cumprir o objectivo de detectar precocemente e de monitorizar em tempo real a hipoperfusão, com a vantagem prática para o seu utilizador de apenas ter que recorrer a um único procedimento e respectiva leitura para a compreensão da eficácia da totalidade dos mecanismos compensatórios intervenientes, conservando tempo e custos comparativamente ao levantamento de múltiplos marcadores do choque.

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No documento Tese Final Miguel Esteves (páginas 82-84)

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