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3 “PEQUEÑO RESPONSO A UN HÉROE DE LA REPÚBLICA”: A ESCRITA COMO ARQUIVO

5. CONCLUSÃO: Voltar ao Peru?

Curiosamente, de acordo com Georgette de Vallejo (1979), após ter escrito os quinze poemas que compõem España, aparta de mí este cáliz (1939) o último exercício literário do esposo foi o drama La piedra Cansada (1937). Nele, César Vallejo, numa viagem ao passado, destaca os bastidores da construção da fortaleza de Sajsawama durante o Império Inca. A personagem Tolpor, que trabalhava como pedreiro, lidera o Exército do Sol e se torna imperador rompendo com a hierarquia dinástica, mas sua saga é marcada por uma grande fatalidade, impedindo-o de seguir sendo o governador do império. Ainda, em La piedra

Cansada, o escritor põe em cena o cotidiano e comportamento da comunidade autóctone

frente aos prognósticos nas vésperas da chegada dos espanhóis à América.

No segundo capítulo desta pesquisa, quando falávamos das condições de posicionamento e do papel de intelectual desempenhado por César Vallejo, demos ênfase à comparação que o escritor fazia, entre o sofrimento do povo espanhol com o do povo peruano. Em seguida falamos da influência que a experiência da revolução soviética exerceu sobre seu pensamento artístico e também político. Mas, percebemos que dessas experiências cosmopolitas vividas por Vallejo na França, Rússia e Espanha, persiste ainda uma preocupação quanto ao seu lugar de origem. Lembremos que as notas conclusivas de José Carlos Mariátegui (1975), sobre literatura peruana de seu tempo, diz repeito ao seu caráter cosmopolita assumido pelos escritores peruanos, que como Vallejo, estavam exilados. No sub-tema XIX “Balanço Provisório” Mariátegui conclui:

Hoje a ruptura é substancial. O “indigenismo”, como já vimos, está extirpando, aos poucos, pelas raízes, o “colonialismo”. E este impulso não procede exclusivamente da Serra. Valdelomar, Falcón, crioulos, litorâneos, contam-se – não discutamos a habilidade das suas tentativas – entre os que primeiro dirigiram o olhar para a raça. Chegam-nos, de fora, ao mesmo tempo, diversas influências internacionais. Nossa literatura entrou em seu período de cosmopolitismo. Em Lima, este cosmopolitismo se traduz na imitação, entre outras coisas, de não poucos corrosivos decadentismos ocidentais e na adoção de anárquicas modas do fim do século. Mas, sob este fluxo precário, um novo sentimento, uma nova revelação se anunciam. Pelos caminhos universais, ecumênicos, que tanto nos censuram, vamos nos aproximando, cada vez mais de nós mesmos. (MARIÁTEGUI, 1975, p. 257).

O cosmopolitsmo a que Mariátegui faz referência diz respeito tanto à influência estética de literaturas estrangeiras na literatura dita “nacional” “peruana”, quanto pelas

relações internacionais de escritores peruanos como foi o caso de César Vallejo. Quando Vallejo deixa o Peru em 1923, fugindo da perseguição política, sabia que haveria o encontro consigo mesmo longe de suas raízes e de sua terra. Acredito que pensando sobre os problemas peruanos, o escritor identifica-se com a luta do povo espanhol e com a ousadia dos russos. Encontrou-se em meio a decepções, misérias, guerras e tentou abraçar a história como se ela fosse única, espanhola, russa ao mesmo tempo, peruana. “Pelos caminhos universais” Vallejo viajou e conheceu lugares novos, sentiu-se frágil e mais uma vez órfão diante de incertezas e da morte como única saída para a liberdade. Escreveu e falou sobre política, arte, revolução. E na dúvida de sempre sobre que acento, que tema perfeito, sobre que angústia falar ao falar do homem, percebeu o Índio “antes e depois dele” como afirmou em seu poema “Telúrica y Magnética” escrito em 1931:

¡Lluvia a base del mediodía

bajo el techo de tejas donde muerde la infatigable altura

y la tórtola corta en tres su trino! ¡Rotación de tardes modernas y finas madrugadas arqueológicas! ¡Indio después del hombre y antes de él! ¡Lo entiendo todo en dos flautas

y me doy a entender en una quena! ¡Y lo demás, me las pelan…!

(VALLEJO, In: VÉLEZ, 2000, p. 126).135

Das obras literárias escritas no exílio, grande parte trazem temas que envolvem a realidade peruana do ponto de vista indigenista,136 essencialmente, seus dramas e suas prosas. Identificadas pelos críticos como planfetárias, estas narrativas e peças teatrais na verdade, reafirmam a projeção discursiva do escritor que escrevia sempre a partir de um lugar enunciativo intelectual, mestiço, terceiro mundista e cujo objetivo era denunciar as injustiças que ocorriam no Peru. Além de La Piedra Cansada, escrita em 1937, as principais obras que

135 “Chuva por volta do meio-dia / embaixo do teto de telhas onde morde / a incessante altura / e a pomba fragmenta em três o seu canto! / Rotação de tardes modernas / e finas madrugadas arqueológicas / índio depois do homem e antes dele. / Tudo entendo em duas flautas / e me faço entender em uma quena! / E o resto que as arraquem de mim!”

136 Aqui, nos referimos ao conceito indigenismo revisado por Cornejo Polar (2000), quem mostrou a necessidade de informar sobre uma nova maneira de pensar o indigenismo, (diferente das discusões levantadas durante a década de 1920 e 30 por José Carlos Mariátegui e Luis Alberto Sanchez, entre outros) considerando-o como marcador das literaturas sujeitas a um duplo estatuto sociocultural, as quais denominou “literaturas heterogêneas” (2000, p. 162), caracterizadas pelo impasse linguístico no qual duelam as marcas pré-coloniais na oralidade, e a colonial como língua oficial na escrita. Neste conflito, duas culturas e sociedades convivem, uma sobrevivendo à outra. No caso do Peru, a pré-colonial tenta sobreviver à língua oficial. Espanhol, quéchua e aimara como idiomas falados no país servem, segundo afirmou Diana Taylor, “mais para diferenciar grupos e silenciar vozes do que para promover a comunicação” (TAYLOR, 2002, p. 16).

amparam essa realidade peruana são: o projeto narrativo Hacia el reino de los Sciris, escrita durante os anos de 1924 e 1928, ambientada durante o reinado de Túpac Yupanqui e seu príncipe Huayna Cápac, durante a tentativa dos dois de ampliar as fronteiras do império inca e consolidar sua grandeza; a prosa El Tungsteno de 1931 sobre o qual mecionamos no primeiro capítulo; o conto infantil Paco Yunque onde o escritor relata e denuncia a luta de classes a partir do choque ocasionado pela convivência na escola entre crianças de classes sociais diferentes; o drama Presidentes de América escrito em 1934 e que traz como tema a farsa da democracia burguesa no Peru e sua submissão às políticas transnacionais responsáveis, na época, pelo controle da economia e da política local. Apresenta, de forma realista, o choque pós-colonial vivido pelo Peru. De fato, o drama foi escrito em consonância com uma séria de artigos que o escritor produziu e que foram publicados na Revista Germinal em 1933 sob o título de “

¿

Qué pasa en Perú?” e vários dos poemas que compõem seus Poemas en prosa e

Poemas Humanos.

No entanto, não podemos afirmar que outras publicações do escritor, como as reportagens, Rusia en 1931 (1931), Rusia ante el segundo plan qüinqüenal (1932), os livros de ensaios, Contra el secreto profesional (1923-1929), El Arte y la Revolución (1929-1931), e outras narrativas como El niño del carrizo, Viaje alrededor del porvenir, Los dos soras y El

Vencedor (1935 y 1936), escritas durante o exílio, por não terem ligação direta com a

realidade peruana não possam revelar, de certa forma, reflexões que sejam interessantes para pensar este lugar enunciativo que assume Vallejo. Muito pelo contrário, mesmo ao referir-se a outros assuntos, esses escritos são considerados por mim como parâmetros comparativos utilizados pelo escritor, a fim de refletir, em termos políticos, a realidade peruana com ênfase na problemática indígena.

Algo parecido aconteceu no modo com o qual foram produzidos os poemas que compõem España, aparta de mí este cáliz e que tentamos abordar neste estudo. España

aparta de mí este cáliz (1939) é arquivo de uma memória que, entre as fissuras de outras

memórias fragmentadas descritas subjetivamente, traz ecos e estilhaços da Guerra Civil Espanhola como história.

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