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Durante a realização deste trabalho foi possível perceber um cenário de intensa degradação ambiental em SJU, com excessiva exploração do solo e água para práticas agrícolas com uso intensivo de agroquímicos. A região naturalmente montanhosa e a proximidade das áreas de cultivo e residências, corpos d’água e áreas de convívio de pessoas e animais formam um cenário propício à disponibilização desses químicos para o contato humano em diferentes compartimentos, como ar, solo da cultura e do entorno, águas superficiais e subterrâneas, biota, os produtos agrotóxicos e suas embalagens, equipamentos e utensílios usados no trabalho rural.

A população rural avaliada tem a sua economia baseada na agricultura familiar químico-dependente, principalmente com a utilização de produtos pertencentes aos grupos CM, piretróides, diamidas, OF, neonicotinóides, glicinas, avermectinas, nitrilas, bipiridilios, e benzimidazol. Dos produtos citados pelos agricultores como sendo os mais utilizados, alguns não são permitidos para os principais cultivos realizados em SJU e um deles (organoclorado) está proibido no Brasil desde 2013. Esta população possui uma baixa percepção do risco dos agrotóxicos à saúde humana e ao meio ambiente e a maioria está exposta ocupacionalmente e ambientalmente aos agrotóxicos, principalmente no período da safra, desde tenra idade e nunca recebeu nenhum treinamento ou orientação técnica sobre a quantidade a ser usada e meios de utilização seguros.

No geral, os trabalhadores rurais eram do sexo masculino, casados, com IMC normal ou sobrepeso e uma maior prevalência de tabagismo, enquanto os familiares eram do sexo feminino, casados e se apresentaram igualmente distribuídos entre IMC normal, sobrepeso e obesos. Os dois grupos avaliados apresentaram baixa escolaridade, baixa renda familiar, baixo consumo de álcool e, apesar de vários indivíduos terem relatado diversos sintomas de intoxicação, poucos referiram intoxicação prévia.

Os produtores rurais possuem extensa jornada de trabalho e manipulam agrotóxicos frequentemente durante o período da safra. A maioria deles afirmou usar EPIs regularmente, embora nas visitas de campo tenhamos encontrado poucos de fato utilizando e nenhum

trabalhador com o EPI completo. Os dois grupos avaliados afirmaram estar expostos domesticamente a agrotóxicos e grande parte dos familiares disse ajudar frequentemente em algumas etapas da produção agrícola. Esses familiares assumem erroneamente que não precisam usar EPIs por não manipularem ou terem contato direto com os químicos, embora estejam presentes nas áreas de cultivo logo depois ou no dia seguinte à aplicação, se expondo de igual maneira aos agrotóxicos.

Em concordância com os resultados de outros estudos disponíveis na literatura e apresentados na revisão de literatura sobre o tema, nos dois grupos avaliados em SJU foi observada uma prevalência significativa de sintomas respiratórios nos indivíduos expostos a agrotóxicos. Os sintomas respiratórios mais prevalentes entre os trabalhadores rurais foram, em ordem de importância, crise de tosse, aperto no peito, alergia no nariz ou rinite, chiado no peito e falta de ar. Entre os familiares foram, crise de tosse e alergia no nariz ou rinite, falta de ar, aperto no peito e chiado no peito.

No presente estudo encontramos associações significativas entre as variáveis de exposição avaliadas e os valores da relação VEF1/CVF (Índice de Tiffeneau) e FEF25-75%. Enquanto as associações entre as variáveis de exposição e as alterações do Tiffeneau perderam sua significância estatística quando ajustadas para tabagismo, as associações com FEF25-75% se mantiveram significantes, corroborando com outros estudos que encontraram semelhantes alterações na saúde respiratória de populações expostas a agrotóxicos, mesmo depois de ajustados para fatores de confusão. Essa perda de significância pode ter acontecido devido ao tamanho da amostra e a heterogeneidade dos grupos.

Ainda que as associações entre os resultados da prova de função pulmonar e o fato dos indivíduos serem produtores ou familiares tenham se apresentado estatisticamente significante apenas para Tiffeneau e FEF25-75%, as medianas e médias de todos os parâmetros avaliados se apresentaram menores entre os produtores rurais do que entre os familiares, o que estar relacionado à uma maior exposição aos agrotóxicos.

Foram encontradas associações estatisticamente significantes entre as alterações nos biomarcadores de efeito (atividade colinesterásica) e algumas variáveis de exposição analisadas, como o fato dos indivíduos terem contato atual com agrotóxicos, manipularem agrotóxicos regularmente e a quantidade de horas trabalhadas por dia. Ainda que essas associações tenham perdido sua significância estatística quando ajustadas para sexo, todas as medianas (e IIQ) e as médias (e DP) das atividades enzimáticas se apresentaram menores nos

produtores do que nos familiares, o que pode estar associado a exposição a agrotóxicos inibidores da colinesterase.

Na tentativa de fazermos um levantamento dos dados de morbidade e mortalidade por doenças respiratórias em SJU, encontramos as bases de informações oficiais desatualizadas, não integradas, com falhas na apresentação dos dados e informações visivelmente inconsistentes. Um sistema de notificação dependente do contato do intoxicado, que não explora os tipos e quantidades que causaram a intoxicação e sem comunicação com os sistemas municipais de vigilância resulta em uma subnotificação dos casos e dificuldade da utilização desses dados para monitoramento, ações de controle e promoção de saúde das populações vulneráveis.

Constatamos que o município não possui qualquer programa de notificação, controle e monitoramento da saúde das populações expostas a agrotóxicos, bem como nenhum programa de redução de danos ou atendimento específico a essas populações. As principais causas de internações e óbitos em SJU já foram associadas a exposição aos agrotóxicos em outros estudos e podem estar relacionadas também em SJU.

Este estudo foi importante para conhecer o estado de saúde geral e respiratória da população rural exposta a agrotóxicos em SJU, propiciou o encaminhamento dos indivíduos com alterações significativas e recomendação de ações em saúde e vigilância visando à diminuição da exposição e uma melhora no atendimento e tratamento dessas populações. Permitiu também comparar grupos com diferentes níveis de exposição e identificar alguns valores bases e importantes co-variáveis para ajustes em associações futuras e que devem ser considerados em estudos prospectivos com amostras mais significativas.

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