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A. O art. 412.º do CSC estabelece e rege os mecanismos internos de controlo das invalidades – nulidades e anulabilidades - das deliberações do conselho de administração das sociedades anónimas, não fazendo, contudo, qualquer referência à possibilidade de recurso às vias judiciais para tutela do direito. Este é, aliás, um problema também recorrente em ordenamentos jurídicos tendencialmente próximos do nosso, como o espanhol e o italiano.

B. Perante tal “lacuna”, doutrina e jurisprudência dividem-se quanto à solução a adoptar: serão as deliberações inválidas do conselho de administração susceptíveis de sindicância judicial? Em caso afirmativo, serão elas directamente impugnáveis ou, pelo contrário, impõe-se o esgotamento dos mecanismos intra- societários previstos no n.º 1, do art. 412.º do CSC?

C. A exclusão tout court do recurso às vias judiciais surge, actualmente, completamente afastada, não só porque as invocadas razões de ordem prática - concretizadas no obstáculo que o direito de impugnação judicial constituiria para o regular e saudável funcionamento das instituições sociais - são manifestamente insuficientes, como também porque bloquear o acesso aos tribunais tornaria a norma constante do art. 412.º do CSC inconstitucional, porquanto em violação do art. 20.º, n.º 1 da CRP (cfr. Ac. do TC n.º 413/2003, de 24/09/2003). Acresce a circunstância de, actualmente, doutrina e jurisprudência aceitarem a possibilidade de suspender a execução de deliberações do conselho de administração através do recurso a providência cautelar (alguns Autores defendem que apenas é admissível o recurso ao procedimento cautelar comum, outros entendem que se pode recorrer ao procedimento especificado de suspensão de deliberações sociais); naturalmente que o recurso a um procedimento cautelar, implica necessariamente a instauração da acção principal, a qual terá de ser feita em momento anterior ao da tomada de deliberação dos sócios, a qual exige normalmente alguns meses (cfr. art. 375.º do CSC). Caso optássemos por esperar pela decisão interna acerca da invalidade

da deliberação, o procedimento cautelar ficaria impedido ou, pelo menos, prejudicado. Por conseguinte, para alguns Autores, este é mais um dos argumentos que faz cair por terra a tese da inadmissibilidade directa de sindicância judicial, na medida em que o intervalo de tempo que medeia entre o requerimento interposto junto da assembleia geral ou do conselho de administração e a respectiva decisão, implicaria, na maioria das vezes, na inviabilidade prática da providência cautelar.

D. Concentrando-se a divergência na questão da alternatividade ou subsidiariedade da impugnação judicial das deliberações do conselho de administração, são vários os argumentos invocados na defesa de ambas as posições, que se traduzem em dois grandes pontos: a letra da lei (o silêncio do art. 412.º do CSC) e a segurança e certeza jurídicas.

E. Quando ao primeiro dos argumentos, é forçoso concluir que do silêncio do legislador não se pode inferir a negação da tutela judicial: o que o legislador pretendeu com a introdução do art. 412.º do CSC foi dispor sobre legitimidades extraordinárias para a invocação de deliberações do conselho de administração.

F. No que respeita ao aspecto da segurança e certeza jurídicas – traduzido, por um lado na garantia do mínimo de intervenção externa na vida da sociedade e, por outro lado, na necessidade de estabilização dos negócios – a doutrina e a jurisprudência não descuram os malefícios que o recurso aos tribunais podem provocar à sociedade, quer por força da demora na resolução do litígio, quer pelos custos associados, quer inclusivamente pela imagem da sociedade para o exterior. Todavia, há que ter em consideração que, para além de os accionistas não terem conhecimento da grande maioria das deliberações do conselho de administração, o que se traduz num número ínfimo de situações de recurso judicial, a intervenção da assembleia geral (órgão da escolha maioritária dos sócios) revela-se, segundo alguns Autores (designadamente RICARDO FALCÃO e

G. Outro dos aspectos que se destaca do debate doutrinário em redor do art. 412.º do CSC é que os Autores que se insurgem contra a possibilidade de recurso judicial directo consideram que, só da deliberação da assembleia geral que venha a não declarar nula ou a não anular a deliberação do conselho de administração pode ser alvo de sindicância judicial. Podemos enumerar três falhas nesta afirmação: em primeiro lugar, o ignorar da hipótese de recurso para o próprio conselho de administração deve-se, em grande parte, ao apego à concepção clássica do conselho de administração: os administradores eram mandatários da sociedade, subordinados à vontade da assembleia geral, sem que a lei lhes atribuísse um círculo de competências próprio, como sucede actualmente (cf. arts. 405.º e 406.º do CSC). Por esta razão, o art. 412.º do CSC consistiria numa espécie de recurso hierárquico necessário para o órgão supremo da sociedade – a assembleia geral. Em segundo lugar, o actual conceito de deliberação abrange, também, as deliberações (decisões e resoluções) do conselho de administração, e não apenas as deliberações da assembleia geral, como era o entendimento até à publicação do CSC. Neste seguimento, as deliberações inválidas do conselho de administração podem ser internamente impugnadas para o próprio conselho e podem, ainda, ser judicialmente sindicadas. Se assim não fosse, o preceito padeceria de inconstitucionalidade, por vedar o acesso aos tribunais. Em último lugar, levanta-se o problema de saber qual o fundamento legal a invocar inerente à deliberação da assembleia geral que, chamada a intervir, não venha a declarar nula ou a anular a deliberação do conselho de administração.

H. No que respeita aos prazos de impugnação judicial, permanece a dúvida em relação às deliberações nulas: serão as mesmas judicialmente impugnáveis a todo o tempo, nos mesmos termos em que qualquer interessado o pode fazer, nos termos do art. 286.º do CC ou, ao invés, aplicar-se-á aqui o prazo de um ano previsto no art. 412.º do CSC? Doutrina e jurisprudência dividem-se: os Autores que defendem a ausência de prazo, apoiam-se, por um lado, na discriminação que a imposição de prazo traria e, por outro lado, na circunstância de ser inaplicável o prazo de trinta dias que está estipulado para a acção de anulação da deliberação dos sócios, porquanto o art. 411.º, n.º 2 do CSC apenas remete para

os n.ºs 2 e 3, do art. 56.º do CSC, deixando de fora o restante regime aplicável às deliberações dos sócios. COUTINHO DE ABREU apresenta-nos um entendimento

diferente, defendendo a aplicação à impugnação judicial dos prazos constantes do art. 412.º do CSC, baseando-se na tendência, quer no nosso ordenamento jurídico (v.g. arts. 412.º, n.º 1, 44.º, n.º 1 e 117.º, n.ºs 1 e 2, todos do CSC), quer nos ordenamentos jurídicos tendencialmente mais próximos do nosso, como sejam o espanhol (art. 251.º da LSC) e italiano (art. 2388.º do Codice Civile).

I. Assim, concluímos que é admissível que o acesso aos tribunais sofra limitações, mas entendemos que estas terão que ter como fundamento uma norma que expressa, clara e inequivocamente assim o estabeleça, o que não sucede com o artigo 412.º do CSC, que, a nosso ver, por tudo quanto ficou dito, não impede a impugnação judicial directa de deliberações inválidas do conselho de administração.

B

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