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4. OS ESTADOS FALIDOS NA PRÁTICA: REFLEXOS DA PARTICIPAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES INTERNACIONAIS

4.4. Conclusões do Estudo de Caso

A primeira conclusão que podemos extrair do estudo de caso está na diferenciação entre os critérios utilizados pelas nossas duas principais fontes, qual sejam, o Fund for Peace e o Banco Mundial.

País Ranking FSI Reagrupado Ranking BM Reagrupado Média de Variação dos Indicadores R.D. do Congo 2 1 -1,428 Burundi 9 2 -1,34 Costa do Marfim 1 3 -1,07 Haiti 7 4 -0,585 Iraque 4 5 0,063 Ruanda 8 6 0,178 Sudão 3 7 0,221 Serra Leoa 5 8 0,358 Liberia 6 9 0,393

Tabela 13: Resultados Comparativos 1

A tabela acima apresenta um reagrupamento dos países em análise com relação ao quadro inicial da Fund for Peace, além de um ranqueamento decresecente –do pior para o melhor resultado das médias aritméticas das variações dos indicadores- a partor dos dados do Banco Mundial. O reagrupamento do Failed

States Index coloca os nove casos analisados em ordem decrescente que aparecem

no quadro inicial. Enquanto o FSI enquadra a Costa do Marfim como o Estado em processo mais avançado de colapso, segundo a análise aqui feita, o mesmo país ficaria em primeiro lugar. Da mesma forma, enquanto o segundo caso mais extremo de variação negativa nas médias de variação dos indicadores fica com o Burundi, o país é colocado apenas em 9º lugar no reagrupamento do FSI, 17º no ranking original.

Tal demonstração reflete aquilo que vimos suportando desde o início de nosso trabalho: Estados Falidos não são necessariamente aqueles em que a violência é preponderante mas, sim, aqueles em que as instituições não conseguem manter o papel estatal de governança, ou simplesmente não existem. Por outro lado, se a crítica for a da comparação entre dois elementos construídos de maneira metodologicamente diversa –como comparar laranjas a maçãs- nosso argumento principal é que o FSI tratou-se apenas de um ponto de partida, e os números apresentados na tabela 13 apenas servem para reforçar um dos aspectos de nosso entendimento acerca do processo de falência.

Em segundo lugar, e confirmando nossa hipótese, as instituições internacionais não produzem impacto significativo em termos de melhorias das instituições internas dos Estados. Considerando-se individualmente os regimes aqui analisados, nossa constatação fica ainda mais clara: o Estado que recebeu o maior aporte de recursos do Banco Mundial foi a república Democrática do Congo que, ainda assim, apresentou os piores resultados em termos de governança, enquanto o Sudão, país que nada recebeu em financiamentos, apresentou o terceiro melhor resultado. Por outro lado, a atuação do regime de segurança internacional em Ruanda foi o menor em termos de tempo de atuação, enquanto no Haiti ele foi o maior não só em tempo quanto em número de Missões estabelecidas. O primeiro apresentou resultados de mais de 350% em termos de variação positiva dos indicadores em relação ao segundo.

O fato de que cinco dos nove países analisados obtiveram resultados positivos não invalida a hipótese. Lembremos que nossa hipóstese central é a de que a atuação das instituições internacionais, aqui consideradas como regimes, possui pouca eficácia na melhoria das instituições internas do Estados Falidos,

quando não pioram sua performance. Deve-se observar, por exemplo, que onde a variação dos indicadores foi positiva, seu crescimento foi muito baixo e que em quase 45% dos casos verificou-se a tendência a uma piora nas performances.

Nosso recorte de objeto e tempo não pretende desconsiderar uma análise mais global. Certamente a atuação internacional aqui colocada não foi única, ou seja, outras instituições também agiram nesses Estados. Por outro lado, também não desconsideramos os fatores internos que podem ter levado a pouca eficiência da atuação internacional na melhoria das instituições internas. Entretanto, dentro das constrições materiais de nosso trabalho, a pretensão foi desenvolver uma análise pontual, mas que fornecesse indicadores concretos dos resultados da atuação dos regimes sobre as instituições internas.

A tabela abaixo foi construída a partir da variação de cada um dos indicadores, de todos os países em análise. Nosso objetivo era verificar a performance de cada um dos indicadores. Como podemos observar, ainda reforçando nossa hipótese, as médias de seis dos cinco indicadores- ou seja, quase 83%- apresentaram variações negativas. A única exceção foi a qualidade regulatória que, como vimos refere-se a dados como ambiente favorável para negócios, e poderia ser explicada em termos de uma tendência ao aumento da abertura econômica em todos os países do mundo.

Indicadores/País RDC Burundi CDM Haiti Iraque Ruanda Sudão

Serra

Leoa Libéria Média

Voz e Credibilidade -1,27 0,02 -1,27 -0,97 0,08 0,37 -0,06 0,91 0,22 -0,21889 Estabilidade Política -2,6 -0,27 -3,12 -1,22 0,01 0,38 0,81 1,71 0,55 -0,41667 Eficácia Governamental -1,19 0 -1,19 -0,56 -0,16 0,65 0,14 -0,83 -0,17 -0,36778 Qualidade Regulatória -0,08 0,05 -0,68 -0,04 0,78 0,41 0,58 -0,59 0,5 0,103333 Império da Lei -2,01 -1,16 -0,06 -0,38 -0,31 -0,53 0,05 -0,03 0,52 -0,43444 Controle da Corrupção -1,42 0,02 -0,1 -0,34 -0,02 -0,21 -0,19 0,98 0,74 -0,06

Media Todos

-

1,42833 -1,34 -1,07 -

0,585 0,0633 0,1783 0,22167 0,3583333 0,3933 -0,35648 Tabela 14: Médias Comparadas-Indicadores 1

Por fim, a média global dos indicadores comprova definitivamente a hipótese. Com uma variação média negativa aproximada de 0,357 ponto entre 1996 e 2004, a análise indica a tendência a uma piora na qualidade institucional e, conseqüentemente, na força do Estado. A atuação internacional, portanto, globalmente considerada, aprofundou o processo de falência estatal com relação às instituições internas e indicadores de governança dos casos considerados e, considerando-se os países individualmente, teve uma performance pouco positiva de atuação.

CONCLUSÂO

Nosso trabalho procurou prover respostas a alguns questionamentos. A primeira dessas respostas refere-se como as macro-estruturas internacionais evoluíram em paralelo ao próprio desenvolvimento do conceito de Estado. Como observamos, é grande a importância da evolução das estruturas internacionais para a consolidação dos Estados como entes políticos autônomos, sendo um dos requisitos principais para a existência do sistema de Estados-Nações o reconhecimento da igualdade entre os mesmos. A partir deste ponto, foi possível o desenvolvimento das interações entre os mesmos e, principalmente, do estabelecimento de estruturas e instituições internas que possibilitassem a existência do Estado como tal e sua consolidação como modelo quase universal de organização sobre um determinado território.

O desenvolvimento que se segue foi conduzido pela realidade e pelo contexto histórico específico de cada região. O modelo estatal mais amplamente difundido foi o advindo da Europa e, mesmo que nem todos os Estados Europeus atuais tenham caracterizado-se como àqueles do modelo Weberiano, foi neles que a ampla maioria das regiões do globo apoiou-se para estruturar suas unidades organizacionais.

A necessária relação estabelecida entre as constituições internacionais, que desembocariam nas próprias Organizações Internacionais, tinha o objetivo de evidenciar a estreita relação entre instituições internas e instituições (regimes) internacionais. Essa associação é particularmente importante quando da análise da atuação das OIs na reconfiguração institucional interna dos Estados Falidos contribuem ou param esta tendência. Assim, vimos que a evolução e delimitação do

conceito de Estado passou por uma necessária evolução e delimitação das relações entre estes entes autônomos e, persistindo até hoje, ajuda-nos a identificar as estruturas e instituições internas dos mesmos.

Outro questionamento que aqui procuramos responder refere-se ao que, afinal, pode ser entendido como Estado Falido. Uma das respostas encontradas foi a de que a falência estatal não é um momento estático, mas um processo dinâmico que, como tal, possui níveis diferenciados de intensidade. A partir de alguns autores, procuramos identificar tais níveis, delineando algumas características de cada uma das etapas. Ainda que um Estado Forte possa passar a ser considerado Fraco, dificilmente ele atingirá o Colapso sem passar pelos outros níveis do processo.

Os modelos de Estado Forte aqui utilizados serviram-nos para identificar algumas características daquilo que um Estado Falido não é. Vimos que os modelos de Buzan, Fukuyama e Weber e as definições dos demais autores mapeados convergem em um ponto específico: Estados Fortes dependem pesadamente de seu aparato institucional para serem considerados como tal, tanto em seu escopo quanto em sua força. Assim sendo, um Estado Falido deve ser entendido como aquele em que as instituições internas estão ausentes, foram destruídas, ainda que temporariamente, ou nunca existiram.

Nesse sentido, se as instituições internas existem para permitir a própria continuidade do Estado e ele formar, elas devem ser capazes, prioritariamente, de prover a seus cidadãos bens políticos e públicos essenciais. Estados Fortes desempenham bem tais funções, enquanto Estados Fracos apresentam um perfil misto, atendendo às expectativas em algumas áreas e indo mal em outras. Quanto pior os Estados Fracos desempenham tais funções, mais fraco eles se tornam e mais a fraqueza tende a empurrá-los para o fracasso, podendo chegar aos níveis de

falência e colapso. O vácuo institucional seria o fator mais relevante que levaria essas unidades a serem incapazes ou não desejarem prover os bens políticos mais essenciais, prioritariamente a segurança humana. Essas conclusões nos permitiram contribuir para o debate por meio de uma formulação própria do conceito de Estado Falido.

Outra resposta que buscamos apresentar refere-se aos modelos teóricos de análise dos Estados Falidos e qual o que apresentaria resultados mais próximos da realidade em um contexto tão diverso de causas e conseqüências. Analisamos a evolução e as conceituações trazidas por diversas áreas científicas das abordagens Neo-institucionalistas. Nossa concentração, entretanto, deu-se na análise do Neoinstitucionalismo nas Relações Internacionais e na Ciência Política, especialmente o Histórico, buscando aproximar as duas correntes pela concepção de que o estado é, ao mesmo tempo, ator e instituição, condicionando seu ambiente de existência e, ao mesmo tempo, sendo por ele condicionado.

A primeira aproximação feita é que ambas buscam elucidar o papel desempenhado pelas instituições na determinação de resultados sociais e políticos. Essas seriam entendidas como um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, implícitos ou explícitos, em torno dos quais se observa convergência de expectativa dos atores em torno de uma questão ou área das relações sociais, por um lado, e internacionais, por outro. Esses procedimentos condicionam a prática para a implementação de escolhas coletivas internas e no sistema internacional. Daí a inferência de que os resultados de governabilidade refletem a institucionalidade estatal, uma vez que as instituições condicionam os resultados sociais, os indicadores refletem sua presença e sua efetividade.

Uma segunda aproximação explicita que, enquanto na perspectiva da Ciência Política cálculo e cultura se combinariam para formar atores coletivos, que agiriam no plano de macro-instituições herdadas e com base em relações de poder assimétricas. Nas Relações Internacionais os Estados continuam buscando poder e calculando seus próprios interesses, apresentando uma situação de interdependência assimétrica. A assimetria de poder é, assim, presente em ambas as vertentes e as instituições existiriam para consolidar e manter o poder de uma classe que a elas tenha um maior acesso, enquanto os Estados também agiriam voluntariosamente em direção aos regimes internacionais de forma a manter suas próprias preferências.

Referindo-se diretamente à segunda, a terceira aproximação reside no fato de que, mesmo cooperando de forma assimétrica, os atores passariam, necessariamente, por uma alteração em seus interesses por meio das instituições. Enquanto considera que a rica gama de instituições existentes serve, ao mesmo tempo, para restringir Estados através da operação de regras e para fornecer aos mesmos oportunidades de cooperar, as instituições internas desempenhariam um duplo papel: restringir e desviar o comportamento humano. Daí a inferência de que a atuação dos regimes internacionais influenciam diretamente as instituições internas.

Os três pontos-chave de convergência, portanto, seriam: o conceito de instituições e seu papel fundamental nos outcomes dos processos políticos; a consideração que as instituições funcionam como meio de manutenção de uma assimetria de poder; e, ao mesmo tempo que realizam essa função, fazem com que os atores modifiquem suas concepções de interesse próprio, muitas vezes transformando-o para que possa encaixar-se no ambiente da própria instituição.

O último questionamento que aqui buscamos responder foi se os regimes internacionais, como instituições que restringem escolhas e veiculam interesses, fomentam avanços ou retrocessos na reconstrução ou no estabelecimento de instituições internas dos Estados Falidos. Utilizamo-nos de uma amostragem restrita relativamente ao amplo campo de possibilidades, mas que seguramente apresentaram resultados que podem ser estendidos à grande maioria dos casos de colapso estatal.

Nossa hipótese, analisada dentro de um determinado recorte espaço- temporal, de que as instituições internacionais não produzem impacto significativo em termos de melhorias das instituições internas dos Estados foi confirmada. Como vimos, nos casos apresentados, os critérios de governabilidade, que refletem diretamente a eficácia e a existência do aparato institucional, apresentaram, em sua grande maioria, desempenhos negativos. Até mesmo onde os indicadores apresentaram uma variação positiva, a mesma foi relativamente pequena em relação ao que a atuação internacional se propunha. O Estado que recebeu o maior aporte de recursos do Banco Mundial, por exemplo, apresentou os piores resultados em termos de governança, enquanto o país que nada recebeu em financiamentos, apresentou o terceiro melhor resultado. Por outro lado, onde a atuação do regime de segurança internacional foi menos prolongada apresentaram-se resultados desproporcionalmente melhores, em termos de variação positiva dos indicadores, do que onde o tempo de atuação e o número de ações foi maior.

Duas conclusões gerais depreendem-se de todas as respostas aqui buscadas: há algo de errado na atuação internacional e, se existe a vontade política de que os Estados que apresentam colapso se recuperem, ela deve ser modificada. Mas esse trabalho também não buscou resposta a outros questionamentos.

Nosso recorte de objeto e tempo não pretende desconsiderar uma análise mais global. Certamente a atuação internacional aqui colocada não foi o único fator que impediu a recuperação do processo de falência ou a (re)estruturação das instituições internas. Múltiplos fatores podem ter contribuído para essa ineficiência: ausência de vontade política ou de liderança local capaz de sintetizar os anseios da população, profundas dissensões internas, corrupção, entre outros. Essas são possíveis linhas de análise a serem posteriormente desenvolvidas para atingir-se uma compreensão ainda mais profunda do processo para, a partir daí, buscar formas mais efetivas de atuação dos regimes internacionais.

Outro questionamento que não buscamos responder é se os Estados podem ser postos em funcionamento pelo lado de fora, ou seja, através de processos protagonizados por atores exógenos. Ao que nosso estudo indica, a resposta é negativa. A ajuda internacional é necessária, mas não suficiente para garantir o estabelecimento de instituições legítimas e sustentáveis a longo prazo. A ação internacional, nesse sentido, deveria ser vista como facilitadora dos processos locais, fornecendo os recursos (materiais e políticos) e criando o espaço para que os atores locais iniciem a conversação que irá definir e consolidar sua unidade através da mediação de sua visão de bem estar para dentro de instituições robustas, confiáveis e que forneçam respostas às demandas sociais.155

De outra forma, se concluímos que a atuação internacional, na maioria dos casos, implica em retrocessos institucionais, seria melhor que a mesma cessasse? Então deveriam os regimes internacionais deixar que os assuntos internos fossem resolvidos de forma absolutamente autônoma? Não deveria mais o Banco Mundial prover financiamentos a projetos educacionais em Estados em que a imensa maioria

155

de pessoas não sabe ler? Deveria, ainda, o regime de segurança internacional deixar de intervir em casos de extrema violação dos Direitos Humanos, como nos casos de genocídio? Claramente a resposta aqui é negativa, e certamente não pretendemos que se infira tal posicionamento de nossas conclusões.

Característica comum a todos os Estados Falidos é vista amplamente no cenário internacional: trata-se de uma condição na qual convivem a paz no âmbito externo e uma situação conflituosa domesticamente, violenta ou não. Trata-se de uma inversão do famoso dilema de segurança de Hobbes156, que ameaça a estabilidade regional e internacional. Se as instituições existem para condicionar resultados sociais, fato é que as mesmas devem ser acionadas, mas as razões para os retrocessos devem ser profundamente debatidos e o modus operandi, de alguma forma, alterado. Mas essa é uma outra análise que fica em aberto para futuras investigações.

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O dilema de segurança Hobbesiano afirma que os estados são Leviatãs políticos que criaram condições de paz interna mas, ao mesmo tempo, criaram condições de guerra internacionalmente.