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No final dos anos 70, ainda era cedo para se verificar com clareza quais seriam as repercussões do II PND para a economia brasileira. Afinal, tratava-se fundamentalmente de projetos com longo prazo de maturação, cujos efeitos não apareceriam de imediato. Isso atrapalhou as primeiras avaliações do II PND, e as conduziu a diagnósticos pessimistas, reforçados pelo cenário cada vez mais sombrio desse final dos anos 70. Foi isso que levou Carlos Lessa e outros autores respeitáveis a concluir que esse plano fora malsucedido. Não acredito, por tudo que foi visto até aqui, que o II PND abortou em 1976 diante do agravamento das condições nacionais e internacionais, conforme afirma Lessa. De fato, nesse ano o governo fez um ajuste no plano para reduzir o ritmo de crescimento e aplacar as tendências inflacionárias que se manifestavam em vários indicadores econômicos. Porém, sacrificou o secundário para preservar o essencial, cortando recursos de setores que não comprometiam o sucesso do programa econômico. Chegou mesmo a rever as metas, invariavelmente ambiciosas, de vários projetos prioritários, sem, no entanto, desfigurar-lhes o sentido.

Não creio tampouco que o II PND tenha apenas reforçado o nosso velho padrão de financiamento e ajudado a constituir a crise da dívida dos anos 80. Se não logrou mudar esse padrão, o II PND certamente não agravou a dívida e chegou até mesmo a reduzir a vulnerabilidade externa do país, por meio da substituição de importações e aumento das exportações. Nesse sentido, estava correta a análise de Antônio Barros de Castro, que percebeu isso em primeira mão no início dos anos 80.

Pior teria sido se o Governo Geisel tivesse sucumbido à tentação de fazer um ajuste ortodoxo. Aí sim a dependência financeira teria se agravado. Entretanto, optou por uma ação anticíclica, na boa tradição keynesiana. O general Geisel e sua equipe econômica não se deixaram seduzir pelo canto da sereia do Fundo Monetário Internacional, que fez muitas vítimas na América Latina. Por isso não trilhou o caminho da recessão e do desemprego do Chile, da Argentina e de outros países que renunciaram ao crescimento, e nem por isso deixaram de amargar a crise da dívida dos anos 80. Com o II PND ou sem ele, teríamos a crise da dívida dos anos 80, por razões que transcendem a Gestão Geisel. Talvez a dívida externa brasileira tivesse sido ligeiramente menor, no início dos anos 80, sem os empréstimos contraídos na época anterior. Porém, seria menor também a capacidade de exportação e de realização de uma expansão futura.

O II PND não foi somente um programa intervencionista e heterodoxo, porque usou e abusou da política fiscal conforme convém a um programa dessa natureza. Também ampliou a participação das empresas estatais na economia através dos megaprojetos da indústria de base. Um estudo do Ministério do Planejamento, feito em 1977 com base nos dados do “Quem é Quem” da revista Visão, indicou que, no período de 1970 a 1976, a participação das empresas estatais no patrimônio líquido das 1069 maiores empresas brasileiras, aumentou de 47,5% para 52,2%57, e continuou subindo no restante

da década. Em termos da política econômica do dia-a-dia, de fato, Simonsen afrouxou um pouco o controle de preços do CIP, sem no entanto aboli-lo, e operou com taxas de juros mais elevadas, de acordo com uma política monetária e um figurino menos intervencionista que Delfim Netto. No entanto, o arquiteto do “milagre” não estava preocupado em atrair tanto capital externo para fechar as contas do balanço de pagamentos, quanto o seu sucessor, que tinha problemas de balanço de pagamentos para resolver. Não se pode negar uma diferença doutrinária entre Simonsen e Delfim Netto, que deixou sua marca na gestão econômica de ambos. Porém, Simonsen não estava no comando e se subordinou ao II PND, que, querendo ou não, ele ajudou a viabilizar. Quando, de fato, ele assumiu as rédeas da gestão econômica no Governo Figueiredo, tentou aplicar uma política mais ortodoxa e não durou seis meses no ministério.

58 Entrevista de Reis Velloso ao autor em novembro de 1995.

Ao se avaliar os efeitos do II PND para o endividamento externo brasileiro dos anos 80, não se pode esquecer as contribuições para essa dívida oriundas do Governo Figueiredo que, pelo menos nos dois primeiros anos de gestão, colocou o pé no acelerador e fez pouco caso do segundo choque do petróleo. No apagar das luzes do seu mandato, Geisel encarregou Velloso de entregar a Figueiredo um documento elaborado pelo Planejamento, sugerindo que o Brasil só poderia voltar a crescer aceleradamente quando fosse capaz de mostrar significativos superávits na balança comercial. “Então, diz, Velloso, nos tínhamos consciência das limitações da situação em que nos encontrávamos. A economia estava crescendo à 5%; tínhamos reduzido substancialmente o déficit em conta corrente; tínhamos reduzido substancialmente o déficit da balança comercial; os programas todos estavam encaminhados e já estavam mostrando resultados, tanto que o coeficiente de importações já tinha diminuído substancialmente. Agora, havia limitações porque a dívida líquida era alta e a dívida bruta bem mais alta ainda, porque o nível de reserva era muito grande. Não se podia cogitar de acelerar o crescimento enquanto os programas já deflagrados pelo II PND não mostrassem seus resultados. Foi o que Simonsen tentou fazer no início do Governo Figueiredo... Mas vieram as novas opções estratégicas (de Delfim Netto que voltou ao Planejamento)”58 “que atropelaram tudo

No documento O governo Geisel, o II PND e os economistas (páginas 57-60)

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