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Capítulo 2: O terceiro turno: instabilidade política, ajuste fiscal e a divisão do capital

2.4. Conclusões parciais

A análise da atuação e do posicionamento político do capital financeiro ao longo deste período demonstra que houve uma divisão entre os seus segmentos acerca do posicionamento em relação ao governo, ao mesmo tempo em que existiu entre eles uma convergência em torno da demanda por uma guinada ortodoxa da política econômica, através de uma política fiscal contracionista e de uma política monetária restritiva.

Por um lado, os segmentos vinculados ao mercado de capitais e integrados ao capital estrangeiro, ou burguesia financeira associada, fizeram forte oposição ao governo de Dilma Rousseff, com críticas à estratégia de ajuste fiscal implementada e à disposição política do governo em levar adiante a sua execução e o seu aprofundamento, com a ampliação dos cortes em políticas sociais e com o encaminhamento de reformas fiscais de longo prazo, como a desvinculação dos gastos obrigatórios e a reforma da previdência. Ao longo do período analisado, os principais aspectos da política neodesenvolvimentista, particularmente da Nova Matriz Econômica, referentes ao padrão de intervenção do Estado na economia, foram apresentados como motivos da perda de credibilidade dos governos do PT. Ainda que estes agentes tenham aprovado a equipe econômica sob o comando de Joaquim Levy, a presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores foram considerados entraves para uma efetiva reorientação da política econômica, devido os seus compromissos com os segmentos produtivos da grande burguesia interna e com os movimentos populares.

Por outro lado, os grandes bancos comerciais nacionais, ou burguesia interna

bancária, apoiaram ativamente o governo ao longo deste período, respaldando a condução do

ajuste fiscal e se posicionando de maneira contrária ao movimento pró-impeachment no segundo semestre de 2015, diante do crescimento do movimento de massas e do enfraquecimento do governo no legislativo. A burguesia interna bancária logrou relevante capacidade de influência sobre o processo decisório estatal, com a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e com o atendimento de sua demanda pela reorientação da política econômica. Enquanto a burguesia financeira associada manteve uma postura

impaciente e crítica contra o governo, considerando o ajuste fiscal implementado como brando e aquém do necessário, a burguesia interna bancária atuou em prol da sustentação e da estabilidade política do governo, referendando a política econômica, que permitiu ao setor faturamentos recordes em um período de recessão econômica, devido a implementação de uma política monetária restritiva e a correção dos títulos públicos com a elevação expressiva da taxa básica de juros.

A principal forma de pressão pela guinada ortodoxa da política econômica, mobilizada pelo capital estrangeiro e pela burguesia financeira associada, ocorreu através da ameaça de corte do grau de investimento pelas agências de classificação de risco estrangeiras (Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch). A ameaça de fuga de capitais com o rebaixamento da nota soberana e a capacidade de redirecionamento do fluxo de investimentos externos permitiu constranger e chantagear o governo reeleito, que resistiu apenas seletivamente às pressões pela reorientação da política econômica, se opondo à estratégia de cortes agressivos em políticas sociais e investimentos, priorizando o contingenciamento de gastos discricionários e o aumento da arrecadação através da elevação de impostos. A avaliação e o posicionamento das agências de classificação de risco sobre a política econômica de uma formação social dependente, como a brasileira, constitui instrumento efetivo e eficaz de pressão do capital estrangeiro e de seus sócios internos, corroborando a ideia levantada por Minella (2003) e Bastos (2017) acerca da vinculação entre o controle do fluxo de capitais e o poder político do capital financeiro.

A ofensiva política da burguesia financeira associada e do capital estrangeiro evoluiu paulatinamente ao longo deste período. A pressão inicial pela reorientação ortodoxa da política econômica, através do ajuste fiscal e do aperto monetário, evoluiu ao longo do ano para um programa de aprofundamento do modelo econômico neoliberal, por meio da defesa das “reformas estruturais”. A radicalização no posicionamento político dos agentes ocorreu à medida que a correlação de forças se alterou de maneira desfavorável para o governo e passou a impactar a execução do ajuste fiscal no Congresso Nacional. A impaciência com a paralisia política levou a reclamações por medidas ainda mais contracionistas e liberalizantes, como desregulamentações, privatizações, abertura comercial, cortes em gastos discricionários, dentre outras, justificadas pela necessidade de contenção da deterioração da relação dívida/PIB e de aumento do fluxo de investimentos externos. O agravamento da crise política

na segunda metade do mês de julho de 2015 coincidiu com a mudança de qualidade na ofensiva política da burguesia financeira associada e do capital estrangeiro, que passou a assumir um caráter de ofensiva estratégica com a defesa do programa “reformista”, incluindo as reformas fiscais (reforma da previdência, desvinculação dos gastos obrigatórios, teto de gastos), a reforma trabalhista e a reforma tributária.

A adesão da burguesia financeira associada e do capital estrangeiro ao movimento pró-

impeachment ocorreu somente com o lançamento do programa Uma Ponte para o Futuro,

quando o vice-presidente Michel Temer apresentou o compromisso com o ajuste fiscal e com as reformas estruturais em uma eventual mudança de governo. Durante a maior parte do ano a burguesia financeira associada e o capital estrangeiro reagiram negativamente às manifestações pró-impeachment, por dificultarem a capacidade política do governo na execução das medidas do ajuste fiscal no Congresso. A adesão ao golpismo resultou da crise de representação com o PSDB, que vinha acumulando contradições com os seus interesses ao atuar pela sabotagem do ajuste fiscal no Congresso. Ademais, o PSDB se dividiu quanto à tática em relação ao segundo governo de Dilma Rousseff (impeachment presidencial, cassação da chapa no TSE ou o desgaste do governo até as eleições de 2018) e hesitou diante do crescimento do movimento pró-impeachment no segundo semestre. A crise de representação, a fragmentação e a hesitação do PSDB foram exploradas por Michel Temer e pela cúpula do PMDB com o lançamento do programa Uma Ponte para o Futuro. Este programa foi decisivo para credenciar o vice-presidente como alternativa segura e viável para um governo de transição ao neoliberalismo ortodoxo, granjeando, assim, o apoio e a representação da burguesia financeira associada e do capital estrangeiro.

Capítulo 3: A tramitação do impeachment: paralisia política, fortalecimento da frente