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Capítulo II- Pluralismo jurídico: um problema brasileiro

IV- Conclusões

Escolher o Pluralismo Jurídico como tema de nosso estudo exigiu muita dedicação, já que este tipo de discussão tem dificuldade de ser aceita pelo Direito Estatal, além da própria dos próprios questionamentos que o tema nos induz. Como diz Joaquim Falcão, as manifestações normativas não-estatais são compreendidas pelo monismo como sendo integrantes do sistema do Direito Estatal, mesmo que sejam ilegais ou pela fórmula do que o que não está proibido está permitido, desqualificando a relevância das manifestações pluralistas.178

Compreendemos esses posicionamentos pela história abusiva de decisões estatais anteriores. No âmbito penal, por exemplo, o princípio da legalidade conceituado como nula pena e crime, se não houver lei anterior que os definam, é símbolo de segurança. É um limite à atuação estatal. A lei é uma conquista da humanidade, como diz Amílton Bueno de Carvalho. Todavia, a lei estatal pode não ser o caminho mais adequado para a resolução de um conflito coletivo.

O paradigma monista fixou essa limitação ao poder Estatal, não reconhecendo as demais manifestações jurídicas que, por vezes, não conseguem solucionar problemas, aplicando um raciocínio dedutivo que pode agravá-los. A discussão que se coloca em

178 FALCÃO, Joaquim de Arruda. Justiça Social e Justiça Legal: conflitos de propriedade no Recife. IN:

conflito de direito de propriedade. Organizado por Joaquim de Arruda Falcão: invasões urbanas. Rio de Janeiro: Forense, 1984. P. P. 81.

relação ao direito à moradia não é a ausência de um Direito Estatal, mas a dificuldade desse acesso, situação aonde o monismo jurídico não tem conseguido resolver. Não estamos discutindo que não possuímos meios previstos na legislação do exercício do direito à moradia, não afirmamos que a nossa Constituição Federal vigente tem um texto que inibe a efetivação desse direito, mas que a presença de uma legislação organizada, evoluída e democrática não significa a viabilização de uma habitação digna, mas a interação entre as normas elaboradas pela sociedade e as do aparelho estatal podem encaminhá-la.

Como ficou demonstrado, o Pluralismo Jurídico esteve em todas as fases históricas da humanidade, mesmo naquelas em que o valor geral era o monismo. Todavia, percebemos que nem sempre a presença do paradigma pluralista significou uma relação mais igual entre os grupos sociais. Na Idade Média, em que foi um modelo dominante, havia uma relação de servidão, de hierarquia muito forte que desembocava em uma forma desigual e injusta de resolver os conflitos. Contudo, o ressurgimento do princípio monista com o Estado moderno não significou tantas mudanças nessas relações sociais. Se no feudo, a relação era servil, não era muito diferente no regime capitalista que se estabeleceu entre o operário e o dono da fábrica na Idade Moderna.

A supervalorização do Direito Estatal impõe o esquecimento das diferenças. A supervalorização dos direitos locais ocasiona a ausência de princípios gerais, mas através da relação entre normas locais e estatais os caminhos adequados têm grandes possibilidades de serem encontrados. Temos clareza que essa ligação é difícil. Por isso, tentamos estabelecer parâmetros para que as normas elaboradas extra-estatalmente pudessem ser reconhecidas como jurídicas ao discutirmos as efetividades formal e material.

O nosso objeto demonstrou que o Movimento Popular em análise está conseguindo viabilizar o direito à moradia, através de formas alternativas ao Direito Estatal. A ocupação pode ser questionada pela legislação estatal como forma de efetivação do direito à moradia utilizada por esse Movimento. O procedimento para adquirir os imóveis é requerer diretamente à CEF o financiamento para compra dos apartamentos, aceitando seus valores e condições, já que os contratos são de adesão. Todavia, através da ocupação, esses valores e exigências foram reduzidos. Essa flexibilidade do Direito Estatal se deu através da atuação de um Movimento Popular: as 168 famílias que ocuparam os prédios.

Sujeito coletivo, advindo de diversos estratos sociais, com os mais diversos objetivos políticos, sejam socialistas, seja fortalecendo o indivíduo dentro do capitalismo, integrante de uma prática política cotidiana com um certo grau de institucionalização, imbuído de princípios valorativos comuns e objetivando a realização da necessidade humana fundamental da moradia. Portanto, sujeito legítimo na concepção de Wolkmer da elaboração de normas jurídicas. Todavia, a ocupação é fortalecida através de outras normas e atitudes para viabilizar esse direito. A criação de normas comportamentais, de organização interna, a desobediência à reintegração de posse, a criação do fundo de moradia, as normas de instâncias de resolução de conflitos internos, todas têm o objetivo de fortalecer o caminho alternativo encontrado por esse Movimento Popular para viabilizar o direito à moradia: a ocupação.

Um dos segmentos do Poder Judiciário estudado não conseguiu perceber a importância de interação entre as normas extra-estatais e as estatais. A aplicação do Direito Estatal privado na resolução de conflitos coletivos, sem uma avaliação mais localizada do

problema, pode agravá-lo ainda mais. Resolver uma questão interna da ocupação que foi o julgamento sobre a devolução do fundo de moradia depositado por um dos ocupantes, sem perceber que essa norma interna tem um objetivo maior que é respaldar a forma alternativa de exercício do direito à moradia, pode inviabilizar o exercício desse direito, perpetuando os problemas sociais.

O Poder Judiciário, ao aplicar a extremidade do modelo monista, pode não estar resolvendo o problema, pode não estar aplicando a forma mais adequada. Contudo, podemos observar que o juiz titular do processo de reintegração de posse já percebeu a necessidade de flexibilizar o Direito Estatal, para que formas mais adequadas possam ser utilizadas para resolver esse conflito coletivo. A suspensão da liminar de reintegração de posse, aguardando o processo de negociação entre a CEF e os ocupantes, mostra que esse segmento do poder Judiciário percebeu a necessidade de busca de outras formas mais adequadas de resolução desse conflito coletivo. Portanto, este trabalho demonstrou como a sociedade pode encontrar formas alternativas de resolver o problema da moradia, interagindo-as com as previsões das legislações estatais.

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