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3 SOBRE LINGUAGEM E DEMOCRACIA

3.3 Conclusões Preliminares

A análise do problema da autocompreensão do cidadão e da sua atuação na esfera pública367 de uma perspectiva mais concreta foi proposta tendo em vista dois momentos linguísticos na comunicação: a recepção de informações (veiculadas pela mídia ou diferentes órgãos públicos diretamente) e a expressão linguística do cidadão (seja ao recorrer a algum órgão do Estado na busca por solucionar seu problema, seja ao manifestar suas opiniões na esfera pública).

Os dois aspectos se relacionam fortemente à educação e ao desenvolvimento de habilidades linguísticas básicas, como mencionado por Capella. Contudo, em ambos os casos, os possíveis problemas de comunicação podem ser reduzidos se o Estado tiver, de fato, consciência do fenômeno da variação linguística e de suas implicações práticas ao lidar com o cidadão, colocando em prática o conhecimento daí advindo.

Um dos primeiros desafios que se coloca é a questão do preconceito linguístico, já que a ideia de que nenhuma variedade linguística seria superior a outra na comunicação ainda é vista com ressalvas na sociedade. Contudo, esse problema sequer é reconhecido, como visto na seção anterior, o que torna suas consequências mais perversas uma vez que, ao não se reconhecer sua existência, nada se faz para solucioná-lo.

Ao se reconhecer o fenômeno da variação linguística, bem como a existência do preconceito linguístico368, o poder público poderá se esforçar por convergir na linguagem do cidadão, contribuindo para seu entendimento mais amplo das questões relevantes para a sua vida e para a sua participação na vida pública do país. Um exemplo de convergência na linguagem (escrita), no âmbito de atuação do poder judiciário, que se popularizou na internet

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BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Problemas de comunicação interdialetal. Revista Tempo Brasileiro, 78/79: 9-32. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro LTDA., 1984, p. 15.

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Lembra-se que, uma vez que o autonomia pública e autonomia privada se pressupõem, esta questão também influenciará a atuação do cidadão em sua esfera privada, o que se desenvolverá mais detidamente no próximo capítulo.

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92 há cerca de três anos ficou o he ido o o se te ça pa a a e ei o le 369, citada em diferentes sítios sobre ensino jurídico, aplicação do direito e humanização do judiciário.

A questão ganha mais relevância ao se pensar a Lei de Acesso à Informação que entrou em vigor recentemente, a qual estipula, e seu a tigo º ue É de e do Estado ga a ti o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão. 370 É de grande importância defi i o ue se o side ado i fo aç o f a ueada de fo a t a spa e te, la a e e li guage de f il o p ee s o . A atuação do Estado na interpretação desse dispositivo constitui um desafio que ganha em complexidade ao se pensar a heterogeneidade da população brasileira que deve ser contemplada igualmente na aplicação da lei. Dispositivo semelhante encontra-se no art. 8º, parágrafo 3º, inciso primeiro desta mesma lei.

A população deve ser bem orientada quanto à maneira de solicitar as informações de seu interesse. Al de u a li guage de f il o p ee s o , que pode ser entendida aqui como linguagem simples, objetiva, sem uso de adjetivações excessivas ou de termos técnicos, a não ser quando estritamente necessário (e acompanhados de sua explicação), a padronização dos procedimentos entre os órgãos públicos contribuiria para a realização do objetivo legal,371 evitando que o cidadão se perca entre procedimentos variados seguidos nos diversos órgãos.

Reafirma-se que os resultados ora apresentados constituem apenas uma primeira aproximação do problema, talvez um primeiro – e, de toda forma, muito pequeno – passo. Outros estudos devem ainda ser realizados, por meio de pesquisas empíricas que se utilizem de técnicas metodológicas adequadas à averiguação dos problemas delimitados a partir desta investigação.

Contudo, com base nos resultados aos quais aqui se chegou, acredita-se que a hipótese de que a linguagem jurídica é um fator (entre muitos outros) que dificulta a autocompreensão do sujeito de direito e limita sua possibilidade de atuação na esfera pública se sustenta. Se foi constatada a percepção da existência de problemas na comunicação entre o cidadão e o poder público no âmbito das ouvidorias públicas, órgão destinado precisamente a

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Disponível em:

<http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/4/docs/tjba_jec_vicio_aparelho_celular.pdf>, acesso em 25. jan. 2012.

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BRASIL. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.Diário oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 18 set 2011. (grifou-se)

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Nesse sentido: DAMATTA. Roberto (coord). Pesquisa Diagnóstico sobre Valores, Conhecimento e Cultura de

Acesso à Informação Pública no Poder Executivo Federal Brasileiro. 2011. Sumário executivo da pesquisa

Controladoria Geral da União. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/acessoainformacao/materiais- interesse/Apresentacao_Pesquisa_Cultura_Acesso_09-12-11-.pdf> acesso em 21. Jan. 2012.

93 promover a interação entre cidadão e Estado, a trazer a este as diversas manifestações da sociedade (sejam elas denúncias, sugestões, reclamações ou dúvidas), com mais razão podem- se supor as dificuldades na interação do sujeito de direito com outros órgãos públicos, que têm na interação com cidadão não o seu fim, mas um meio de trabalho, e quando mais termos técnicos estiverem envolvidos.

A inter-relação entre autonomia pública e autonomia privada também se evidencia no fato de que essa limitação à participação na construção da esfera pública se refletiria numa limitação na própria autonomia privada, já que o desconhecimento de direitos (subjetivos e fundamentais) afeta a maneira como a pessoa rege sua esfera jurídica: os projetos de vida que formula e os meios dos quais se vale para buscar a sua concretização – o que poderia se estender à busca pela realização de direitos fundamentais na esfera pública.

Tem-se, pois, no cotidiano social, uma restrição das autonomias pública e privada do cidadão, o que se reflete em maiores dificuldades na efetivação de direitos fundamentais e pode se constituir em ameaça à efetividade de um Estado de Direito, ameaça mais considerável quando este se pretende democrático. Não se acredita, contudo, que esta restrição das autonomias pública e privada e da consequente limitação da capacidade de ação dos sujeitos de direito em ambas as esferas seja uma fatalidade372. Os dados ora levantados e as informações relativas ao analfabetismo no país reforçam a já antiga hipótese a respeito da conexão entre educação e democracia.373

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 39. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009.

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DEWEY, John. Democracy and Education: an introduction to the philosophy of education. Nova York: Macmillan, 1916. E-book disponível em: http://www.gutenberg.org/ebooks/852.

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