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CONCLUSÕES SOBRE O DIA DO SENHOR DENTRO DO TERCEIRO

A segunda seção buscou-se focar o Dia do Senhor dentro do terceiro mandamento, para isto visitou-se a fonte bíblica e a Suma Teológica nas questões a ele pertinentes. Não passa despercebido que estas duas fontes bíblicas dão conotações diferentes no que se refere ao “dia de sábado”. O livro do Êxodo (20,8-11) enfatiza a “santificação do sábado”, como memória da criação, e o livro do Deuteronômio (5,12-14) o destaca, como memória da libertação da escravidão do Egito. São dois elementos diferentes a serem incorporados na teologia do Dia do Senhor, o Culto devido a Deus, como criador de todas as coisas e a libertação da escravidão.

63 Cf. THREEPWOOD, G. Teologia histórica e sistemática. In: LACOSTE, J-Y. Dicionário crítico de teologia,

p. 1558-1560.

O “repouso de Deus” é outro elemento teológico a ser acolhido. Deus se faz modelo para o agir humano. No “repouso de Deus”, se manifesta a gratuidade da vida, o descanso, a contemplação, o reconhecer-se dependente do criador, a confiança na bondade de Deus que tudo provê. Também, o “repouso de Deus” pode ser acolhido como indutor da libertação da escravidão do trabalho, da idolatria do dinheiro e da opressão do outro.

Em relação ao que pertence ao sétimo dia, Tomás lembra que nele completou-se a natureza. Na encarnação de Cristo, completou-se a graça, e, na consumação, completar-se-á a glória, fazendo o percurso da história da salvação até a Parusia. Pertence ao sétimo dia o “cessar das obras servis”, que levam à escravidão de um para com o outro, ou ao pecado, mas não o “cessar da obra” de servir ao Senhor. Cabe ao sétimo dia o cessar das obras, o repouso e a benção, pois dela se faz depender a obra da criação, o “crescei e multiplicai-vos” do Gênesis. A santificação nos é dada pelo “repousar em Deus no sétimo dia”, prestando-lhe o Culto.

No contexto do Decálogo, o terceiro mandamento se coloca dentro dos três mandamentos devidos a Deus: pela “obra”, “não terás deuses estrangeiros”, a fidelidade a um só Deus, o não fazer imagem e se prostrar ante outros deuses; pela “boca”, a reverência e a verdade divina, o não pronunciar em vão o nome do Senhor, haja vista que o seu nome é santo e intocável; e pelo “coração”, o Culto devido a Deus, pela obra da criação, libertação e repouso. É o reconhecer e tributar tudo ao Senhor.

É fundamental perceber que Tomás concebe os três preceitos, devidos a Deus, como um todo, ordenados em uma sequência (obra, boca e coração), para uma compreensão adequada da teologia do Dia do Senhor. No que concerne à violação do preceito do sábado, Tomás lembra que não viola o sábado quem faz a obra necessária à salvação humana e cita o exemplo bíblico dos Macabeus que defendem o seu povo da guerra e o de Jesus que, no dia de sábado, cura, ensina e permite a seus discípulos colher espigas de trigo, para saciar a fome. Jesus devolve ao sábado o seu verdadeiro sentido, lembrando que este é feito para o homem e não o homem, para o sábado (cf. Mc 2,27).

Na questão do sábado como preceito cerimonial, Tomás relembra que o sábado é preceito cerimonial, enquanto define um determinado dia para o Senhor, e é moral, quando ordena o homem ao Culto devido a Deus naquele tempo e, de forma figurativa, para Cristo. O Culto é reconhecimento a tudo o que o homem possui, como procedente de Deus, e ordena o homem ao fim último. O dia do Senhor não cessa como preceito cerimonial sabático, mas se

ordena de forma prefigurada a Cristo, no Culto devido, em benefício da nova criação, dada pela graça da Ressurreição. O Dia do Senhor, então, faz em memória ao dia de Cristo.

Outra questão abordada por Tomás é a relação entre a lei nova e antiga. A compreensão se estabelece com aquilo que é original e central no novo testamento, qual seja, a graça do Espírito Santo, que é dada pela fé em Jesus Cristo. Agostinho diz que: “a lei das obras foi escrita nas tábuas de pedra, e a lei da fé foi inscrita no coração dos fiéis”, portanto ela é infusa no homem pela graça e não só indica o que fazer como também ajuda a realizá-lo. Quanto à relação da lei antiga e nova, Tomás afirma que ambas procedem de um só Deus, por isto justificam-se, no entanto, de modo diferente. O Antigo Testamento tem promessas temporais e o Novo Testamento, promessas espirituais. As duas leis têm o mesmo fim, isto é, que os homens se sujeitem a um só e mesmo Deus.

Voltando ao questionamento do porquê de a lei nova não ter sido dada desde o princípio do mundo, confirmou-se que a graça do Espírito Santo só foi possível com a vinda de Cristo. A lei antiga foi preparatória para a chegada de Cristo, que veio trazer a graça do perdão do pecado.

Tomás compara a lei antiga com a nova em uma relação do imperfeito para o perfeito, fazendo menção ao que afirma Jesus: “não vim para revogar a Lei [...,] mas para lhe dar pleno cumprimento” (Mt.5,17). Partindo desta compreensão, o “guardar o dia de sábado” não só não é abolido, mas ainda, confirmado e ressignificado, do “imperfeito para o perfeito”, de um mesmo Deus que faz um caminho pedagógico com a humanidade, ao se revelar pela lei antiga, pelos profetas, chegando à plenitude da lei, pela graça de Cristo.

O Dia do Senhor faz memória não somente à primeira criação, mas também, à nova criação que se dá em Cristo pela Ressurreição, em que Paulo fala em “homem novo”. Faz memória da libertação da escravidão do Egito e igualmente do pecado, da libertação de todo o pecado para a graça, a salvação, a redenção de toda a humanidade em Cristo. É o dia da Ressurreição do Senhor. O Dia do Senhor, pela nova lei, não é só um “repouso no Senhor”, com também, prenúncio de plenitude, anúncio do repouso eterno, do domingo “sem ocaso”.

As primeiras comunidades cristãs, desde o tempo dos apóstolos, se reuniam semanalmente no domingo, para celebrar a memória da morte e Ressurreição do Senhor. Passou a ser o dia da escuta do “ensinamento dos apóstolos, da comunhão fraterna, bem como da fração do pão e das orações” (At 2,42). Já o domingo, como dia de repouso, “da folga” para os cristãos começa a ser assimilado lentamente a partir do decreto de Constantino. No

século VI, a Igreja assumiu o domingo como dia de “repouso obrigatório”. Como o trabalho é suspenso neste dia por lei civil, segundo Threepwood, o cristão pode e deve “ocupar-se de Deus”. Surge o elemento do “descanso”, do “repouso” a ser acolhido e ressignificado na teologia cristã, com o cuidado de não cair no legalismo farisaico da “lei do sábado”. Deve seguir a perspectiva de um dia dedicado para o serviço de Deus, para o culto, devido ao Senhor, para celebrar a Eucaristia, para o encontro dos discípulos com o Ressuscitado, a comunhão fraterna e a prática do mandamento do amor.

Tendo presente estas diferentes perspectivas teológicas que o Dia do Senhor nos oferece, cabe a pergunta sobre o que é central na teologia do Dia do Senhor em Tomás de Aquino. A seção seguinte buscará nos conduzir nesta direção, apontando para a centralidade do Culto e da Eucaristia no Dia do Senhor.

3 O DIA DO SENHOR NO CONTEXTO DA REFLEXÃO SOBRE O CULTO E A EUCARISTIA

Tomás, em seu pensamento teológico acerca do Dia do Senhor, nos leva a compreensão de que o Dia do Senhor é um dia reservado para o culto do homem, devido a Deus pela sua obra, grandeza e bondade. Não é Deus que dele necessita, entretanto é o homem que o deve a Deus em justiça. O Culto deve ser entendido como serviço prestado a Deus. Nesta perspectiva, W. Rordorf aponta o domingo, como dia do descanso e do

“Gottesdientstag” (dia do serviço a Deus). A partir de Jesus Cristo, ele passa a ser o dia da

Eucaristia, em que os cristãos se reúnem para fazer a memória da paixão, Morte e Ressurreição do Senhor. Reunir-se em comunidade, escutar a Palavra do Senhor e celebrar a sua presença na Eucaristia passa a ser uma necessidade intransponível para os seguidores de Cristo, primeiros os cristãos. Para isto, nos primórdios do Cristianismo, reuniam-se, de forma clandestina, nas casas, pois eram perseguidos pelo Império Romano.