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Hipótese 2 considerando que as alterações ocorridas nos critérios de classificação

6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Os dados analisados indicam que após dez anos da promulgação da "Lei dos Agrotóxicos", contrariando as expectativas geradas na ocasião, sua aplicação não trouxe alguns dos avanços esperados, notadamente no que se refere ao controle das ocorrências de intoxicações agudas e nos indicadores de periculosidade à saúde (classificação toxicológica) e ao ambiente (classificação de potencial de periculosidade ambiental) relacionados aos agrotóxicos registrados.

Segundo os dados com abrangência nacional disponíveis sobre o número de intoxicações agudas causadas por agrotóxicos, a aplicação da Lei parece não ter ocasionado interferência no sentido de refrear o crescimento de casos dos últimos 15 anos, o qual provavelmente foi impulsionado pelo expressivo aumento de vendas que ocorreu no período.

O crescimento praticamente contínuo no número de casos de intoxicações possivelmente associado ao aumento das vendas de agrotóxicos indica que é preciso conhecer melhor o que está sendo vendido, ou seja, identificar quais são as substâncias e os produtos mais comercializados, pois é provável que os de maior toxicidade estejam ganhando mercado em detrimento dos de menor periculosidade à saúde. Assim, se faz necessário definir mecanismos de restrição de comercialização e uso e de controle de fatores econômicos que influenciem o consumo de agrotóxicos de maior periculosidade.

O uso das classificações toxicológica e de potencial de periculosidade ambiental é recomendável para esse fim. Entretanto, no caso da classificação toxicológica a regulamentação da "Lei dos Agrotóxicos" prejudicou essa possibilidade pela mudança nos critérios de classificação determinada pela Portaria 3/92, que, sob a ótica da segurança e saúde no trabalho, teve um forte impacto negativo, por dois fatores principais:

1. pela reclassificação da maioria dos produtos que estavam registrados para classes de menor periculosidade à saúde, o que pode ter gerado confusão entre os usuários devido às mudanças das faixas coloridas de advertência dos rótulos, levando a comportamentos que podem ter implicado maiores riscos e maior incidência de intoxicações;

2. por diminuir a probabilidade de um produto ser enquadrado em classes de maior periculosidade à saúde e, portanto, de sofrer restrições de comercialização ou uso, prejudicando assim a capacidade de se empregar o critério da classificação como um meio mais abrangente de controle de riscos.

Tendo em vista que o emprego de agrotóxicos só deveria se dar sob condições bastante controladas, especialmente os de maior periculosidade, é preciso dar o devido valor à finalidade precípua das classificações toxicológica e ambiental, que é definir legalmente quais devem ser as implicações de ordem técnica, administrativa e econômica na recomendação, na comercialização e no uso, correspondentes a cada Classe Toxicológica e de Periculosidade Ambiental. Essa discussão e definição poderia se dar no nível federal, estadual e municipal.

A aplicação da Lei também não atendeu à expectativa de propiciar um conjunto de agrotóxicos registrados que fosse significativamente de menor impacto potencial à saúde (agravos agudos) e ao ambiente.

A permanência do registro de ingredientes ativos e de produtos comerciais de maior periculosidade, que já estavam registrados antes da Lei, e a entrada de registros desse mesmo tipo após a Lei, notadamente de produtos derivados de ingredientes ativos que já estavam registrados antes da Lei, mesmo em culturas para as quais já havia um grande número de produtos registrados, não permitiram, no período estudado, a formação de um conjunto expressivo de ingredientes ativos e de produtos comerciais de agrotóxicos com perfil toxicológico e ambiental de menor impacto. Isto mostra a necessidade de estabelecer mecanismos administrativos que priorizem e agilizem o registro de substâncias e produtos menos impactantes.

A revogação do procedimento de renovação periódica de registro (Decreto 991/93) e a não aplicação dos instrumentos legais que permitem apenas o registro de agrotóxicos de igual ou menor toxicidade para as mesmas finalidades (parágrafo 5o do artigo3° da Lei 7.802/89 e o artigo 14° do Decreto 98.816/90) podem ter sido determinantes nesses resultados. Re-estabelecer a reavaliação periódica obrigatória das substâncias e produtos registrados e regulamentar melhor os aspectos que proíbem o registro de produtos de maior periculosidade para o mesmo fim, visando uma aplicação eficaz dos mesmos, são recomendados.

Com relação à destinação dos agrotóxicos registrados, a legislação também parece não ter tido nenhum papel preponderante: ela não só não interferiu no crescimento das vendas, como não interferiu no fato do mercado continuar a ser o fator principal de definição da entrada de novos registros, pois as culturas de maior expressão econômica que já eram destinatárias dos maiores números de registros continuaram a sê-lo no período após a Lei e as culturas de menor expressão continuaram a receber menos registros ou até a não receber registro algum.

Isto mostra a necessidade de definir estratégias e mecanismos no processo de registro que permitam avaliar e ponderar a necessidade agronômica de novos registros para culturas que já dispõem de muitos registros, assim como para as culturas que dispõem de poucos ou nenhum registro, privilegiando substâncias e produtos comerciais de menor impacto e considerando também aspectos econômicos.

Por fim, é preciso ressaltar que todos os aspectos analisados e discutidos neste trabalho sofreram grandes limitações pela carência, fragilidade, desatualização, dispersão, desorganização, discrepância e pequena acessibilidade das informações técnicas necessárias para desenvolver estudos desta natureza, que, certamente, também devem prejudicar os próprios órgãos responsáveis, dificultando o necessário controle dos agrotóxicos. Embora seja possível reconhecer um esforço desses órgãos, em âmbito federal e, em alguns poucos casos, também no estadual, no sentido de resgatar, organizar e disponibilizar informações, ainda há muito por fazer para alcançar a agilidade e transparência atualmente exigidas pela sociedade. É preciso garantir as condições necessárias aos órgãos oficiais de controle para esse fim.

Apesar das dificuldades observadas, entendemos que análises de caráter geral sobre os agrotóxicos registrados, como as realizadas neste trabalho, são necessárias e deveriam ser realizadas com freqüência por entidades de pesquisa e pelos próprios órgãos de controle. Essa prática permitiria enfrentar a pressão econômica de flexibilização das exigências de caráter restritivo oferecendo subsídios para o aprimoramento da legislação e para o desenvolvimento de uma política de registro e de controle dessas substâncias que visasse atender aos anseios da sociedade por um maior controle dos agentes e condições que degradam a saúde e o ambiente na busca de melhor qualidade de vida.

7. REFERÊNCIAS

1. Agrotis. Sistema de Receituário Agronômico, [programa de computador]. Versão 4.0 . Curitiba: Agrotis; atualização Fev./2000.

2. Alves Filho JP. Receituário agronômico: a construção de um instrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvérsia. São Paulo; 2000. [Dissertação de mestrado - Programa de pós-graduação em ciência ambiental - PROCAM - USP].

3. Alves HT. Legislação Básica e controle dos defensivos agrícolas no Brasil. In: ABE AS. Os defensivos agrícolas, utilização, toxicologia e legislação

específica, módulo 6 - legislação e normas. Brasília: ABEAS; 1983. (anexo 7).

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