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A condição de vida indígena ribeirinha

Na Rua dos Caboclos na Velha Petrolândia, moravam todas as famílias entrevistadas. Os índios daquela rua eram conhecidos como “caboclos do Brejo”109.

Essas famílias haviam saído das aldeias em meados da década de 1970 em um período de uma grande fome, como conta Faustina:

Nós saimo de lá, porque, Zé! nós ia ivê água na cachoeira pra beber lá no Saco do Romão. Lá a gente subia e descia as pedra para ivê água. Era pequena Neuza, mas já subia, levava as garrafinha. Zé nasceu lá. Aí nós se desgostemos de lá. Que lá era aperreio! Nós comeu quixiba. Maipuera de purnunça. Quando era tempo de seca a

109 Como afirmou Silva (2016), A sobrevivência humana nessa região do Semiárido pernambucano está

intimamente relacionada a alguns poucos rios perenes que nascem nas serras, bem como aos chamados “brejos de altitudes”, espaços de clima ameno nos quais uma elevada densidade populacional coexiste com as atividades agrícolas e a pecuária. A região montanhosa favoreceu a formação desses brejos constituídos de espaços subsumidos (manchas ou bolsões) diante da aridez acentuada do clima predominante. (SILVA, 2016)

gente não podia, nós comia bejuzinho de caco, feijão, no andu, era tanto andu furado, chega era fofo, mas era bom. A carne da gente era tripa, era fato, quaêra, mocotó, língua de boi, fato de bode, cebo, era a carne da gente. Não podia comprar. Roupa era difícil. Mãe comprava saco de pano de massa do rei. Aí ela mandava fazer a roupa e botava tinta. Roupa assim, a gente só tinha o cós. Era remendo. Eu tinha dó deles. [o esposo] Plantava mandioca, feijão, o povo vivia de roça, era a valença (Faustina Juazeiro, hoje moradora da cidade Nova Petrolândia, 14 de julho de 2019, informação verbal).

As famílias Pankararu construíram ranchos e casas de taipa na margem do São Francisco, região norte do município da Velha Petrolândia. As famílias tiravam sustento dos recursos do rio, de pequenos roçados nas ilhas e na cachoeira do rio, além dos vínculos dos empregos agrícolas na região. Os homens e mulheres indígenas, além de trabalharem como empregados agrícolas temporários, também trabalhavam com o plantio de grãos e hortaliças para consumo próprio. Naquele momento, alguns filhos do casal da família Juazeiro ainda eram crianças, outros jovens, poucos adultos. Cerca de 4 desses adultos, já viviam com suas famílias em residências separadas. Na casa de Juazeiro, também viva a mãe e mais alguns parentes que vinham para a cidade em busca de emprego.

Os grupos da família Pinheira também viviam na margem do rio na década de 1970. Faz parte do grupo de parentesco de 4 irmãos de Faustina (Juazeiro), dois já falecidos. Viviam em uma parte da zona rural da cidade chamada de “Barreiras”. Neuza Mª, da família Pinheira, relata que no momento que foram morar na beira do rio não tinha notícia de barragem. A família Pinheira com seus 10 filhos, dentre eles, 4 adultos já casados, moravam em residências separadas. As famílias dos filhos de Neuza Maria, compõem o grupo os/as Indígenas Pankararu das famílias indenizadas e passaram a fazer parte dos Projetos de Reassentamento “involuntário” da Chesf (residentes na agrovila do Projeto de Assentamento - PA Bloco 1).

Também residiam na Rua dos Caboclos outras famílias Pankararu de outros grupos familiares sem vínculos diretos com as famílias participantes. Desses, 6 indígenas mais velhos desses grupos já falecidos na ocasião da pesquisa.

Faustina relata que na condição de ribeirinha, antes da construção da Barragem, tinham acesso a um pedacinho de terra perto de uma cachoeira onde plantavam milho e feijão e uma de suas maiores tristezas foi partir da margem do rio no período das remoções compulsórias (em 1987) sem poder esperar o milho ficar maduro, tirando-o verdinho.

Quando foi pra nós saí de lá ele quebrou o míio, lá na cachoeira! Que tinha uma cachoeira que ele [Raimundo] plantava. Ai o míio ainda mole criou tudo gurguio, bicho, braboleta porque foi quebrado maduro. Agora nós comemo muito feijão, mas o míio... [choro de tristeza]. (Faustina, Família Juazeiro Pankararu, moradora da cidade, 14 de julho de 2019, informação verbal)

Uma parte de seus filhos adolescentes e os adultos cultivavam legumes, tubérculos como batata, e macaxeira em pequenas ilhas do rio, onde também pegavam pássaros e peixes para completar a alimentação da família.

As famílias que viviam na Rua dos Caboclos, na Petrolândia Velha encontravam-se em moradias próximas umas das outras, agregando o máximo de parentes no mesmo território para garantir apoio, acolhimento nos momentos de dificuldade.

As famílias Pankararu ribeirinhas usufruíam da água do rio para a produção de hortaliças, grãos, legumes; para o banho, serviços domésticos, e para a mais importante serventia: a pesca de peixes como tilápias, surubins e corvinas, entre tantos outros peixes que nos alimentavam. Entre as memórias mais vivas relatadas pelas famílias, os banhos de rio, a fileira de mulheres e crianças espalhadas nas pedras das margens do rio São Francisco nos dias da lavagem de roupas com as mães. Lá, as crianças passavam o dia, brincando, cozinhando e trabalhando.

O lugar onde residiam os Pankararu na velha cidade era conhecido como a “Rua dos Caboclos” por residirem ali, exclusivamente, famílias indígenas. Lá, as famílias viviam em ranchos e casas de taipa, em casas de alvenaria alugadas, ou cedidas. Trabalhavam em olarias, plantavam milho, hortaliças, confeccionavam bolsas, chapéus e vassouras de palhas de ouricuri.