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2.3 Teoria de grafos aplicada à neurociência

2.3.2 Conectividade funcional

Os resultados obtidos da análise da conectividade cortical estrutural levaram ao questionamento sobre a possibilidade de que os padrões que dão origem à propriedade mundo pequeno nestas redes possam determinar ou influenciar os padrões de conectividade funcional.

Stephan et al. [93] estudaram conjuntos de dados de diversos artigos da literatura de conectividade funcional, obtendo a primeira prova da existência da propriedade mundo pequeno em redes desse tipo [91].

Em [4], Achard et al., tais propriedades foram novamente observadas em redes corticais determinadas por meio de padrões de conectividade funcionais, como ilustrado na Figura 2.13. Este trabalho estende a análise dessa classe de

Figura 2.13: A rede obtida a partir de dados de conectividade funcional de 90 regiões do córtex humano.

redes, levando em consideração outras características topológicas fundamentais, em especial a distribuição de graus. O ajuste da curva da distribuição de graus empírica foi realizado para três distribuições de probabilidade conhecidas: uma lei de potências, P(k) ∝ k−τ; uma exponencial, P(k) ∝ e−τk; e uma lei de potências truncada por uma exponencial, P(k) = kτ−1ek/kc. O melhor ajuste foi obtido para a

última, onde estimou-se um expoente τ = 1,8 para a lei de potências, com grau de corte kc = 5. Achard et al. argumentam que esta distribuição é justificada

pelas restrições físicas de crescimento da rede, o que tornaria o surgimento de vértices com grau extremamente elevado, como previsto por uma lei de potências, improvável. A mesma distribuição está presente em outras redes reais, como a rede neuronal do nemátodo C. elegans [102], a rede de atores de Hollywood, a rede de energia elétrica do oeste dos EUA e a rede de aeroportos americana [5, 94]. Da mesma forma como a atores de Hollywood envelhecem e deixam de fazer filmes, os custos de interligação em uma rede elétrica ou neuronal podem tornar- se proibitivos, e o efeito de escalonar voos para aeroportos já congestionados pode gerar situações caóticas, é argumentado que limitações físicas semelhantes, como envelhecimento ou custo de interligação podem restringir a formação da rede e levar à distribuição de graus apresentada neste estudo.

O primeiro trabalho a reportar uma distribuição de graus que segue uma lei de potências em uma rede cortical funcional foi publicado por Eguíluz et al. [35]. Nesta publicação, redes funcionais são extraídas por meio do procedimento de ressonância magnética funcional (fMRI – functional magnetic resonance imaging) em seres humanos. A atividade cerebral é então medida em voxels (pequenas unidades de volume), e utilizada para determinar a conectividade da rede; dois voxels são considerados funcionalmente conectados se sua correlação temporal

ultrapassar um determinado valor de limiar. Neste trabalho, são construídos gra- fos com número de vértices da ordem de 10 000. Trata-se portanto de uma escala diferenciada com relação aos trabalhos anteriormente mencionados, e possivel- mente mais adequada para análises probabilísticas, comuns na análise de grafos aleatórios. Eguíluz et al. encontraram uma distribuição de graus que segue uma lei de potências com expoente τ = 2 para esta rede. As redes estudadas apresen- taram também a propriedade mundo pequeno. Além disso, foi observada nesse estudo uma propriedade incomum em redes biológicas, mas comum em redes sociais, a correlação positiva entre graus de vértices vizinhos, indicando que a rede é assortativa, ou seja, que vértices com graus elevados tendem a conectar-se a outros vértices cuja conectividade também é alta.

Recentemente, van den Heuvel et al. [99] realizaram um estudo semelhante ao de Eguíluz et al, analisando redes funcionais no nível de resolução de voxels, geradas a partir do procedimento de fMRI. Assim como em [35], o uso desta resolução na geração das redes funcionais evita a subdivisão arbitrária do cérebro em regiões macroscópicas, e portanto leva em consideração a conectividade inter- regional e as interações funcionais entre subconjuntos dessas regiões, ignoradas nas análises de grande escala. Grafos com número de vértices da ordem de 10 000 foram gerados a partir de pessoas em estado de repouso. Assim como os demais trabalhos que investigaram as propriedades da conectividade neuronal no que diz respeito aos conceitos da teoria de grafos, van den Heuvel et al. calcularam a distância média entre vértices e o coeficiente de agrupamento dessas redes, observando a presença da propriedade mundo pequeno. A análise da distribuição de graus destes grafos indicou que esta segue uma lei de potências com expoente próximo a 2. A inspeção visual das distribuições apresentadas na Figura 2.14 parece indicar que a curva de melhor ajuste possui expoente 1,8.

Em geral, podemos concluir que embora, por limitações tecnológicas, não exista ainda um mapeamento completo do cérebro humano, muito pode ser apren- dido com o estudo das rede neuronais disponíveis atualmente. A concordância entre as conclusões de diversos trabalhos no que diz respeito às características das redes, em especial à propriedade mundo pequeno, observada tanto estrutural quanto funcionalmente, sugerem correlações positivas entre as duas classes de conectividade [43], e indicam que estes resultados podem ser utilizados como degraus fundamentais na formulação de modelos capazes de reproduzir caracte- rísticas essenciais do funcionamento cerebral.

Revisões recentes sobre diversos trabalhos integrando a neurociência com análises provenientes da teoria de grafos podem ser encontrados em [76, 91], e nos capítulos apropriados de [23], [70] e [21].

Figura 2.14: Distribuição de graus das redes obtidas em [99] para diferentes níveis do limiar de correlação temporal entre voxels T. O expoente da lei de potências é dado aqui por y.

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