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CONEXÕES PARA DANÇAR E ENSINAR DANÇA

Memória Rasa

Ver de longe cada vez mais perto Distante, a memória se faz plena Terna e tranquila esquece o tempo Acolhe-se no agora Não prevê, somente sente Não aguarda novo despertar Não conta cronologias Apenas se faz presente Como quem sente a si mesma Como quem lembra sem pressa

P

assada uma cronologia do tempo, resta a memória, onde o tempo que passou se torna presente. Às vezes tênue, mas sincera, essa presença concretiza uma sensação de quem transvê o tempo do relógio, leve e tranquila rumina a vida, uma temporalidade que gera novas maneiras de sentir o mundo e pode mobilizar novos pensamentos, novos gestos e novas compreensões da existência. A memória e a presença, neste texto, colocam-se ambivalentemente, como ato de produzir a escrita e como conteúdo desta, mas também permitem um conjunto de sensações inexplicáveis pelas palavras, que fazem colocar em dúvida a potência estética do texto acadêmico frente à arte. Daí a necessidade de iniciar o texto com uma forma de expressão que se aproxime mais da dança, a exemplo da poesia “Memória Rasa”, criada, assim como tantas outras, ainda sob o efeito prolongado de uma tarde de dança.

Nas linhas que se seguem, mais distantes da poesia, mas sem perdê-la de vista, retomo experiências e reflexões advindas

de duas pesquisas realizadas no âmbito do Grupo de Pesquisa Corpo, Dança e Processos de Criação CIRANDAR. A primeira tem o foco na memória1 e a segunda na presença2. Em ambas,

está presente a relação com a arte e a educação, territórios comunicantes, e por vezes híbridos, nos quais tenho encontrado alento para inquietações pessoais que acabam por se transformar em pesquisas acadêmicas. Embora me detenha no texto às reflexões advindas das duas pesquisas, me atenho às experiências vividas na primeira e a algumas reflexões que dela decorreram para pensar a pesquisa subsequente focada na presença. Tanto a memória quanto a presença se justificam como conceitos e como vivências, por dois motivos que se complementam. O primeiro deles é que venho de uma trajetória de pesquisa cuja abordagem fenomenológica me dá a oportunidade de considerar minha própria experiência como conhecimento, como lugar da percepção de onde emerge a articulação com conhecimentos diversos (PORPINO, 2006; MERLEAU-PONTY, 1994). O outro motivo é a minha compreensão de que a pesquisa no âmbito das Artes Cênicas se enriquece e se mistura com a experiência de ser artista, da sua possibilidade de tocar o mundo e ser tocado com sua própria arte, experiência da qual são geradas possibilidades

1 Refiro-me à pesquisa Dança, corpo e memória: territórios convergentes, realizada de 2009 a 2012, com o objetivo de investigar as relações entre corpo, dança e memória no contexto da experiência de bailarinos e as implicações dessas relações para o ensino da dança.

2 Refiro-me à pesquisa Dança, Corpo e Presença: articulações entre a arte e a docência, iniciada em 2013, com o objetivo de investigar as relações entre corpo, dança e presença, tendo como foco a articulação entre as experiências artísticas e a experiência docente com práticas de sensibilização corporal atreladas à dança, dentre elas o Tai Chi Chuan, a meditação etc.

diversas de produção de conhecimento, tais como podem ser descritas em obras de Telles (2012), Isaacsson (2013), Carreira et al. (2006).

Neste texto, refiro-me em particular ao artista da dança que realiza sua arte em espaços diversos, sendo o palco e a sala de aula dois espaços de excelência para a discussão sobre as conexões entre a arte e a educação. Considero que nesses espaços a cena da dança é capaz de se realizar, como conexão entre o corpo e seu entorno. Essa conexão é prenhe de sentidos, os quais movem a vida de quem dança e também movem a atividade de pesquisa artística e acadêmica.

Ressalto, aqui, a minha compreensão de que fazer pesquisa não é simplesmente uma organização de estratégias para responder a certos fins, mas uma ação existencial que envolve o pesquisador em campos férteis de conhecimentos ainda em gestação, em trajetos que só podem ser delineados enquanto percorridos e em possibilidades diversas de questionar a própria existência e os modos recorrentes de pensar (MERLEAU-PONTY, 1994).

Nas discussões apresentadas neste artigo, mesclam-se conceitos e narrativas de experiências como forma de fazer jus ao modo de pesquisar citado. Os contextos dizem respeito a minha atuação em laboratórios de criação em dança, em disciplinas da graduação e em grupos de dança, espaços da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), nos quais busco respostas para as minhas questões de pesquisa. Nesses territórios do dançar mesclam-se também experiências diversas, as minhas próprias, as de meus alunos e de colegas professores.

Contextos da memória e da presença como dança

Durante o período de 2009 a 2012, debrucei-me a pensar a relação entre dança, corpo e memória em vários contextos do dançar, dentre eles a sala de aula, o palco e as produções acadêmicas no contexto das Artes Cênicas. A primeira dessas experiências se deu na Gaya Dança Contemporânea3. Realizamos

um trabalho de criação que partiu das memórias pessoais advindas da manipulação de objetos de memória, ou seja, objetos que se tornaram significativos no trajeto de vida dos bailarinos. A partir deles, vivenciamos o espaço circundante como algo que podia ser explorado a partir de novas perspectivas e funções. Assim, tomamos a memória como via de significação da dança, e para mobilizar os processos criativos, queríamos investigar como se dava a experiência estética através do acesso às recordações, uma memória que poderia ser gerada no contato com objetos pessoais. Questionamos: O que fazemos com esses objetos? O que eles significam? Como a lembrança e o manuseio de tais objetos podem se transformar em gestos de dança?

A tentativa de resposta a essas questões nos fez perceber que guardávamos os objetos significativos para eternizar provisoriamente alguns momentos os quais não queríamos esquecer. No entanto, esses objetos, ou a relação que estabelecemos com eles, estariam sempre em nós e se atualizariam constantemente no nosso modo de ser. Essas relações se refaziam

3 Trata-se de uma ação extensionista da UFRN, projeto permanente de arte e cultura vinculado ao Departamento de Artes. A Gaya Dança Contemporânea foi criada em 1990, pelo Prof. Edson Claro, e atualmente é dirigida pela Profa. Larissa Kelly de Oliveira Marques.

a cada instante, nos chamando a novas aventuras do movimento. Tivemos, assim, como ponto de partida para a criação em dança, o ato de explorar objetos guardados como lembrança de nós mesmos. Como trajeto metodológico do processo criativo coreográfico, realizamos inicialmente um inventário dos objetos significativos, por bailarino, e após a socialização dos inventários escolhemos alguns para o trabalho. Para a exploração dos objetos e criação das partituras coreográficas, tomamos como base a resposta gestual a questões geradoras, como também a repetição desses gestos, estratégias utilizadas tendo como referência o trabalho da Dança Teatro de Pina Bauch (FERNANDES, 2000). Outra referência importante no trabalho foi a improvisação a partir das referências de Laban (1978) como meio de explorar o movimento na relação com os objetos escolhidos. Anterior ao manuseio dos objetos para a criação coreográfica, também experimentamos a técnica do Tai Chi Chuan para a sensibilização dos bailarinos. Essa experiência foi muito significativa para a descoberta de estados corporais ainda não experimentados e necessários ao trabalho coletivo de criação cênica.

Figura 1: “As coisas em mim”. Julia Vazquez

Fonte: Marcela Rosseline

Como base para a organização da dramaturgia, após várias partituras coreográficas criadas e registradas em vídeo, discutimos uma ideia explorada por Maciel (2004), a de que muitos artistas se empenhavam em descrever verdadeiras taxionomias que se fundavam no ato de catalogar memórias, objetos, momentos de vida.

No Brasil, segundo a autora, Artur Bispo do Rosário pode ser citado como um dos que integra essa lista de artistas que primam por uma catalogação criativa de seu mundo, por uma memória que pode ser colecionada. Dos inúmeros objetos recolhidos da Colônia Juliano Moreira, onde viveu parte de sua vida, Bispo produziu sua obra intermitente durante longos sete anos. Objetos

diversos foram recolhidos, agrupados e destituídos de seu valor funcional para dizerem mais de seus novos contextos e de suas promessas estéticas. Os objetos foram renomeados, ganharam status de uma vida que precisava ser lembrada e de um modo de ser que o próprio corpo escondia de si mesmo.

Tomamos a figura emblemática de Artur Bispo do Rosário em seu gesto de colecionar objetos para inaugurar novos sentidos, como mote para a produção do espetáculo de dança As coisas em mim. Tomamos uma memória das coisas em nós para adentrarmos em um mundo de sentidos a serem transmutados em gestos para dança. Portanto, não era a estética das obras do autor que estava em jogo no trabalho da Gaya, mas seu gesto de juntar objetos, colecionar uma memória das coisas e assim produzir arte.

Lembramos também uma “memória da pele”, a exemplo da música de João Bosco e Wally Salomão, na qual o paradoxo entre esquecimento e lembrança traz à tona um registro no corpo. Esses registros de memória fundam uma infinidade de sentidos existenciais, que são o alicerce da arte. Le Breton (2009), antropólogo francês, ao esboçar uma antropologia do corpo em cena, comenta sobre uma “memória afetiva, matéria-prima dos processos de criação nas Artes Cênicas capaz de engajar o ator em experiências enraizadas, cujas implicações podem ser percebidas na relação paradoxal entre o ator e seu personagem. A “memória afetiva” é capaz de suscitar a criação de “identidades provisórias” que, paradoxalmente, se confundem e se distinguem do próprio ator.

Compreendemos nessa experiência, vivida na Gaya, o sentido de transubstanciação entre o corpo e o mundo citado por Chaui (2002), ao reportar-se à obra de Merleau-Ponty, somente possível porque o corpo é um “vidente visível” para si mesmo, é capaz de ver a si próprio quando vê as coisas do mundo; é um “tátil tocante”, é capaz de se tocar quando toca as coisas; é um móvel movente, é capaz de mover as coisas movendo-se a si próprio. Retomando a experiência de As coisas em mim, poderíamos dizer que quando o bailarino lembra, toca, manuseia e reconfigura os objetos da memória, é a si mesmo que está lembrando, tocando, manuseando e reconfigurando. Assim, o dançar metamorfoseia o tempo e os objetos, torna duráveis os instantes a partir da invenção de novos formatos gestuais e afetivos.

Figura 2: “As coisas em mim”. Leila Bezerra

Sob o olhar da Fenomenologia, compreendemos tal processo como palco de significações e interpretações abertas e inacabadas. Ao compartilharmos as experiências de criação de As coisas em mim com os bailarinos, consideramos que éramos portadores de uma intencionalidade com a qual reconhecíamos e nos relacionávamos com o mundo. Segundo Merleau-Ponty (1994), é na relação com o mundo vivido que os sentidos da experiência se originam e se multiplicam. Assim, o artista é capaz de captar um mundo a ser reaberto a partir dos objetos que o tempo eterniza ou esquece. Sem que o presente seja abandonado, o passado retorna como espaço de vida possível e projeta mundos ainda por vir. Nesse contexto, faz sentido a expressão empreendida por Merleau-Ponty (2002): “historicidade de vida”. Conforme esse autor:

[...] é o interesse que nos liga ao que não é nós, a vida que o passado, por sua prova continua, encontra em nós e nos traz, é, sobretudo a vida que ele continua a levar em cada criador que reanima, relança e retoma em cada quadro o empreendimento inteiro do passado (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 99).

O ato de lembrar nossa relação com os objetos que podem ser inventariados por nossa memória já é em si criação, compartilhamento de sentidos coletivos em nós. Lembrar das coisas que apreciamos ou que marcaram momentos, é lembrar de nós mesmos, de nossa relação indissociável com o mundo. Questionamos, no processo de As coisas em mim, como a percepção dessa relação podia se transformar em dança, abrindo

caixas de cartas e amuletos, desenhando no espaço o som de alguns objetos, buscando o contato com os objetos de desejo da infância, manuseando os objetos de beleza e higiene, experimentando texturas e os espaços cujos objetos ocupavam. Ações vividas e compartilhadas por tantas outras pessoas, mas que na Gaya tornaram-se gatilho para a produção de novas configurações gestuais para a dança.

A intenção era dançar o que emergia das coleções e objetos de memória, para poder dizer de uma dança que só podia ser pensada a partir de uma vida e de uma vida que encontrava a sua conexão com o mundo das coisas no ato de dançar. Desígnio do corpo, estar atado ao mundo. Desígnio da dança, estar atada ao corpo. Na experiência da Gaya, pensamos a dança como uma das formas de percepção possível desse corpo e desse mundo a partir do movimento gerado pelos objetos. Recorremos à compreensão de recordação em Merleau-Ponty (1994), como experiência perceptiva e não como anterior à percepção. O apelo à memória não é pré-requisito para a percepção, afirma o filósofo, mas emerge desta (PORPINO, 2006). Somente no ato de perceber é encontrado o sentido a partir do qual relembramos nossas experiências passadas.

Perceber não é experimentar um sem-número de impressões que trariam consigo recordações capazes de completá-las, é ver jorrar de uma constelação de dados um sentido imanente sem o qual nenhum apelo às recordações seria possível (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 48).

Figura 3: “As coisas em mim”. Alexandre Américo e Jéssica Boaventura

Fonte: Marcela Rosseline

Figura 4: “As coisas em Mim”. Josie Pessoa e Nadja Pimentel

Tomamos, portanto, o corpo como território biocultural de memória, que é constantemente atualizado pela dança e ao mesmo tempo a possibilita. Assim, compreendemos a evocação da memória como experiência estética que pode ser tomada como via de mão dupla entre o corpo e a dança. Como já discutimos anteriormente, dançando é possível retomar o passado, criar o presente e projetar mundos simultaneamente (PORPINO, 2006).

Compreendemos que o estudo das relações entre corpo, dança e memória, na perspectiva dessas experiências, pode contribuir para as reflexões no campo da Arte e da Educação. No primeiro, porque essas relações podem ser pensadas como alicerce dos processos de criação em dança. Na segunda, porque é possível pensar tais processos como educativos, uma vez que a dimensão estética neles presente envolve o sujeito em uma ação reflexiva e criativa, questionadora de realidades vividas e propulsoras de novas produções. Em ambos os casos, a dimensão sensível da experiência é condição primeira para compreender a relação de simbiose entre o conhecimento, o conhecedor e do conhecido (MERLEAU-PONTY, 1994).

O trabalho semelhante ao desenvolvido na Gaya Dança Contemporânea também foi vivenciado posteriormente, em 2011 e 2012, no Laboratório de Teatro e Dança4, do qual fiz

parte junto às duas últimas professoras do Departamento de Artes da UFRN5. Nessa oportunidade, pude viver na própria

4 Trata-se de um projeto de extensão, coordenado pela Profa. Dra. Nara Salles.

5 Refiro-me a Larissa Kelly de Oliveira Marques Tibúrcio, Nara Graça Salles e Teodora de Araújo Alves, professoras do Departamento de Artes da UFRN, além da artista Leila Bezerra, à época aluna do Curso de Dança da UFRN.

pele os processos de criação em dança a partir da manipulação de objetos de memória. O acesso à memória como estratégia para criação em dança contribuiu significativamente para que eu mesma pudesse compreender e ampliar minhas possibilidades de expressão artística para além das formas estéticas já conhecidas. Essa situação também apontou para o reconhecimento do corpo que dançava como fenômeno que nem sempre queria ser controlado ou modelado por um movimento idealizado, dada a sua necessidade expressiva premente de experimentar outras estéticas e primar por um discurso gestual honesto e potente. Nessa perspectiva, tornou-se esclarecedora a ideia disseminada por Pina Bausch, em vida, quando buscava saber o que movia seus bailarinos e não como se moviam, embora possamos refletir, hoje, sobre a importância também de buscar saber como nos movemos para compreendermos o que nos move. As duas situações não estão desconectadas.

O trabalho com objetos pessoais, os relatos de experiências da infância e outras estratégias, permitiram ricas possibilidades de composição coreográfica e forneceram pistas para a criação de uma dança capaz de expressar o corpo como poética, tal qual discorre Louppe (2012). Recorremos novamente à afirmação de Merleau-Ponty de que a recordação é uma experiência perceptiva, não se dá anterior a ela. Assim, o acesso à memória pessoal pode ser pensado como recurso para a criação em dança, embora possamos entender também que na experiência do dançar o acesso à memória acontece mesmo quando não intencionamos fazê-lo, e pode se dar a cada momento presente no qual o movimento é

realizado como revisitação do que passou. No entanto, o recurso à recordação daquele que vai executar a dança pode ser pensado como fomento a um estado sensível do corpo que não se dá necessariamente a partir do aprendizado de um movimento já pronto, ensinado pelo coreógrafo. Vale acrescentar que nesse contexto cabe uma compreensão de dança que não se restringe ao aprendizado ou a um padrão estético de execução de um código prefixado, mas à descoberta de uma poética própria do bailarino, a partir da qual o mesmo pode ganhar autonomia para a produção de outros trabalhos de sua autoria, assim como para a geração de uma produção artística aberta e atenta a infindáveis referências estéticas (POUPPE, 2012).

A questão da autonomia do bailarino nos processos de criação também foi um ponto destacado na discussão com alunos das disciplinas Pedagogia do Corpo e Tópicos Especiais em Dança6, nas quais foram vivenciadas em aula experiências

com os objetos de memória. A produção da dança a partir desses elementos provocou nos alunos a discussão sobre uma posição não hierárquica dentro do processo de elaboração coreográfica. O coreógrafo ou o professor de dança passava a ser um propositor, e o trabalho só era possível a partir da coautoria. Esse processo foi percebido como gerador de reflexões não vivenciadas em trabalhos prescritivos, nos quais o bailarino somente segue as orientações do coreógrafo, mas não propõe. A referência da memória como ferramenta da criação em dança foi discutida nesse contexto como

6 Disciplinas ofertadas pelo Curso de Dança da UFRN nos semestres de 2013.1 e 2014.1, respectivamente.

oportunidade do discente ser propositor de seu próprio processo de criação em dança, considerando o redimensionamento de suas experiências com a dança. Nesse caso, não há como prever uma estética anterior ao início e finalização do processo de produção coreográfica, ela é imprevisível e somente toma forma a partir das referências que são recrutadas ao passo que coreografia vai sendo produzida. Portanto, nesse caso, no que se refere à formação do bailarino e ao ensino da dança, não cabe somente pensar na produção de um corpo para uma determinada dança, mas em como cada corpo pode produzir uma poética (LOUPPE, 2012).

Outro ponto a destacar, advindo das experiências citadas, é que os objetos inicialmente escolhidos pelas lembranças pessoais permitiram o desencadear de estados sensíveis do corpo que transitavam entre o voluntário e o involuntário e, por vezes, dizia respeito a situações as quais não tínhamos controle ou explicação. Nesse caso, o uso dos objetos, portanto, passou a estar ligado muito mais à abertura do bailarino para esse estado de receptividade corporal do que simplesmente para o desencadear de lembranças pessoais. Encontramos em Suquet (2008) uma discussão muito próxima dessas experiências. Ao se reportar ao trabalho de Rudolf Laban, a autora comenta sobre uma forma de abordar a improvisação que parte mais do esquecimento das formas de movimento adquiridas do que de suas lembranças. Trata-se de despertar um estado de receptividade do corpo para fluxos sensoriais, certa “embriaguez cinestésica” que permite a criação de novas possibilidades de movimento a partir de registros motrizes adormecidos ou que conecta o bailarino ao “saber gestual de gerações passadas”.

Conforme Suquet (2008, p. 525), Laban refere-se ao desenvolvimento de um “saber sentir”, um aprimoramento da percepção capaz de conectar o bailarino aos “fluxos rítmicos da

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