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2. NA ESFERA DOS DIREITOS HUMANOS

2.2 Conferências

Com base nos postulados constitucionais que orientam a organização do sistema federativo brasileiro, instituído por um regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, compreende-se que a promoção dos direitos humanos é uma obrigação do Estado, mas para se tornar realidade depende do diálogo e da negociação constante com representantes de grupos sociais.

As mobilizações sociais, principalmente nos anos 70 e 80, abriram espaço para a participação social nos processos decisórios e na implementação de políticas públicas, consolidadas após o fim do regime militar e, em especial, com a promulgação da Constituição de 1988.

As Conferências são expressão de participação e de controle social. No Plano Nacional de Direitos Humanos:

O Estado brasileiro consolidou espaços de participação da sociedade civil organizada na formulação de propostas e diretrizes de políticas públicas, por meio de inúmeras Conferências temáticas. Um aspecto relevante foi a institucionalização de mecanismos de controle social da política pública, pela implementação de diversos conselhos e outras instâncias (PNDH, 2009, p.23).

Nas palavras de Souza (2011, p. 198), as Conferências são ―processos participativos que reúnem, com certa periodicidade, representantes do Estado e da sociedade civil para a formulação de determinada política‖, o que necessariamente

43 passa pela escuta dos diversos segmentos e movimentos sociais. O diálogo entre os atores é sempre permeado pela narração de vivências familiares, profissionais, sociais, comunitárias e escolares.

As Conferências são nascedouros naturais de políticas públicas que deságuam não só, mas também, nas escolas públicas. A promoção do respeito aos direitos humanos e a luta do movimento LGBT para garantir direitos fundamentais têm encontrado nelas importantes e privilegiados espaços para a sua discussão.

Além do empoderamento e da visibilidade daqueles/as que lutam para garantir espaço digno na sociedade, não há como ignorar que as Conferências são também palcos de surpresas, divergências e discussões acaloradas diante dos debates de diferentes pontos de vista sobre uma mesma temática.

De acordo com levantamento publicado pela Secretaria Geral da Presidência da República, o Brasil realizou, desde 1941, 109 Conferências nacionais, 60% das quais ocorreram no período 2003-2009 (COSTA, 2010). Segundo dados do IPEA42, de 2003 a 2011, foram realizadas 82 Conferências nacionais.

As 20 Conferências nacionais que compõem o conjunto temático minorias desdobram-se em nove temas ou áreas de políticas, cada qual correspondente a um grupo social e cultural historicamente excluído do cenário político brasileiro. Os nove temas de conferência nacional são: ―direitos da pessoa idosa‖, ―direitos da pessoa com deficiência‖, ―gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais‘, ―povos indígenas‖, ―políticas públicas para as mulheres‖, ―direitos da criança e do adolescente‖, ―juventude‖, ―promoção da igualdade racial‖ e ―comunidades brasileiras no exterior‖. Destas nove áreas de políticas para minorias sociais e culturais, oito passaram a ser objeto de conferência nacional a partir de 2003 (POGREBINSCHI, 2012 p.11).

Nas Conferências, sejam municipais, distritais, regionais, estaduais ou nacionais, tenta-se estabelecer uma nova forma de proposição, elaboração e implementação de políticas públicas. Nelas se consolida a prática democrática participativa para os mais diversos públicos.

Várias ações demandadas pela sociedade civil passaram a compor a pauta dos governos, algumas com o objetivo de combater a violação dos direitos humanos

42O Ipea disponibilizou em 2013 três bases de dados sobre as Conferências realizadas. A primeira

reúne dados sobre o perfil e atuação de 767 conselheiros nacionais; a segunda sistematiza informações dos atos normativos dos 24 colegiados pesquisados; a terceira contém informações a respeito das formas de organização e regras de participação das conferências nacionais.

44 e garantir direitos aos múltiplos sujeitos que compõem a sociedade brasileira. Uma importante inovação é a ascensão das políticas de identidade para os grupos vulneráveis,43 cada vez mais mobilizados, exigindo reconhecimento e respeito por parte da sociedade, como é o caso da população LGBT. Para este público foram realizadas, em Brasília, duas Conferências Nacionais. A primeira em 2008, na qual foram indicadas as bases para a implantação de uma política de promoção da cidadania e dos direitos humanos para a população LGBT. ―Sua realização, inédita entre todos os países, se tornou referência para a promoção das políticas públicas dessa população‖44.

O movimento gay e lésbico coloca, ao mesmo tempo, tacitamente, com sua existência e suas ações simbólicas, e explicitamente, com os discursos e teorias que produz, ou a que dá lugar, um certo número de questões que estão entre as mais importantes das ciências sociais e que, para alguns, são totalmente novas (BOURDIEU, 2010, p. 144).

A segunda Conferência45, realizada em 2011, teve como tema central: ―Por

um país livre da pobreza e da discriminação: promovendo a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT‖.

À medida que novas demandas surgem, novos e contraditórios posicionamentos se apresentam. Um dos entraves destacados durante a 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT para o desenvolvimento mais célere de políticas para essa população encontra-se nas complexas relações entre religião e homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia46.

Dados coletados pela pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (2009) demonstraram a influência da religião na aceitação da população LGBT. Entre os evangélicos, 31% têm tendência a comportamentos homofóbicos; entre os católicos, 24%, 15% dos praticantes do candomblé e 10% entre dos kardecistas. As

43 A exigência de justiça social e proteção de direitos violados para determinados grupos contribuem

para a elaboração de novas políticas públicas, como são exemplos as cotas para afrodescendentes nas universidades públicas brasileiras.

44 Texto base da 2ª Conferência Nacional LGBT.

45 Na 2ª Conferência LGBT foi concedido o Prêmio de Direitos Humanos ao ministro Luiz Carlos

Ayres de Britto – Categoria LGBT 2011, em reconhecimento à sua atuação no inédito reconhecimento, junto a outros ministros e ministras, da união estável homoafetiva. A necessidade de pesquisas sobre o universo LGBT foi uma das reivindicações dos participantes da referida Conferência.

46 Texto base da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT, que

teve como tema: "Por um país livre da pobreza e da discriminação, promovendo a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais".

45 notícias e os fatos revelam o aumento de violações de direitos humanos alicerçadas em motivações homofóbicas, racistas e xenófobas que atentam contra a dignidade humana. Vários são os casos de humilhação, tortura e morte.

Muitas vezes, os esforços por meio das políticas públicas encontram resistência em outras esferas da sociedade e nos próprios parlamentares, como o comprova a ação da bancada parlamentar religiosa.

Discurso usual entre os participantes das Conferências LGBT é o da necessidade de se combater o crescente fundamentalismo religioso instalado nas diversas instâncias de poder, como comprovam os relatórios e as propostas apresentadas. Exemplo desse fundamentalismo pode ser constatado quando, após forte pressão da bancada religiosa da Câmera Federal, o Ministério da Educação e Cultura - MEC suspendeu a distribuição de milhares de ―kits anti-homofobia‖47. A

decisão foi tomada em 25/5/2011, pela presidenta Dilma Rousseff.

Para Mello (2005), a homofobia está associada ao fundamentalismo religioso e ao machismo. Indivíduos homofóbicos ―costumam ser conservadores, rígidos e favoráveis à manutenção dos papéis sexuais tradicionais‖. É preciso estar atento às influências das práticas e discursos produzidos nas estruturas religiosas sobre a realidade e vivência das pessoas LGBT. Faz-se necessária a defesa de um Estado laico no qual as políticas públicas sejam elaboradas com base na garantia e defesa da dignidade humana.

A despeito do cenário em tela, mesmo que as Conferências possam exercer pressão sobre os governos para a implantação de políticas públicas, para Cunha (2012), a questão que permanece é se esses novos espaços participativos também têm potencial de inclusão de estratos sociais em situação marginal na participação política.

47 Para

se pressionar contra a distribuição de dezenas de milhares dos chamados ―Kit anti-homofobia‖ foi disponibilizada uma Petição Pública online. Na chamada para colher as assinaturas lia-se:

“Somos contra o maior escândalo deste País, o KIT GAY. Não aceitamos que nossas crianças de 7,

8, 9 e 10 anos recebam esse tal de KIT GAY. Neste Kit Gay há 2 vídeos com o Titulo Contra homofobia, mas na verdade nesses vídeos contém mensagens subliminares para as nossas crianças, induzindo-as a homossexualidade. Uma coisa é preconceito... Outra coisa é fazer apologia ao homossexualismo!!!”. (sic) A Petição foi assinada por 36.944 pessoas. Disponível em:

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2.3 Gênero, diversidade sexual, heteronormatividade, homofobia e cidadania

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