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Havendo sido já formalmente abordados, nos capítulos precedentes, os principais aspectos contextuais e factuais relativos ao processo histórico de composição e publicação da primeira tradução das Escrituras Sagradas cristãs em língua portuguesa, poderão agora ser analisados detidamente os mais relevantes tópicos concernentes à controvérsia religiosa que caracterizou, de forma decisiva, o seu ambiente específico de produção. Conforme já indicado anteriormente, o início da atividade de João Ferreira de Almeida como tradutor dos textos bíblicos em Malaca, por volta de 1642, foi particularmente motivado pela leitura de um opúsculo anticatólico castelhano, que seria posteriormente editado em língua portuguesa sob o título Differença d’a Christandade. Além disso, ao longo das décadas seguintes,

paralelamente ao desenvolvimento das traduções do Novo e do Antigo Testamento em domínios holandeses orientais, o mesmo tradutor se viu envolto em querelas doutrinárias com vários missionários católicos, de diferentes nacionalidades e ordens religiosas, cuja ocorrência nas Índias Orientais deu origem a um conjunto expressivo de obras literárias de cunho polemista em língua portuguesa.

Como se verá mais adiante, um dos atributos fundamentais do ambiente imediato em que foi trabalhada essa versão bíblica portuguesa é justamente o confronto católico- protestante pela definição da ortodoxia cristã, potencialmente oportunizado no além-mar oriental a partir da expansão comercial holandesa, de feitio calvinista, sobre regiões asiáticas sob a órbita de influência dos reinos católicos ibéricos. Em vista disso, desde então, a despeito dos esforços inquisitoriais em contrário, começou a propagar-se naquela região uma literatura protestante destinada a se contrapor às definições doutrinais do Concílio de Trento.1 Exemplo disso é o próprio tratado “anônimo” castelhano que impulsionou João Ferreira de Almeida ao conhecimento dos princípios fundamentais da teologia reformada e ao seu projeto inicial de tradução do Novo Testamento. Todavia, é somente a partir da atividade desse tradutor no Oriente que esse tipo de literatura passa a ser publicada também em língua portuguesa, tendo em vista a situação peculiar ocasionada, desde então, pelo fortalecimento do poderio holandês

1 Documento ilustrativo desse fato é um ofício enviado aos inquisidores de Goa em 1603, “alertando sobre

Bíblias e livros impressos por holandeses contendo as suas heresias”. Segundo o mesmo ofício, os holandeses “mandaram imprimir, em língua espanhola, certas Bíblias, em que meteram muitas das suas heresias, com

pretexto de as levarem a esse Estado da Índia e as semearem nele, pelo que convém fazerem-se todas as diligências possíveis para se impedir o notável mal e prejuízo que pode resultar de seu danado intento haver efeito”. Ofício aos inquisidores de Goa e partes da Índia... Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. (Seção de

sobre regiões em que a língua portuguesa permanecia definitivamente atuante, como em Malaca e Batávia.

Nesse horizonte, o interesse de Almeida como tradutor dos textos sagrados se mostra totalmente fundido à sua atividade literária anticatólica, manifesta com eloquência em seus diferentes escritos polemistas, editados concomitantemente ao desenvolvimento de sua versão bíblica portuguesa. Além disso, a loquacidade do tradutor português contra os dogmas do catolicismo tridentino foi duramente repreendida nas Índias Orientais por vários missionários católicos, o que deu origem, por sua vez, a certas obras em defesa do catolicismo romano em português, como réplicas às “heresias” propaladas pelo tradutor calvinista. Por essa causa, não convém que uma percepção histórica sobre o surgimento dessa tradução portuguesa das Escrituras subestime a sua relação intrínseca de sentido com esses conflitos doutrinários, fartamente documentados e tão próprios de seu círculo específico de produção.

Por conseguinte, o objetivo primordial desta seção será o de apresentar pormenorizadamente os desdobramentos literários de toda essa polêmica religiosa cristã, subjacente à origem e ao progresso da obra de tradução bíblica portuguesa organizada por Almeida sob o amparo da Companhia das Índias Orientais holandesas. Antes de tudo, convém que sejam enfatizados os progressos já alcançados pela bibliografia especializada nesse domínio, para em seguida serem externadas as mais recentes contribuições a respeito, relacionadas ao desvendamento de algumas questões documentais significativas que permaneceram, por muito tempo, sem o devido esclarecimento. Assim, seguindo a evolução dos principais estudos produzidos sobre a atividade de João Ferreira de Almeida nas Índias Orientais, será apresentada cada uma das obras literárias resultantes dessa controvérsia religiosa, para que o seu conteúdo possa ser analisado cuidadosamente nos capítulos subsequentes, com o intuito de se aperfeiçoar a compreensão histórico-religiosa da obra de tradução bíblica forjada em seu contorno.

Conforme se demonstrará num segundo momento, a produção literária polemista de Almeida é relativamente extensa, não obstante ter sido parcamente analisada pelos estudiosos ao longo dos últimos séculos. De fato, vários especialistas inclusive ignoraram a existência de boa parte dessas obras de controvérsia religiosa em português, devido ao fato de que as suas áreas de interesse estiveram geralmente muito mais associadas a aspectos biográficos e editoriais do que propriamente históricos, isto é, com a devida ênfase em problemas de ordem contextual. Ainda assim, desde o início do século XIX, tem sido quase unanimemente referenciada pelos pesquisadores a existência de um “livrinho” intitulado Differença d’a

Sudeste Asiático a partir de meados do século XVII. O primeiro autor português a mencionar a existência desse tratado polemista foi António Ribeiro dos Santos (1745-1818), em seu estudo pioneiro sobre as “obras de João Ferreira de Almeida”. A respeito do assunto – não sem alguma confusão, devido ao fato de não haver consultado diretamente qualquer exemplar desse livreto –, este pesquisador assegura que:

Estando [João Ferreira] em Amsterdam, compôs em holandês uma obra intitulada Artigos ou Pontos de Differença entre a Igreja Reformada e a Romana, que saiu à luz na mesma cidade em 1673, por que mereceu entre os de sua comunhão o nome de Defensor da Verdade. Escreveu, primeiro em castelhano e depois em português, em 1650, outra obra semelhante a essa, que tem por título Differença da Christandade, em que claramente se manifesta a grande desconformidade entre a verdadeira e antiga doutrina de Deus, e a falsa doutrina dos homens. Saiu em Batávia em 1668, e depois em Tranquebar [...] em 1726.2

Embora haja nessa avaliação de Ribeiro dos Santos algumas imprecisões – a principal delas sendo a notícia de que haveria sido o próprio João Ferreira quem “compôs” essa obra –, o seu testemunho é bastante rico em termos de informações editoriais, pelo fato de estar embasado em fidedignas obras estrangeiras do século XVIII. Desse modo, este autor já sabia da existência de uma edição holandesa desse texto polemista, publicada em Amsterdam no ano de 1673.3 Além disso, amparado sobre o relato de Johann Lucas Niekamp (1708-1742), em sua História da Missão Dinamarquesa nas Índias Orientais, o mesmo Ribeiro dos Santos tem alguma consciência de que esse tratado foi traduzido em português em 1650, a partir do castelhano.4 Finalmente, com base em Johann Albert Fabricius (1668-1736) e Christian Gottlieb Jöcher (1694-1758), esse pesquisador português afirma que o opúsculo Differença

d’a Christandade foi publicado também em Batávia e Tranquebar, respectivamente nos anos

de 1668 e 1726.5

Outro bibliógrafo português que tão somente menciona a existência dessa obra polemista é Inocêncio Francisco da Silva (1810–1876), em seu Dicionário Bibliográfico

2 SANTOS, António Ribeiro dos. Memoria sobre algumas Traducções, e Edições Bíblicas menos vulgares; em

Língua Portugueza... In: Memorias de Litteratura Portugueza. Tomo VII. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1806, p. 24, nota b.

3 Esse dado foi colhido por Ribeiro dos Santos no Catalogus impressorum librorum Bibliothecae Bodleianae in

Academia Oxoniensi. Volumen Primum. Oxonii, e Theatro Sheldoniano, 1738.

4 Essa obra de Johann Lucas Niekamp foi traduzida em língua francesa, versão consultada por António Ribeiro

dos Santos: NIECAMP, Jean Lucas. Histoire de la Mission Danoise Dans les Indes Orientales. A Genève: Chez Henri-Albert Gosse & Comp. 1745, p. 155.

5 FABRICIUS, Johann Albert. Salutaris lux Evangelii... Hamburgi: Sumtu viduae Felgineriae, Typis

Stromerianis, 1731, p. 615. JÖCHER, Christian Gottlieb. Allgemeines Gelehrten-Lexicon... Leipsig: in Johann Friedrich Gleditschens Buchhandlung, 1750, p. 288.

Português. Todavia, este não acrescenta nada em relação ao estudo anterior de António

Ribeiro dos Santos, limitando-se a informar que a ele não “foi possível encontrar até agora

algum exemplar”.6 Nesse sentido, o primeiro autor a efetivamente consultar o tratado

Differença d’a Christandade – e também o primeiro a analisar o seu conteúdo com um

interesse de pesquisa – foi o holandês Caspar van Troostenburg de Bruijn (1830-1903), autor do Dicionário Biográfico dos Pregadores nas Índias Orientais.7 Neste caso, o exemplar consultado por ele foi justamente a sua tradução holandesa de 1673, publicada em Amsterdam sob o título Onderscheydt der Christenheydt, já referida superficialmente por Ribeiro dos Santos.8 Os avanços proporcionados por Troostenburg de Bruijn em torno do assunto foram notáveis, visto que na dedicatória à obra, assinada em 1668 e endereçada ao governador-geral Joan Maetsuycker (1606-1678), o próprio João Ferreira de Almeida fornece dados precisos sobre sua relação pessoal com o referido tratado. Após explicitar algumas de suas dificuldades para ver publicada na Europa a sua tradução do Novo Testamento, o tradutor português afirma ter deliberado:

[...] comunicar à minha nação, em sua própria língua, como também a todas as demais que outra não entendem, o meio e instrumento de que Deus, nosso Senhor, se serviu para a mim me livrar das espessas trevas em que andava, que foi este livrinho em castelhano que, por sua divina graça, indo daqui [Batávia] para Malaca, ao ano de 1642, foi servido de me deparar. [...] E assim, ao ano de 1650, o traduzi e o acrescentei também com algumas breves notas, advertências e admoestações de não pouca importância, na forma como Vossas Senhorias aqui o vêem.9

Por este relato, fica comprovada a existência de uma versão original castelhana do tratado Differença d’a Christandade, bem como o fato de sua tradução para a língua

portuguesa ter sido realizada em 1650, fato já especificado por António Ribeiro dos Santos, com base no testemunho de Johann Lucas Niekamp. Além disso, vê-se aqui que a versão portuguesa dessa obra se diferencia do original espanhol por conter “notas, advertências e

admoestações” de autoria do próprio tradutor. E nessa mesma dedicatória, o seu autor declara

6 SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez. Tomo Terceiro. Lisboa: Imprensa

Nacional, 1859, p. 369.

7 BRUIJN, C. A. L. van Troostenburg de. Biographisch Woordenboek Van Oost-Indische Predikanten.

Nijmegen: Milborn, 1893.

8 Onderscheydt der Christenheydt, Waer in duydelyck werdt vertoont I. Het groot verschil tusschen de waere

Oude Goddelycke Leere, ende de valsche ende nieuwe Leere der Menschen... Amsterdam: Paulus Matthysz,

1673. Há um exemplar na Bodleian Library (Oxford) e outro na Bijzondere Collecties (Universiteit van

Amsterdam).

9 Ao Mui Ínclito e Nobilíssimo Senhor... In: Differença d’a Christandade. Em Nova Batávia: Por Henrique

Brando, e Joao Bruyningo, Anno 1668. Página não enumerada. Essa dedicatória também aparece em holandês na edição de 1673, consultada por Troostenburg de Bruijn.

haver traduzido, também naquele mesmo ano, o Catecismo de Heidelberg e a Liturgia a ele anexa. Finalmente, no tocante a todas essas traduções realizadas ainda quando residia em Malaca, Almeida afirma haver distribuído delas “vários exemplares a diferentes pessoas [...]

que destas partes partiram para a Europa, com promessa sua e esperança minha de, o mais presto que se pudesse, logo lá os fazerem imprimir”. Por esse expediente, a tradução portuguesa do Catecismo de Heidelberg e da Liturgia foi impressa em Amsterdam naquela mesma década, ao passo que a versão portuguesa do tratado anticatólico castelhano foi publicada pela primeira vez somente em 1668, na própria cidade de Batávia.10

Onderscheydt der Christenheydt (1673)

(Universiteit van Amsterdam)

Em relação ao tratado Differença d’a Christandade – o qual, conforme já

demonstrado, não é exatamente obra do tradutor português, mas tradução de um original castelhano –, o seu conteúdo é estruturado em torno de três eixos temáticos, destinados todos a denunciar o suposto caráter anticristão dos dogmas católicos tridentinos. O primeiro deles visa manifestar, com base nas Escrituras Sagradas, “a grande desconformidade entre a

verdadeira e antiga doutrina de Deus e a falsa e nova dos homens”. A seguir, o seu autor

denuncia “a notória contrariedade entre a sacrossanta ceia de Cristo, Senhor nosso, e a

10 Na própria dedicatória ao tratado Differença d’a Christandade, o tradutor afirma que, até aquele ano de 1668,

já haviam sido impressas três edições de sua tradução do Catecismo de Heidelberg e da Liturgia. A primeira edição parece ser a seguinte: Catechismo, que significa, forma de instrução que se ensina em as escholas e

igrejas reformadas conforme a Palavra de Deos posto por perguntas e respostas sobre os principios da doutrina christãa. Amsterdam: Juan Blaev, 1656. Dessa edição, há exemplares na Koninklijke Bibliotheek (Haia), na Universiteitsbibliotheek (Maastricht) e na Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa). É também conhecida uma

edição de 1665, conservada pela Universiteitsbibliotheek (Utrecht), e outra de 1689, que se encontra na

profana missa do Anticristo”. Por último, a terceira parte da obra apresenta argumentos para

esclarecer “quem seja o Anticristo, e por que marcas se possa conhecer”, alegando tratar-se da própria instituição papal da Igreja de Roma. Na tradução feita por João Ferreira de Almeida, além da já mencionada dedicatória ao governador-geral das Índias Orientais holandesas, há um prefácio enderȩado “a todos os senhores católicos romanos da nação

portuguesa”, e um poema em latim intitulado Pia & Seria invitatio ovium Lusitanorum

errantium ad caulam Christi.11

A edição dessa obra consultada por Troostenburg de Bruijn, porém, traduzida também em holandês pelo próprio Almeida, possui algumas significativas particularidades. Além do tratado propriamente dito, a sua impressão de 1673 contém um apêndice, tanto em holandês como em português, que serve como “necessária adição à Differença d’a Christandade em

que clara e evidentemente se mostra e averigua como, não a Igreja Cristã Reformada, mas a Apostática Romana, é a que só muda, transtorna, corrompe e falsifica os fundamentos da doutrina cristã”. O principal objetivo de João Ferreira com este seu suplemento é denunciar

“a falsidade, a impureza, a aleivosia, a impiedade e a diabólica presunção, ousadia e

soberba da Igreja Romana” em não respeitar a literalidade do texto bíblico em seus

catecismos, particularmente no caso dos Dez Mandamentos e na Oração do Pai Nosso. Para isso, são citadas importantes obras catequéticas do período tridentino, todas de grande circulação nos domínios portugueses, de autores como Roberto Bellarmino (1542-1621), Frei Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), Marcos Jorge (1524-1571) e Inácio Martins (1531- 1598). Além disso, a edição impressa em Amsterdam também conta com alguns esclarecimentos em holandês (Noodige Bedenckingen) sobre a suposta agressividade dos argumentos do tradutor contra o catolicismo romano.

Após esses evidentes progressos alcançados por Troostenburg de Bruijn no conhecimento sobre a literatura da controvérsia religiosa relativa ao ambiente em que João Ferreira de Almeida trabalhou sua tradução bíblica, não fizeram grandes avanços nesse setor especialistas como os escritores portugueses Guilherme Luís dos Santos Ferreira (c. 1849- 1931) e Eduardo Henriques Moreira (1886-1980).12 Enquanto o primeiro se preocupou acima

11 Differença d’a Christandade. Em que Claramente se Manifesta, I. A grande Disconformidade entre a

Verdadeira e Antiga Doctrina de Deus, e a Falsa e Nova d’os homens. II. A Notoria Contrariedade entre a Sacro S. Cea de Christo Senhor nosso, e a Profana Missa d’o Antichristo. III. Quem seja o Antichristo, e porque Marcas se possa Conhecer. Traduzido E acrecentado Tudo, agora de Novo, pelo P. Joaõ Ferreira A. d’Almeida, Ministro Pregador d’o S. Evangelho ‘na India Oriental. Em Nova Batávia: Por Henrique Brando, e Joao Bruyningo, Anno 1668. A dedicatória e o prefácio também aparecem na tradução holandesa de 1673, mas não o poema em latim.

12 FERREIRA, G. L. dos Santos. A Biblia em Portugal: apontamentos para uma monographia (1495-1850).

de tudo com a problemática das edições da tradução bíblica portuguesa – sem se ater demasiadamente na questão do ambiente específico em que foi elaborada –, Eduardo Moreira focalizou em seu breve estudo os aspectos biográficos do tradutor. Mesmo assim, este último autor parece ter sido o primeiro a mencionar em Portugal a existência de uma edição portuguesa das Fábulas de Esopo publicada em Batávia, no ano de 1672, revista e corrigida por Almeida.13

As Fábulas de Esopo (1672) (Bodleian Library)

Seja como for, o conhecimento sobre alguns pormenores da querela doutrinária que marcou a trajetória do tradutor português nas Índias Orientais holandesas experimentou considerável progresso após uma descoberta realizada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo pelo arquivista português Pedro A. de Azevedo (1869-1928).14 Este pesquisador identificou nesse acervo um panfleto manuscrito assinado em 1670, intitulado Carta

Apologetica em Defenção da Religião Cathólica Romana Contra Joaõ Ferreira de Almeida Predicante da Secta Calvinista. A folha de rosto da obra especifica também que foi composta

Almeida, o primeiro tradutor da Bíblia em língua portuguesa. Lisboa: Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, 1928.

13 Esopete Redivivo ou Vida e Fabulas do insigne, prudente e gracioso fabulador Esopo Frigio de Grecia.

Recolhidas, Acrescentadas, Traduzidas & com breves Aplicações morais ilustradas, por Manuel Mendes da Vidigueira ... E agora de novo, nesta ultima impressão diligentemente revistas & emmendadas, para uso proveitoso & honesta recreação de todos, pelo P. João Ferreira A. D’Almeida. Em Batavia, com todas as

Licenças necessarias, por Pedro Walberger, Impressor, Ano 1672. Há um exemplar na Bodleian Library (Oxford). Eduardo Moreira parece ter tido conhecimento dessa edição através da seguinte obra: HAAN, Fonger de. Oud Batavia. 2 vols. Batavia: G. Kolff & Co., 1922.

14 O resultado de sua investigação foi publicado no seguinte e breve artigo: AZEVEDO, Pedro de. O calvinista

português Ferreira de Almeida. Boletim da Segunda Classe, v. 12, fasc. 1. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1918.

em Bengala, na Índia, por um português chamado Hieronymo de Siqueira.15 A partir da análise de seu conteúdo, Pedro de Azevedo concluiu que o tradutor português, “apesar de

seguir confissão contrária aos da sua nacionalidade, manteve correspondência nem sempre cortês nem cordial com portugueses de firmes crenças”.16 Dessa maneira, fica manifesto que

essa Carta Apologética é parte integrante de um universo mais amplo de troca de correspondências entre o tradutor e alguns portugueses no Oriente, cujos meandros ainda não aparecem com toda clareza nesse documento específico. De qualquer modo, o teor do escrito de Hieronymo de Siqueira é marcado pela acusação de desvio doutrinário e moral que caracterizaria a trajetória de João Ferreira, por ser apóstata e predicante calvinista.

Uma percepção mais acurada sobre a origem dessa Carta Apologética, e a respeito da relação de seu escritor com o calvinista João Ferreira de Almeida, foi providenciada logo em seguida pelo estudioso português David Lopes (1867-1942), em seu clássico estudo sobre a

Expansão da Língua Portuguesa no Oriente.17 Na verdade, em relação à literatura de controvérsia religiosa escrita paralelamente à tradução bíblica portuguesa, o enriquecimento documental assegurado por este autor, decorrente de suas pesquisas conduzidas no Museu Britânico e na Biblioteca Real de Haia, sobrepujou todos os seus antecessores. Isso especialmente porque David Lopes foi o primeiro a consultar outras duas outras obras polemistas, editadas naquele contexto, cujos conteúdos se revelam de fundamental importância para o entendimento do ambiente em que foi trabalhada a primeira versão bíblica portuguesa.

Uma dessas obras é o conjunto documental que tem por título Duas Epistolas e Vinte

Propostas do Padre Joaõ Ferreira A. d’Almeida, impressas todas em Batávia no ano de

1672.18 A primeira carta de que se compõe esse texto foi endereçada pelo tradutor português a João Correa de Mizquita, fidalgo da Ordem de Cristo em Bengala, na qual o seu autor busca fazer “uma breve relação do que aqui se passou entre ele e os Reverendos Padres João

Baptista Maldonado, Frei Manuel de Santa Theresa e Frei Hieronymo de Siqueira”. No início da carta, é indicado que aquele fidalgo português manteve relações amistosas com duas

15 Carta Apologetica em Defenção da Religião Cathólica Romana Contra Joaõ Ferreira de Almeida Predicante

da Secta Calvinista Feita em Bengalla pello muito Reverendo Pe. Hieronymo de Siqueira Portugues Theológo Pregador. Anno: 1670. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa).

16 AZEVEDO, Pedro de. O calvinista português Ferreira de Almeida..., p. 767.

17 LOPES, David. A expansão da língua portuguesa no Oriente durante os séculos XVI, XVII e XVIII.

Porto: Portucalense Editora, 1936.

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