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CAPÍTULO 2 – REVISÃO DE LITERATURA

2.2 Zona Costeira

2.2.5 Conflitos da zona costeira

O litoral pode ser definido, conforme Moraes (1999, p. 29), como:

Uma zona de usos múltiplos, pois em sua extensão é possível encontrar variadíssimas formas de ocupação do solo e a manifestação das mais diferentes atividades humanas. Defronta-se na zona costeira do Brasil, desde a presença de tribos coletoras quase isoladas até plantas industriais de última geração, desde comunidades vivendo em gêneros de vida tradicionais até metrópoles dotadas de toda a modernidade que as caracteriza. Enfim,

trata-se de um universo marcado pela diversidade e convivência de padrões díspares. Isso redunda em uma alta conflituosidade potencial no uso do solo, em que o papel do planejamento adquire mais relevo.

Reis et al (2002) afirma que “como a zona costeira é bastante solicitada/desejada por vários usuários e populações, o espaço costeiro é um recurso finito sobre o qual há sempre conflito de uso”.

Na costa brasileira estabeleceram-se os primeiros núcleos de colonização, de modo que, como afirma Milaré (2000, p. 164), “foi aí que se iniciaram os conflitos das atividades antrópicas com o meio ambiente, os quais, no decorrer dos séculos se traduziram em diferentes tipos de ocupação desordenada do espaço e em atividades produtivas danosas à qualidade ambiental.”

Além do conflito do homem com o meio, traduzido pela exploração deste por aquele, soma-se o conflito do homem com seu próprio semelhante, marcada que foi a colonização do Brasil pela submissão dos índios pela força. Nesse viés, com a instituição dos títulos de propriedade e com o aumento populacional, passaram a surgir disputas pela terra e os conflitos de uso e apropriação dos recursos naturais se multiplicaram.

Moraes (1999) destaca, ainda, que “Os conflitos de interesse subjacentes às áreas de intervenção, são múltiplos e, em muitos casos, de difícil superação (basta pensar na questão fundiária referente aos valiosos terrenos do litoral).” Genericamente, “o valor dos lugares no litoral é mais elevado do que na hinterlândia. O que acaba por condicionar um direcionamento de seus usos”

Os espaços costeiros ainda preservados, devido à sua grande valorização, limitam as possibilidades de sua exploração a uma gama restrita de atividades, que contemplam o potencial de valor ali identificado. As atividades pecuárias e agrícolas, por exemplo, são cada vez mais raras nesses espaços, que em função de seu valor, ficam condicionadas à utilizações de maior rentabilidade no uso do solo, notadamente o parcelamento para fins habitacionais.

No entanto, segundo Diegues (2001), “O valor potencial das outras possibilidades de utilização dos recursos pode ser expresso em termos de uso único versus uso múltiplo”, onde a avaliação dos usos múltiplos, “ajuda a definir a significação econômica e social dos recursos costeiros. É também um instrumento importante na determinação dos ‘trade-offs’ associados com estratégias alternativas de desenvolvimento”.

Ecossistemas que foram convertidos para uso único terão sua capacidade produtiva reduzida. Um mangue, por exemplo, desde que adequadamente manejado, pode ser utilizado para a pesca, maricultura, extração de madeira, etc. Já o uso único pode limitar todos os outros usos potenciais (MORAES, 1999).

As diversas funções econômicas e sociais do espaço e dos ecossistemas podem implicar em conflitos que opõem usos distintos como também grupos sociais diferenciados implicados na apropriação desses recursos. Voltando ao exemplo do mangue, este pode opor maricultores e pescadores; enquanto os primeiros pretendem o corte do mangue para construção de tanques, os segundos podem estar usando a mesma área para a captura de caranguejos, colocação de cercos, etc. Esses conflitos podem surgir entre tipos diferentes de pesca: uma captura excessiva de camarão dentro da laguna pode afetar a atividade de outros pescadores nos ecossistemas costeiros. A implantação de um pólo petroquímico pode inviabilizar projetos de turismo.

Pode-se constatar também que há usos complementares como a atividade de extração de madeira e a construção de tanques para a maricultura, indicando convergência entre grupos sociais que cortam o mangue e os maricultores. Essas atividades complementares são, todavia, conflitivas com a pesca artesanal e mesmo industrial, sendo, além disso, incompatível com a preservação ambiental.

No que respeita ao espaço marinho, os conflitos estão assentados entre as atividades de navegação, pesca profissional e esportiva, e exploração mineral.

Nesses locais, definem-se, em geral, quadros problemáticos do ponto de vista da gestão ambiental, demandando ações de caráter corretivo, com a mediação dos "múltiplos conflitos de uso" dos espaços e recursos comuns e de controle do impacto sobre o ambiente marinho, decorrente de poluição e contaminação por diferentes tipos e fontes (MACHADO, 2003).

Reis et al (2002) anota como exemplo de “conflitos entre usuários”, a “atividade pesqueira versus turismo”.

A própria pesca reúne, em si mesma, inúmeros conflitos, notadamente entre os pescadores artesanais e os pescadores industriais, estes últimos invadindo os espaços historicamente ocupados pelos primeiros, que não obstante também possuem desacordos por questões territoriais e pela posse dos melhores pesqueiros. Diegues (2001b) esclarece sobre o

perigo de impunidade aos que violam acordos” e refere a prática dos pescadores de recorrerem a “pessoas que possuem boa reputação e desempenham papel ativo na vida da comunidade – geralmente mestres

aposentados, mas em alguns casos, viúvas de pescadores – servem como mediadora (conselheiros). As mediadoras são muito procuradas para dar conselhos, exortando os pescadores a manter o respeito em momentos de controvérsia.

Diegues (2002) destaca ainda a criação de Unidades de Conservação das quais são expulsas as populações tradicionais, ocasionando desta forma conflitos generalizados, que, no entanto têm servido para unir e organizar as sociedades a eles submetidos.

Os conflitos existentes na zona costeira, portanto, são de ordem ambiental, mas também sócio-cultural.