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2. GOVERNANÇA CORPORATIVA

2.2. A Governança Corporativa e suas particularidades

2.2.3. Conflitos de Agência e Expropriação

Conforme se verifica no ensaio teórico de Saito e Silveira (2008), o trabalho de Berle e Means (1932) foi um dos primeiros a analisar empiricamente a estrutura de propriedade de empresas norte-americanas e a discutir os inevitáveis conflitos de interesses que essas estruturas pulverizadas poderiam acarretar para o desempenho e valor das firmas.

Sobre agency, um dos primeiros trabalhos realizados foi o de Ross (1973). Para ele, uma relação de agência ocorre quando duas (ou mais) partes, em que uma pessoa designada de agente age em nome, para ou como representante de outra, designada como principal, na tomada de decisão de um problema específico. Para Jensen e Meckling (1976, p. 308), a relação de agência é “um contrato em que uma ou mais pessoas – o principal – envolve outra pessoa – o agente – para executar algum trabalho em seu nome que envolva delegação de autoridade para tomada de decisão”.

Sob o ponto de vista da economia financeira, Saito e Silveira (2008) defendem que esse trabalho de Jensen e Meckling (1976) pode ser considerado um verdadeiro divisor de águas da governança corporativa, sendo as suas contribuições: (1) criação de uma teoria de estrutura de propriedade das firmas baseada nos conflitos de interesses individuais; (2) definição de um novo conceito de custos de agência, mostrando sua relação com a separação entre propriedade e controle; (3) elaboração de uma nova definição de firma, sendo a firma uma mera ficção legal que liga os contratos e os indivíduos.

Tendo em vista que, em uma relação de agência, os agentes (que, no contexto empresarial, são os executivos) podem tomar decisões para o principal (os acionistas), é possível que os agentes busquem uma maximização da utilidade pessoal, ao invés de buscarem atender o interesse do principal, surgindo assim os conflitos de agência (acionistas versus executivos).

A principal origem dos conflitos de agência é a separação existente no mundo corporativo entre propriedade e gestão, isto é, os acionistas donos das empresas não são

os mesmos que administram o seu patrimônio, delegando aos executivos esta função. Outras fontes de conflitos de agência são a inexistência do contrato perfeito e agente perfeito.

A inexistência de contrato perfeito, que teve como percussor o trabalho de Klein (1983), fundamenta-se em duas razões principais: a incerteza traz consigo a existência de um grande número de contingências, e especificar todas as respostas previamente torna-se extremamente oneroso para a firma; e os contratos são incompletos porque o desempenho de um contrato particular pode ser proibitivamente caro para mensurar e, portanto, de especificar contratualmente.

Com relação ao agente imperfeito, este é um conflito de natureza humana em que o interesse do agente está mais propenso em maximizar a sua própria função utilidade. O indivíduo é racional e utilitário e, como tal, tende a tomar decisões parciais que proporcionem melhores resultados para si do que para terceiros; a cooperação desinteressada dificilmente prevalece em relação ao jogo de interesses.

O acionista sabe da existência do interesse particular dos executivos, cujas tomadas de decisões empresariais podem diminuir a riqueza e o valor da empresa. Sabe, ainda, que a simples troca dos executivos não adianta, já que não existe agente nem contrato perfeito. Os acionistas podem, portanto, tentar limitar e monitorar as decisões dos executivos, além de incentivá-los para que alcancem o objetivo principal do acionista, que é maximizar a sua própria riqueza.

Para isso, os acionistas incorrerão, contudo, em vários custos, os chamados de custos de agência, que fazem com que seja necessário estabelecer mecanismos de controle ex-ante, para que o processo de governança corporativa possa alinhar os interesses das partes envolvidas e minimizar os custos ex-post.

A diversificação e o crescimento são os principais alvos dos executivos que são contrários ao objetivo de maximização de riqueza dos acionistas, sendo estes, então, as principais fontes de custos de agência. Normalmente, a diversificação é realizada pelo executivo, para redução do risco de falência da empresa ou redução da probabilidade de problemas financeiros, isto é, para assegurar o seu cargo por um longo período de

tempo. Diversificar implica em reduzir risco, o que é contrário a maximizar o retorno do acionista, tendo em vista que risco e retorno são diretamente correlacionados (quanto maior o risco, maior o retorno e vice-versa).

O executivo busca um crescimento rápido porque ele terá, com a empresa maior, melhor visibilidade no mercado, maiores salários e participações e mais mordomias, tais como carro/avião particular, motorista da empresa, despesas com moradia, alimentação, viagens etc. Porém, para obter esse crescimento, é comum que o executivo sacrifique a rentabilidade da empresa, seja através de um forte aumento nas vendas da empresa, que “quase sempre” é acompanhado da necessidade de diminuição da margem dos produtos, ou altas despesas de marketing, ou ainda por meio de aquisições e fusões com empresas de baixa rentabilidade.

Para Jensen e Meckling (1976), os custos de agência são a soma das „perdas residuais‟ advindas da redução do bem-estar experimentado pelo principal, devido a divergências entre ele e o agente, pelos gastos de monitoramento do agente realizado pelo principal, custos de elaboração e estruturação de contratos entre principal e agente e despesas do agente para mostrar ao principal que suas decisões não o prejudicam.

Lopez-de-Silanes (2000), analisando as dez maiores empresas não financeiras e de controle privado em quarente e nove países, constatou que 45% das ações estão em poder dos três maiores acionistas. Dessa forma, para ele, a estrutura patrimonial dispersa é um mito, predominando a estrutura de propriedade concentrada, em que um ou poucos acionistas detêm uma grande fatia das ações e, consequentemente, um grande poder sobre os gestores.

Esse tipo de estrutura de propriedade concentrada prevalecente nos países latino- americanos faz surgir outros tipos de conflitos entre os acionistas majoritários e acionistas minoritários e entre os acionistas majoritários e credores, normalmente chamados de conflitos de expropriação. Para La Porta et al (1998, 1999, 2000, 2002), o conflito entre acionista majoritário e acionista minoritário é o principal embate existente na maioria dos países, inclusive nos países da América Latina.

Inúmeros instrumentos são utilizados para a expropriação de riqueza dos acionistas minoritários pelo acionista majoritário. Entre eles: preços de transferência (superfaturamento ou subfaturamento com stakeholders), transferência de ativos, baixo preço na recompra de ações, perseguição de projetos que não maximizam lucros, alta remuneração e benefícios para os executivos-proprietários etc.

De acordo com Jensen e Meckling (1976), os acionistas também podem expropriar riqueza dos credores de várias maneiras. Uma delas é assumir riscos demasiadamente elevados, utilizando capital de terceiros, sendo que os acionistas têm incentivos para tal atividade. Se a firma (ou um projeto específico) tem sucesso e a firma é predominantemente financiada por debt, a maior parte dos ganhos vai para os acionistas – uma vez que os credores têm parcelas fixas de recebimento e, caso falhem, a maior parte dos prejuízos irão para os credores, pois a firma não terá condições de arcar com os compromissos assumidos com estes.

Outra forma de expropriar riqueza dos credores pelos acionistas é a tendência ao subinvestimento, quando a firma é muito endividada e com grandes chances de falência. Mesmo com bons retornos financeiros, os acionistas não têm interesse em aplicar o seu dinheiro em projetos nem na empresa, tendo em vista que os seus ganhos, em grande parte, serão destinados ao pagamento dos credores.