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A Conflitualidade Armada

No documento MAJ Carriço (páginas 32-35)

3. DO ESTADO DE CONFLITUALIDADE À CONFLITUALIDADE DE ESTADO

3.3. A Conflitualidade Armada

Steven Metz considera que nas primeiras décadas do século XXI se assistirá à emergência de três formas de guerra: a Guerra Formal, a Guerra Informal e uma área que designa por cinzenta (2000a, p. 47 - 58). A Guerra Formal ou Guerra Regular (Gray, 2005, p. 168) é aquela que coloca as forças armadas dos Estados umas contra as outras. A Guerra Informal ou Guerra

Irregular (Gray, 2005, p. 212) consiste num conflito armado onde pelo menos um dos

antagonistas será uma entidade não estatal. O terrorismo transnacional pode constituir-se como variante deste tipo de guerra. Ela será proveniente da cultura de conflitualidade que se disseminou por todo o planeta, onde os grupos envolvidos farão uso das comunicações globais para publicitar a sua causa. A guerra na área cinzenta combinará os elementos da guerra convencional com o crime organizado. Para efeitos da presente discussão, a nossa caracterização incidirá apenas sobre a Guerra Informal e a Guerra Formal.

3.3.1. Guerra Informal ou Irregular: O estado de Conflitualidade

A importância deste tipo de guerra, decorre não da sua originalidade, mas antes do seu peso relativo na violência contemporânea. Com efeito, a última metade do século XX foi

40 A dissuasão nuclear é talvez o mais claro exemplo de um dilema de defesa decorrente do risco assumido pela

política. A contradição entre defesa e segurança no âmbito da guerra nuclear é consequente do facto de os sistemas de armas ofensivos, terem uma significativa vantagem sobre os sistemas defensivos. O dilema surge assim em virtude dos desenvolvimentos tecnológicos, que inflacionaram o poder militar a tal ponto que apenas uma ameaça geral de destruição é a única solução possível para assegurar um sistema de defesa nacional

caracterizada pela emergência dos movimentos de libertação, dando origem a designações como “guerra revolucionária, guerra de guerrilha, terrorismo e guerra de libertação” 41 (Gray, 2005, p. 212). Neste tipo de guerra, o monopólio da violência pelo Estado é substituído pelo aparecimento de grupos de guerrilheiros, organizados em torno de lealdades, muitas vezes sem uma base territorial, mas sempre apoiados numa base populacional dispersa e indiferenciada. As suas estruturas operativas são baseadas em redes susceptíveis de se expandir de forma ilimitada através do recurso às novas tecnologias de informação e comunicação. Garcia salienta que esta nova conflitualidade “é caracterizada por uma extrema plasticidade dos seus actuantes,

assemelhando-se muitas vezes a uma luta de morte, pela sobrevivência, sem regras, sem objectivos claramente definidos, e por vezes irracional” (2003, p. 1120).

O entendimento Clausewitziano de que a guerra é a continuação da política por outros meios perde consistência quando aplicado a conflitos onde não existe distinção entre meios e fins, onde a violência se esgota em sim mesma. Nesta nova conflitualidade será mais correcto dizer que “a guerra se funde com a política. Uma tal guerra não pode ser usada com nenhum

propósito porque ela nada serve. Pelo contrário, a explosão da violência é melhor compreendida como uma manifestação suprema da existência, bem como a sua própria celebração” (Creveld, 1991b, p. 142-143). Holsti apresenta uma visão concordante. O autor

distingue aquilo a que chama guerra institucionalizada, conduzida entre Estados, das “guerras do

terceiro tipo”, com origem na violência comunal ou indentitária. “Nestas guerras não existem frentes, nem campanhas, nem bases, nem uniformes, nem honras, nem pontos de apoio nem respeito pelos limites territoriais dos estados. Não existem estratégias e tácticas. A inovação, a surpresa, e a imprevisibilidade constituem as suas virtudes” (2001, p. 36).

No entanto esta visão inovadora da guerra, esta transmutação entre meio e fim, política e guerra, não é consentânea com as visões mais tradicionalistas, que sobrelevam a existência de um fundamento político em todos os conflitos, e onde a estratégia deve ser entendida como a ponte entre o meio: guerra, e o fim: política. Segundo eles, as guerras informais ou irregulares, são acerca de políticas e não entre políticas (Gray, 1999, p. 285), a sua variante face à guerra regular está, não na sua natureza não Clausewitziana, mas antes no seu carácter, que aliás, se vai reconfigurando à condição de combate formal na proporção das suas vitórias.

41 Desde 1945, as guerras convencionais, definidas como conflitos armados entre entidades políticas independentes,

tornaram-se a excepção em vez da regra. Desses conflitos, os mais relevantes foram, as três guerras entre a Índia e o Paquistão de 1947, 1965, e 1971; as cinco guerras Israelo-árabes de 1948, 1956, 1967, 1969-70, e 1973; e a guerra da Coreia de 1950-53; a Guerra Indo-Chinesa de 1961; a Guerra Irão-Iraque de 1980-88; a guerra entre a Etiópia e a Somália em 1978; o ataque Chinês ao Vietname em 1979; a guerra das Falkland em 1982; a campanha do Kosovo em 1999 e as guerras contra o Iraque em 1991 e 2003. Mesmo se somada a guerra dos “Cargill” em que 500 paquistaneses entraram na fronteira da Índia e o confronto entre Israel e a Síria em 1982, o número total de conflitos armados foi de 19 (Creveld, 2004, p:1)

Uma palavra de referência para o terrorismo, na condição de Guerra Informal. Naturalmente que os atentados de Nova Yorque, Madrid e Londres, e a bem oleada máquina de propaganda da Al Quaeda, colocaram o Terrorismo no epicentro das agendas de Segurança e Defesa dos Estados. Sem desvalorizar a actualidade e nível de ameaça que o fenómeno constitui, importa salientar que tal como as outras formas de guerra informal, o terrorismo tem uma finalidade política, donde só será estrategicamente relevante se se constituir como uma ameaça à estabilidade política dos Estados que ataca. (Gray, 2005, p. 237).

3.3.2. Guerra Formal ou Regular: A Conflitualidade de Estado

Apesar da diminuição da conflitualidade inter-estatal, a perspectiva de uma guerra entre Estados não deve ser posta de parte. As razões de Tucídides42 – “Medo, Honra e Interesse” permanecem tão válidas hoje quanto ontem (citado em Gray, 2005, p. 178). Em reforço desta argumentação, um repositório de conhecimento substanciado em 2400 anos de história, para justificar que apesar de diferente na forma, organização política, social e tecnologia, a essência do homem e do seu espaço se mantém inalterada: “Aqueles que estudam o passado para melhor

compreender o presente, podiam ao menos estudar o presente para compreender o passado – Plus ça change, plus c’est la même chose” (Gray, 1999, p. 285).

Sendo nossa convicção que após a Guerra do Iraque foi ultrapassado o ponto culminante de

poder percebido, são vários os cenários que configuram situações de Guerra Formal. Seguindo

os ensinamentos Confucianos, calma e ponderação, o Império do Meio aguarda aquele momento singular de afirmação do seu poder. Não despicienda será a reemergência duma Rússia imperial, geneticamente anti-ocidental e expectante quanto ao aparecimento de um novo líder carismático, qual Lenine, capaz de promover uma nova revolução do povo, pelo povo e para o povo. A associação destes dois actores contra os Estados Unidos ganha sentido se contextualizada com as teorias de Mackinder de controlo do “Heartland”. O próprio Japão, só forçado ao pacifismo pelo poder atómico, poderá, numa tentativa de abandonar a sua condição de Estado exíguo, catalisar um desequilíbrio com consequências imprevisíveis (Knox, 1999, p. 644).

Outros focos de conflitualidade subsistem. A própria Rússia contra a China, contra a Estónia e a Letónia; ou contra a Ucrânia; a Índia contra o Paquistão; os Estados Unidos contra o Irão ou contra a Coreia do Norte; a Grécia contra a Turquia; ou mesmo esta nossa Europa, que tendo transitado para além do poder (Kagan, 2003, p. 69), poderá retroceder nesta sua postura, pendendo para Oeste ou para Este (Gray, 2005, p. 183).

42 Tucídides foi o autor da História das Guerras do Peloponeso, entre Esparta e Atenas. Contrariamente ao seu

predecessor, Heródoto, cujas obras faziam referência a figuras míticas, Tucídides é considerado um historiador objectivo, tendo consultado documentos escritos e entrevistado participantes nos eventos.

No documento MAJ Carriço (páginas 32-35)

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