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A CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL A PARTIR DE UMA RELEITURA DO

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 31-35)

CAPÍTULO 1: MEMÓRIAS, HISTÓRIAS E TRAJETÓRIAS DE VIDA

1.4. A CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL A PARTIR DE UMA RELEITURA DO

Provavelmente nenhuma outra denominação religiosa brasileira se encaixe tão bem no protestantismo sectário de Weber (1982) neste início de século como a Congregação Cristã no

Brasil. Nem mesmo na Assembleia de Deus, sua concorrente direta desde sua origem, se observou, ou se observa, tais fundamentos básicos, a começar pela formação de sua liderança carismática que, ao contrário da Congregação Cristã, mantém um corpo de especialistas que passaram por alguns de seus Institutos Teológicos, e isto não é novo. Gunnar Vingren, antes de se pentecostalizar, passou quatro anos de sua vida estudando em um Seminário Batista na América do Norte, inclusive estando à frente de igrejas.

Como já vimos, o protestantismo sectário apresentado por Weber tem como referência maior os quacres e os batistas, sobretudo estes últimos. Neles foram encontradas peculiaridades que deram ao autor subsídios para formular um conceito de seita e, entre estes caracteres estão a associação voluntária de membros, após um exame detalhado da vida dos aspirantes e uma constante observação da moralidade destes, após adesão. Para aqueles que se inserem, abrem-se oportunidades novas, unidade dentro do grupo e um reconhecimento social de honestidade.

A Congregação Cristã, diferente não só da Assembleia, mas de todas as outras de origem pentecostal e neopentecostal, não sai para as ruas à procura de novos adeptos, ou seja, não pratica a chamada evangelização, ou pelo menos, não nos termos destes grupos, selecionando assim as pessoas que serão os possíveis candidatos à sua membresia. Isto é feito, sobretudo a partir de um conhecimento prévio das pessoas, através de vínculos familiares ou efetivos. Geralmente as pessoas que entram em um templo destes, pela primeira vez, estão sempre acompanhadas de alguém mais próximo.

As exigências morais e alguns costumes estão entre as prioridades do grupo.

Combatem veemente todo e qualquer tipo de relação sexual antes do casamento e adultérios.

Em ambos os casos, os discursos propagados e os próprios cultos nos fornecem uma dimensão através da formatação das pessoas nos assentos: homens e mulheres estão sempre em lados opostos dentro do templo e em casos que há uma superlotação, se mantém a distinção. Às mulheres cabe a utilização do véu. Com a cabeça coberta por um pano branco de abas bordadas e padronizadas, seja nas dimensões e textura, seja até mesmo no posicionamento sobre a cabeça, elas permanecem assim, dentro e fora do templo até a finalização do culto. Geralmente, crianças e mulheres que estejam visitando não precisam utilizar, mas em casos em que a pessoa visitante opte por usá-lo, ela não é impedida. Aos homens, o ósculo santo8ocupa o lugar do véu como diferenciação em relação a outras igrejas.

Trata-se de uma prática comum no final de cada culto, ensaios de músicas e despedidas de

8 Beijo no rosto.

viagens. Deve ser acionado pelo sentimento, ou seja, ser feito de coração e geralmente em locais privados como igreja ou em casas, marcando a finalização de visitas aos irmãos.

Somamos a essas exigências, as de aspectos econômicos, destacados por Weber (1982), tem-se um cuidado especial de ter dentro do grupo somente “os honestos”, em seus negócios, coprovados não só dentro, mais fora do grupo. Alguém que faça parte desta denominação e tenha sido indicado por outro do mesmo segmento religioso para trabalhar é visto com bons olhos, como pessoas honestas e fiéis. Isto garante aos que fazem parte, uma possibilidade de estabilidade socioeconômica através de uma rede de solidariedade, envolvendo de um lado aqueles que já trabalham na empresa e de outro os que estão precisando de empregos, ou novos empregos. Além disso, há ainda os que possuem algum tipo de negócio próprio: a certeza do sucesso vem não só do investimento em pessoas internas à congregação, visto que o grupo prioriza os que dela fazem parte, mas também de investidores externos, que veem nestes negociantes a segurança necessária para não serem defraudados. Assim como discutido por Weber (1982), a adesão ao grupo significa ascensão social; a exclusão significa o inverso.

No modelo ideal de seita desse autor, o poder disciplinador não está nas mãos de especialistas formados, mas sim nas de leigos carismáticos. Havia entre os protestantes sectários, presbiterianos e batistas, uma resistência contra o domínio de teólogos, de pregadores profissionais, confluindo assim para uma clerização de seus leigos. Isto não acontece mais neste tipo de protestantismo, mas é evidente na Congregação Cristã.

O carisma está sobre seus leigos, sobretudo os chamados anciãos. Eles não passaram ou passam por qualquer tipo de formação teológica. É possível perceber em muitos deles, certa deficiência no vocabulário9, mas não na eloquência. Possuem autoridade e reconhecimento legítimo da igreja como pessoas de qualidades extraordinárias, supranatural e transcendental. Assim como os quacres de Weber (1982) em que na assembleia religiosa qualquer pessoa podia falar, desde que interpelado pelo espírito, mas não antes destes líderes carismáticos estarem assentados em bancos especiais, de frente para a congregação, em silêncio profundo, esperando que o Espírito desça em alguém deles. São os anciãos, cooperadores e diáconos da Congregação Cristã. Jamais um visitante. Eles se orgulham em

9 Não afirmo a inexistência de pessoas formadas neste meio religioso, ou seja na Congregação Cristã, com certeza há. Embora, o maior grau de formação com que deparei em minhas interlocuções tenha sido o ensino médio completo. Em sua grande maioria, os membros apresentam o ensino fundamental completo. Não há um incentivo para que se busque conhecimento fora da dimensão da fé. Ao contrário, em diversas vezes são atribuídos a estes o título de conhecimentos mundanos. Eles também não possuem institutos teológicos ou mesmo escolas bíblicas. Mesmo não investindo em conhecimento acadêmico, não há nenhum tipo de objeção à consulta, por parte dos fiéis, a profissionais qualificados como médicos, advogados, contadores, engenheiros, arquitetos, dentre outros.

dizer que na igreja deles não acontece como nas outras: nela, a palavra desce fresquinha dos céus através do Espírito Santo.

Não se destina valores financeiros a estes trabalhos na forma de salário e mesmo o ancião, que é encarado como o topo na estrutura, deve ter um trabalho secular, seja formal ou informal para mantê-lo, ou ser aposentado. Esta é uma das razões de não se ter discurso sobre o dízimo. O que se fala é a respeito de coletas, que podem ser para construção, para ajudar necessitados através da compra de produtos, sobretudo alimentícios, ou para manutenção dos templos e instalações. Em casos de construção de templos, em algum momento dentro do processo de edificação se realiza um culto de coleta. Isto faz parte e pode-se dizer que é uma regra. Nestes, pessoas que são de outras igrejas da mesma denominação vão apoiar, não só através de sua presença, mais acima de tudo, com seus recursos. Geralmente estes cultos movimentam quantias expressivas de dinheiro que é minuciosamente monitorado quanto ao destino dado. No final de cada culto já se comenta o montante das doações. Da mesma forma, no término do empreendimento. Geralmente o secretário da região eclesiástica participa do culto de inauguração com o objetivo de apresentar publicamente todas as entradas e saídas de caixa. Eles também fazem questão de afirmar que não se compra nada sem nota fiscal. Se o discurso sobre dízimos não tem força, não se pode dizer o mesmo dos templos. Tem um padrão Congregação, mas não são nada simples, levando em sua construção o que se tem de melhor disponibilizado pelo mercado.

Outra categoria de liderança religiosa é o Encarregado de música. Estes ensinam, ensaiam músicos e regem as orquestras de sua região eclesiástica. A congregação Cristã defende ser a maior orquestra do mundo. Para que haja uma uniformidade nas canções eles se utilizam de uma espécie de catálogo de canções com o título Hinos de Louvores e Súplicas a Deus. Neste constam 450 canções escritas, cifradas e compiladas, para utilização de pessoas comuns e de músicos. A última destas edições data de março de 1965, apenas seis meses após a morte de Louis Francescon em 07 de setembro de 196410. Quem sabe podemos falar em uma espécie de Cannon, ou seja, uma cristalização dos hinos disponibilizados, de forma a não se incluir outros, como por exemplo, os de estilo Gospel Musuc? Utiliza-se até hoje, a mesma edição de 1965 e, ao que parece, este catálogo de canções é tão antigo quanto à denominação.

Mantivemos, como nas edições anteriores, a maioria dos hinos que o Senhor tem preparado desde o início desta obra em nosso país, porém com as alterações que se fizeram necessárias, acrescentando também outras melodias e poesia [...]. São Paulo, março de 196511.

10 CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL – Edição Unificada. São Paulo, 2002, p.51

11 CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL. Hinos de Louvores e Súplicas a Deus São Paulo – SP Ed.

Geografica, 2002, p. 05

Retirando-se os caracteres pejorativos e senso comum a que se atribui a definição de seita, nos termos de Weber (1982), a Congregação Cristã no Brasil é uma seita por excelência.

Uma releitura fiel de protestantismo sectário em nossos tempos. Entretanto, caso sejam feitas as devidas pontuações, os próprios adeptos desta igreja perceberão que, para eles, serem considerados uma seita é o mesmo que uma qualidade virtuosa. Pelo menos em termos weberianos. Não obstante, faz parte da mensagem que eles mesmos querem promover socialmente e não o contrário.

Como estamos direcionando neste momento nosso olhar para a Congregação Cristã, assim como nossa fonte a partir de Curitiba e região metropolitana, penso ser necessário, ainda que em poucas linhas, contextualizar basicamente a introdução e expansão do movimento pentecostal na capital paranaense, para em sequência apresentar as dificuldades e desafios referentes à pesquisa nesta denominação religiosa.

1.5. CONTEXTUALIZAÇÃO BÁSICA DO PENTECOSTALISMO CLÁSSICO EM

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 31-35)

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