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Congresso de Leitura do Brasil e o contexto de implementação de políticas públicas para o

3. OS CONGRESSOS DE LEITURA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO (1978-1987)

3.6 Congresso de Leitura do Brasil e o contexto de implementação de políticas públicas para o

O grande interesse e participação dos congressistas nos grupos de estudos do 5º e 6º COLES podem apontar para a relação existente, já em meados dos anos 1980, entre as discussões produzidas por pesquisadores, que também participavam dos COLES no mesmo período, e as diretrizes curriculares que vinham sendo implementadas em alguns estados, especialmente no estado de São Paulo.

Alguns grupos de estudos foram coordenados por esses pesquisadores, muitos deles, já com certo prestígio no contexto acadêmico nacional e que também vinham dialogando com as políticas públicas para a leitura. As mesas – redondas e conferências também traziam algumas

pessoas que estavam em evidência neste cenário dos anos de 1980. Assim, o COLE se configurou como um espaço de formação onde era possível ouvir, encontrar, dialogar com aqueles que vinham se tornando referências em suas áreas de atuação, nomes responsáveis pelos novos paradigmas do campo da linguagem, da leitura, da escrita:

... era uma febre esse Percival, né. Era o Wanderley, depois era o Percival, em termos de redação e leitura. Nossa! E eu acho que ele deu uma palestra. Interessante porque tinha umas figuras acadêmicas que a gente queria ver e o Cole era o momento que a gente podia ver uma palestra deles. Hoje a gente tem a internet! Eu fico pensando, na internet você quer, eu vou lá e vejo… Naquela época não! (informação verbal).72

Para Mortatti (2009) foi justamente na década de 1980 que “teve início a proposição sistemática de políticas públicas de leitura, implementadas por meio de projetos e programas em nível federal, estadual e municipal. (MORTATTI, 2009, p.05).

Em especial no que se refere à leitura e seu ensino, nessa década ganharam destaque as perspectivas linguísticas centradas na Análise do Discurso e na Teoria da Enunciação e a perspectiva teórica centrada no conceito de “letramento’”, assim como se constituíram temáticas interdisciplinares como a história da leitura e do livro e história do ensino da leitura e escrita. (MORTATTI, 2009, p.05).

Mortatti (2009) também destaca alguns autores que estiveram em evidência no COLE, cujos trabalhos e discussões pautaram a implementação de políticas públicas para leitura neste período:

Dentre esses, mesmo correndo o risco de cometer injustiças, destaco, como exemplos: O texto na sala de aula: leitura & produção (Assoeste, 1984), organizado por João Wanderley Geraldi; Leitura em crise na escola: as alternativas do professor (Mercado Aberto,1982), organizado por Regina Zilberman e no qual se encontra o artigo “Considerações em trono do acesso ao mundo escrita”, de Haquira Osakabe, um dos homenageados neste 17o. COLE; Literatura infantil brasileira: história & histórias (Global, 1986), de Marisa Lajolo e Regina Zilberman, ambas participantes como expositoras neste 17º COLE; A criança na fase inicial da escrita: alfabetização como processo discursivo (Cortez/Ed. Unicamp,1988), de Ana Luiza B. Smolka. (MORTATTI, 2009, p.05).

De fato, quando olhamos, por exemplo, para a Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa para o 1º grau do Estado de São Paulo73, publicada em 1986, temos propostas, discussões e referências bastante próximas daquelas que vinham circulando pelos COLES nos mesmos anos.

Para Prado (1999), o documento da Proposta Curricular enfatizava que o ensino da língua deveria recair sobre a produção de sentidos, tanto no que diz respeito ao ensino da leitura quanto da escrita. Essa proposição se apresenta “a partir de temas caros à linguística contemporânea brasileira, como: concepção de linguagem, o texto como unidade de ensino, criatividade na linguagem, a questão da interação verbal, variedades linguísticas, o ensino da norma padrão, as atividades de linguagem (linguagem enquanto ação e objeto).” (PRADO, 1999, p. 113).

Neste momento é importante lembrar que as concepções de leitura e escrita, consequentemente, a concepção de linguagem foram bastante influenciadas pele debates a respeito do ensino de Português ocorridos na década de 80 e que estavam também bastante influenciados pelas ciências linguísticas. (...) Não se pode deixar de lembrar, novamente, a contribuição das ideias de Geraldi, divulgadas nos inúmeros projetos que ele coordenou ou participou. (PRADO, 1999, p.121-122).

São discussões e proposições para o ensino da leitura recorrentemente debatidos nos COLES – podemos afirmar, inclusive, que foi justamente a partir do COLE que muitos deles se colocaram em evidência – e que começavam a ganhar capilaridade nas escolas a partir da proposição de políticas públicas que buscavam a orientar os professores para novas práticas referentes ao ensino e a promoção da leitura na escola.

Vou me preocupar mais com as condições, porque continuo convencido de que o ato de ler, o debruçar-se sobre um texto, é sempre um diálogo entre um sujeito-leitor e um texto-autor, diálogo que produz diferentes 73No Estado de São Paulo, a 1ª edição da Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa para o 1º grau foi publicada no ano de 1986 e trazia como referências pesquisadores que estiveram presentes no COLE neste período, como por exemplo Magda Soares, Regina Zilberman, João Wanderley Geraldi, entre outros. Para Prado (1999) que a Proposta do Estado de São Paulo pode ser tomada como exemplo dentre os documentos curriculares no Brasil neste período, como representativa da época e como um marco da produção curricular oficial na qual está inserida.

significações pois pode se dar com diferentes orientações. Ainda que ato solitário, ele é sempre dialógico: do leitor com o texto; do leitor informado por suas outras leituras já que a leitura que se faz agora não lhes é indiferente; do texto com outros textos – mesmo aqueles desconhecidos pelo leitor – pois nenhum texto existe fora do mundo discursivo com o qual o texto que estou lendo dialoga e neste diálogo me propõe significados.74 (CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 1985, p.43).

Outra é a concepção de leitura quando esta se realiza como instrumental de outras aulas, sem se preocupar em habilitar para depois usar. Ou seja, um método sem leituras planejadas para habilitar o leitor para depois o leitor ser leitor, aparentemente seria o anti-método. É, porém, a busca de um uso efetivo do texto que pode produzir um certo método. Eu acho que método é precisamente aquilo que às vezes a escola tem jogado fora: é precisamente o uso do texto escrito e de sua leitura, sem muita preocupação com o planejamento de atividades que desenvolvam a habilidade de ler, que produzam leitores. Seria a prática como produtora da gramática, e não a gramática do método como caminho a ditar a prática da leitura. Continuo defendendo, ainda, que se aprende a ler lendo.75 (CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL, 1987, p.83).

O que destacamos aqui é que, no que diz respeito às propostas de ensino de leitura que se disseminaram nos anos de 1980 como um contraponto às ideias e práticas que se faziam presentes até então nas escolas, temos uma certa convergência entre as personagens e as ideias que circularam nos COLES e nos espaços de proposição de políticas públicas. Nesse sentido, Santos (2019) destaca que esse contexto “evidencia uma espécie de rede teórica que age em torno da leitura como produtora de um sujeito crítico, o que passa a ser amálgama significativa para a produção da política de leitura nesse contexto” (SANTOS, 2019, p. 92). Assim, se no final da década de 1970 o COLE se posicionou como grande crítico das condições de produção de leitores nas escolas, já em meados dos anos de 1980 suas concepções e propostas apresentavam um diálogo muito mais próximo do campo das políticas públicas para formação do leitor.

74 Discurso de João Wanderley Geraldi, proferido em 1 de setembro de 1985, durante a mesa redonda “O professor como leitor e incentivador da leitura” no 5º COLE.

75 Discurso de João Wanderley Geraldi, proferido em 13 de setembro de 1987, durante a mesa redonda “Alternativas metodológicas para o ensino da leitura” no 6º COLE.

Quando olhamos os primeiros COLES como um espaço e um tempo de formação, temos um congresso que, já em sua concepção, desejava aproximar os professores da escola básica com os trabalhos que vinham sendo realizados na academia. Esse talvez tenha sido o grande ponto de tensão que se colocou nesses primeiros anos. Ainda que os modos de fazer tenham se modificado no decorrer das edições – a proposta inicial de “fornecer aos professores” foi dando lugar à reflexão, e a valorização, posteriormente, do estudo, da experiência, da “voz” desses sujeitos – o que permanece nos seis primeiros COLES é a crença de que a pesquisa, a ciência, o trabalho acadêmico, em conjunto com os professores dos diferentes níveis, poderia contribuir de maneira singular com a melhoria da escola e da educação, seja como orientadora do trabalho que se fazia na escola, seja como propositora de políticas públicas para melhoria das condições da promoção da leitura e formação do leitor. Ao rememorar suas participações nos primeiros COLES, João Wanderley Geraldi fala de um lugar de encontros, muitas vezes imprevistos, das parcerias, de um evento verdadeiramente democrático e que acolheu as vivências e preocupações de diferentes sujeitos.

Creio que encontros como este são o fruto imprevisto, mas nem por isso menos rendoso, de um congresso como o COLE. Nele se encontram parceiros preocupados com as mesmas questões. É um evento efetivamente democrático, de e para professores de todos os níveis de ensino. Aberto a falas e a escutas. Soam bem as vozes dos professores com suas vivências e suas preocupações, como soam bem as vozes supostamente mais informadas e conformadas aos moldes da academia. (GERALDI, 2012, p.09)

Por fim, essa parece ser uma característica importante dos últimos COLES pesquisados no nosso recorte, que muito possivelmente impulsionou e consolidou sua relação com os professores de diferentes níveis: um espaço de encontros que pretendia ser verdadeiramente aberto a falas e escutas, um lugar onde o professor pôde falar, ser ouvido, e também pôde ouvir, discutir, dialogar...

Com o desejo de “dar voz”, o COLE se fez ouvir, se fez presente ainda hoje e tem nos presenteado, nesses mais de quarenta anos, com tantas vozes, vivas, atuantes e relevantes, que não se calaram e nem se aquietaram, mas tem colaborado de maneira bastante significativa na construção da história da leitura em nosso país.