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CAPÍTULO III. A Repressão Institucional aos Movimentos Sociais Ontem e Hoje

3. O passado é agora: interesses elitistas e opressão popular

3.1 O Congresso Nacional nos representa?

A movimentação do Congresso Nacional frente aos protestos de junho de 2013 é bastante elucidativa acerca do posicionamento que detém os parlamentares da Casa. Muito pouco – ou quase nada – se discutiu ou se fez quanto às reivindicações dos movimentos populares nas ruas: não houve reforma política nem qualquer melhoria nos setores sociais fundamentais, a corrupção continua alastrada e explícita. A pauta de discussões do Congresso, pelo contrário, girou em torno de outra temática: a lei antiterrorismo.

Frente ao poderio popular que se manifestou em números surpreendentes em grande parte do Brasil, o Congresso Nacional arvorou-se em elaborar um projeto de lei para

241 NATIVA NEWS. População organiza manifestação para cobrar melhorias no Hospital Regional. Portal 24

Horas News, 29 mai. 2014.

242 OLIVEIRA, Davi. Jovens fazem protestos em 11 estados para reivindicar melhoria da educação. Portal EBC, Brasília, 28 nov. 2012.

243 ALCÂNTARA, Deodato. População fecha rodovia em protesto por melhorias em segurança pública e sinal telefônico. Portal Irecê Repórter, 22 mar. 2014.

244 PACHECO, Lorena; MACHADO, Roberta. Manifestantes voltam a pedir melhorias no transporte público no DF. Correio Braziliense, Brasília, 19 mar. 2014.

81 criminalizar os atos dos manifestantes. Seguindo a cartilha do movimento de repenalização da vida social,245 os parlamentares puseram em debate a construção de uma lei objetivando instrumentalizar o poder público – em especial, os setores de segurança pública – para punir severamente qualquer sujeito que ousasse pleitear seus direitos em manifestações coletivas.

Sob a evidente intencionalidade de garantir ao setor privado a ampla liberdade de auferir riquezas com a superprodução dos eventos da Copa do Mundo de futebol, teorizou-se a construção de um aparato jurídico-normativo repressivo aos moldes da ditadura. Como uma novela que, tardiamente, é reprisada no horário nobre, a população assiste novamente ao direcionamento das políticas de Estado ao favorecimento das elites empresariais nacionais e estrangeiras. A vontade do capital,246 mais uma vez, prevalece.

Não faltaram projetos de lei nesse sentido. O pioneiro deles foi o Projeto de Lei do Senado 728/2011, de autoria dos senadores Marcelo Crivella (PRB/RJ), Ana Amélia (PP/RS) e Walter Pinheiro (PT/BA). O PLS institui pena de 15 a 30 anos para quem “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação de liberdade da pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo”. Interessante, ainda, é perceber a seção de justificativa do PLS:

Porém, toda essa pujança de recursos e o trânsito de pessoas das mais diversas nacionalidades e etnias, exigirão especial aparelhamento jurídico voltado à segurança pública, dentre outras áreas correlatas, com adaptações em nossa legislação, ainda que temporárias, para que honremos os compromissos assumidos na subscrição dos Cadernos de Encargos perante a FIFA, na oportunidade da escolha do País como sede das competições, objetivo que se espera alcançar com este Projeto.247

Pois bem. A instituição de um projeto de lei com a absurda pena mínima de 15 anos, com redação claramente abstrata e inespecífica voltada claramente para coibir qualquer ato de manifestação política pela efetivação de direitos no período de realização da Copa do

245 “Eis, então, que se poderia explicar o movimento de repenalização da vida social, cujos signos são abundantes: multiplicação das incriminações, aumento dos custos repressivos, alongamento da duração média das penas, restrição de regimes de liberdade condicional, vigilância eletrônica a domicílio: o controle penal se expande e a repressão endurece” (OST, François. O tempo do direito. Tradução: Élcio Fernandes. Bauru, SP: Edusc, 2005, p. 357).

246 MARX, Karl. O capital. (Os Economistas). Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura, 1996.

247 BRASIL. Projeto de Lei do Senado n. 728 de 2011. Define crimes e infrações administrativas com vistas a incrementar a segurança da Copa das Confederações FIFA de 2013 e da Copa do Mundo de Futebol de 2014, além de prever o incidente de celeridade processual e medidas cautelares específicas, bem como disciplinar o direito de greve no período que antecede e durante a realização dos eventos, entre outras providências. Senado Federal, Brasília, DF, nov. 2011.

82 Mundo configura-se como clara ofensa ao direito de manifestação do povo. Mais do que isso: esta evidente tentativa de tolher os direitos político-civis da população está ancorada na justificativa de garantir a lucratividade de um oligopólio de empresas privadas durante o citado evento futebolístico.

Dois outros projetos foram elaborados visando tipificar o crime de terrorismo: o PLS 762/2011, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP) e o PL 499/2013, proposto por uma comissão mista de 14 senadores e deputados presididos pelo senador Romero Jucá (PMDB/RR) e o deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP). Assim como o PLS 728/2011, os outros dois projetos de lei tinham como principal escopo a garantia de realização dos eventos da Copa do Mundo de 2014, assegurando a satisfação dos interesses elitistas do empresariado burguês através da imposição de uma “estratégia de medo”.248

Adicionamos ainda ao rol de arbitrariedades perpetradas pelo Congresso Nacional contra o esforço político-social de participação nas decisões governamentais o caso referente à Política Nacional de Participação Social. O Decreto n. 8.243/2014, que instituiu a PNPS, objetivou instrumentalizar a participação popular nos rumos governamentais, concedendo-lhe meios diretos de efetivar a democracia direta plena que já está consagrada na Constituição Federal. Almejou, em suma, instituir meios de viabilizar o protagonismo popular – anseio visível da população, como demonstram as passeatas de junho de 2013.

A Câmara dos Deputados, entretanto, derrubou em 28 de outubro de 2014, o Decreto n. 8.243/2014, por meio da aprovação do PDC n. 1.491/2014. Em meio à disputa de forças inerente ao debate eleitoral, deputados acabaram criando um “terceiro turno eleitoral” e impondo a rejeição ao Decreto n. 8.243/2014 como uma derrota ao governo. Como fundamento, o deputado Mendonça Filho (DEM/PE) afirmou que a Política Nacional de Participação Social “impõe, via decreto presidencial, um modelo de consulta à população que é definido pelo Poder Executivo. É uma forma autocrática, autoritária, passando por cima do Parlamento, do Congresso Nacional, da Casa do Povo, de estabelecer mecanismos de ouvir a sociedade”.249

A participação da sociedade nos rumos políticos da nação, entretanto, não deve estar condicionada à vontade legislativa – que, segundo fala do deputado Mendonça Filho,

248 GONZÁLEZ, Luis Javier. A anistia teme que o Brasil aplique o delito de terrorismo a manifestantes. El País, Madri, 6 jun. 2014.

249 SIQUEIRA, Carol. Deputados derrubam decreto dos conselhos populares. Portal de Notícias da Câmara dos

83 parece deter o monopólio de ditar como e quando o povo deve se manifestar na coisa pública. A Política Nacional de Participação Social somente instrumentaliza um direito que já existe – o direito à participação popular nas decisões governamentais – que independe de norma jurídica para que possa ser exercido. É a modalidade originária de poder constituinte – que emana do povo e quebra toda e qualquer barreira formal à sua manifestação.

Em verdade, os atos de repressão política do Congresso à manifestação popular “representam a resistência oligárquica que está acostumada a subtrair do processo de elaboração legislativa o sentido de realização democrática dos direitos e, assim, preservar uma prática negociada de privilégios e de fatores”,250 como prega o professor José Geraldo de

Sousa Júnior. Como de praxe, os parlamentares – movidos por interesses individualistas de defesa e manutenção de poder – atuaram no sentido de impor limitações ao exercício pleno do poder popular dos movimentos sociais e da população em geral.

Se no plano político-legislativo, o cerceamento à plenitude de manifestação e participação do sujeito coletivo no seio decisional das políticas governamentais mostra-se evidente – assim como na ditadura militar – há que se analisar se o mesmo ocorre na seara prático-institucional. Há décadas atrás, a opressão exercida pelo aparato policial-militar do governo ditatorial era violenta e sem escrúpulos. Perguntamo-nos: houve, neste quesito, evolução considerável? Como atua contemporaneamente a instituição policial quanto às manifestações político-sociais no país?