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Portanto, na repercussão dos movimentos sociais está uma das razões para o surgimento da Lei Complementar nº 135, em 04 de junho de 2010. Como referido, o movimento redundou nas assinaturas necessárias para o projeto de lei, e tinha objetivos de forte caráter ético: impedir que condenados pela justiça, em determinadas circunstâncias, pudessem ser candidatos. A classe política, como de resto qualquer cidadão, não teria qualquer motivo para manifestar oposição a uma iniciativa nestes termos, ao menos em tese.

O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em 05 de maio de 2010, e pelo Senado em 19 de maio do mesmo ano (aprovação unânime). Todavia, foi um caminho permeado de discussões e debates, não apenas pelo conteúdo da proposta de lei, mas por correrem em paralelo outras propostas de iniciativa de parlamentares que, embora tratassem também de limitações à elegibilidade de condenados (Projetos de Lei de nºs 35/2003, 446/2009, 499/2009, 518/2009, 519/2009 e 544/2009) variavam em questões cruciais como, por exemplo, a instância definidora do impedimento de elegibilidade (se a primeira instância ou os tribunais intermediários) bem como as condutas que as impediriam.

E houve mudanças realizadas, no projeto original, pelo Congresso Nacional. A versão inicial do movimento popular indicava vedação do registro de candidaturas dos políticos condenados logo em primeira instância (ou seja, condenados pelo juiz singular, órgão de base da justiça brasileira). Logo que aportou na Câmara dos Deputados, houve a modificação redacional para considerar inelegíveis apenas os condenados por tribunais colegiados, o que acontece geralmente na segunda instância da estrutura judiciária. Além disso, o texto final previu um recurso não idealizado pela Iniciativa Popular - exatamente para os candidatos condenados em colegiados. Neste caso, se o tribunal “A” (eleitoral) permitir a candidatura do candidato, o tribunal “B” (cível ou penal, no qual corre o um processo por improbidade, por exemplo) deverá acelerar o julgamento, priorizando o andamento do processo.

No Senado houve mais modificações no projeto de lei, pois se passou a utilizar expressões verbais no futuro para as hipóteses de condenação. O tratamento aos destinatários “que forem condenados” ou “que renunciarem” criou dúvidas sobre a aplicação da lei no tempo, principalmente em relação àqueles já condenados. Originalmente, o projeto utilizava todos os verbos no tempo presente.

As principais modificações, portanto, foram:

Quadro 1 - Modificações ocorridas no projeto da Lei Complementar nº 135/2010 Projeto Original Câmara dos Deputados Senado Federal Condenação que gera

a inelegibilidade singulares Decisões Decisões colegiadas Decisões colegiadas Prioridade de

julgamento Não Sim Sim

Verbos em tempo

futuro Não Não Sim

Após o trâmite no Poder Legislativo, o Ficha Limpa chegou ao Executivo. A sanção pelo Presidente Lula se deu nos dias seguintes, mais precisamente em 04 de junho de 2010. A chamada Lei da Ficha Limpa, desde então, passou a impedir que condenados por órgãos colegiados pudessem disputar cargos eletivos, em geral pelo prazo de 08 (oito) anos. Para os fins do presente trabalho, merecem destaque as treze situações que se seguem, todas constantes na lei, e que tornam inelegíveis: a) o Presidente da República, o governador de estado e do Distrito Federal, o prefeito, os membros do Congresso Nacional, das assembleias legislativas, da Câmara Legislativa, das câmaras municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a um dispositivo da Constituição Federal, de constituição estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou de lei orgânica de município;

b) os governadores, prefeitos e respectivos vices, que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo de constituição estadual ou de lei orgânica;

c) quaisquer cidadãos que tenham sido condenados pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político;

d) quaisquer cidadãos condenados definitivamente ou com decisão proferida por órgão judicial colegiado pelos crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; contra o meio ambiente e a saúde pública; eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual; e praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;

e) os ocupantes de cargos ou funções públicas que tiverem suas contas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente;

f) os detentores de cargo na administração pública que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado;

g) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma; h) quaisquer cidadãos que forem condenados à suspensão dos direitos

políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito;

i) quaisquer cidadãos que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional;

j) quaisquer cidadãos que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade;

k) quaisquer cidadãos que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial;

l) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral;

m) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar.

A partir dessas previsões legais, o Poder Judiciário foi provocado a se manifestar, em diferentes oportunidades.