• Nenhum resultado encontrado

Com relação à formulação da política externa norte-americana, o Executivo propõe e o Congresso dispõe: aceita, modifica ou rejeita a proposta presidencial; tem, assim, importância fundamental, mesmo considerando um sistema político caracterizado por presidencialismo forte, como sustenta Lindsay (1992-1993). Segundo o autor, a influência do Legislativo pode se dar por meio de três maneiras: ações antecipadas; alterações do processo decisório do Executivo; e uso da tribuna como lócus de exposição política. Na primeira forma, o Legislativo procuraria se adiantar a iniciativas do Executivo nos assuntos que os congressistas visualizassem interesse do outro poder. E o Executivo agiria de maneira semelhante. Este “jogo” aparece no comentário de Clymer (1991), quando o presidente Bush (pai) estava prestes a lançar a operação Desert Storm contra o Iraque: “The President has not wanted to ask for such a resolution unless the liedership of the Congress could assure him that such a resolution would be forthcoming, because your hand would be weakened if it were not forthcoming”35. Nas palavras de Lindsay, há sempre receio do Executivo por uma rejeição a alguma das suas iniciativas. Haveria, portanto, cuidadoso exame prévio do Executivo, no que toca à remessa de documentos ao Legislativo.

O Legislativo também pode procurar alterar o processo decisório na formulação da política externa. O então Senador democrata pelo Wisconsin Leslie “Les” Aspin comentou, em 1975, que “often by establishing new procedures, which are, of course, ostensibly neutral, Congress is able to effect substantive change”36. Há exemplos desta forma de procedimento do Legislativo. A criação da Arms Control and Disarmament Agency (ACDA), em 1961, o Special Trade Representative, em 1974, e a Under Secretary of Defense for Acquisiton, esta voltada para aquisição de armamentos, alteraram iniciativas originalmente criadas pelo Executivo.

Os elementos instrumentais regulares usados pelo Congresso são a rejeição, as condicionalidades, a exigência de relatórios, e a adição de novos grupos especializados ao processo decisório (Lindsay, p. 618). A rejeição pode ser utilizada pelo Congresso quando os parlamentares entenderem que determinado acordo não atenda aos interesses do país. Um expediente mais ágil, autorizado pelo Congresso, é o fast track: neste caso, o Presidente pode fechar acordos sem a solicitação ao Congresso. Este procedimento é amparado pelo Omnibus Trade and Competitiveness Act, de 1988. A renovação do fast track tem que ocorrer dentro

35

Trecho do artigo de Adam Clyner, publicado no New York Times, em 7/1/1991.

36

Les Aspin em “The Defense Budgetand Foreign Policy: The role of Congress”, publicado em Dedalus, 104, Summer, 1975, p. 168.

dos 90 dias que precedem o término do acordo a que se refere. No segundo elemento, as condicionalidades podem ser adicionadas quando o Congresso visualiza a necessidade de introduzir elementos de controle e de segurança a iniciativas do Executivo. É conhecido o caso da exigência do Legislativo de condicionar a continuação da assistência militar norte- americana ao Chile, na gestão Regan, à apresentação para a justiça dos responsáveis pela morte de Orlando Letelier. Já a exigência de relatórios parece ser expediente costumeiro nas diversas casas legislativas nos diferentes Estados-nação. Nos EUA, é comum a exigência para que o Departamento de Defesa submeta ao Congresso os relatórios referentes aos controles sobre os diversos programas de desenvolvimento de armamentos. Pode-se ter a exigência de estudos adicionais que interferem nas iniciativas do Executivo. Por fim, o Congresso pode exigir que novos grupos sejam acrescentados no processo decisório. Tanto no caso de transferência de tecnologia dual a aliados quanto no campo comercial. Em 1988, o Congresso exigiu do Departamento de Defesa que este solicitasse assessoria do Departamento de Comércio quando fosse negociar acordos de produção de armamentos com diferentes governos estrangeiros; ou o Ato Comercial de 1974, por meio do qual as negociações com o exterior deveriam acolher a assessoria de representantes dos sindicatos, da indústria, da agricultura, e dos consumidores.

O uso da tribuna como lócus de exposição política, de acordo com Lindsay, é expediente comum pelos congressistas. Em face de um contencioso, denúncias ou incriminações, congressistas procurariam, por vezes, obter visibilidade no seio do Congresso ou nos meios de comunicação. Diante dos holofotes, principalmente da televisão, os congressistas têm a possibilidade de superar dificuldades e apresentar a sua leitura de textos normativos. Verifica-se que essa disputa por visibilidade pode traduzir-se diferentemente. Uma maneira é caracterizada por Rubin (1978) ao afirmar que é comum congressistas disputarem visibilidade por meio de debates sobre assunto que não dominam. Cita o caso do então senador democrata Frank Church, do Idaho, que teria combatido exageradamente o primeiro Strategic Arms Limitation Treaty (SALT I), associando-o a programa pouco claro sobre bombas de nêutrons, junto com iniciativas ligadas à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). De acordo com Rubin, o propósito do senador era criar fato político para mostrar-se atuante junto ao seu eleitorado. Mas, certamente, outras formas de visibilidade são mais usuais; mesmo porque o congressista precisa transmitir credibilidade. Tem que apresentar dados concretos e demonstrar domínio do assunto em pauta. No governo Reagan, o senador Richard Lugar, republicano por Indiana, questionou o apoio dado pelo governo dos EUA ao regime de filipino de Ferdinand Marcos, em face de acusações de fraude eleitoral em

1986 e corrupção. Obteve sucesso pelo apoio conquistado em face das provas apresentadas e a dinâmica discursiva aplicada ao caso. Por fim, o alvo dos congressistas pode ser um outro Estado-nação ou empresa estrangeira. O caso Toshiba, estudado pela universidade de Harvard, é citado por Lindsay (625). Tratava-se de transferência de tecnologia sensível para a então URSS. Em julho de 1987, os congressistas norte-americanos levaram o caso para a imprensa, de modo a gerar insatisfação no seio da população. O resultado foi o engajamento do Executivo junto ao governo japonês, com a conseqüente desistência da Toshiba em levar adiante a transferência. Idêntica medida foi tomada pelo Congresso para convencer os alemães e os japoneses a apoiarem a operação militar norte-americana contra o Iraque, em 1990.

Vale ainda observar que o Congresso pode também tomar iniciativas quando identifica possível omissão pelo Executivo. Por ocasião da divulgação soviética do sucesso da experiência com a Sputnik, em 1957, o Legislativo norte-americano, diante da inação do governo Eisenhower, aprovou, por meio da Comissão de Forças Armadas do Senado, a realização de uma série de audiências sobre a ameaça que teria para os EUA tal iniciativa soviética. O resultado foi a criação da National Aeronautics and Space Administration (NASA), além do National Defense Education Act, de modo a que houvesse fundos para financiar o desenvolvimento da ciência e do estudo de línguas estrangeiras (Papp, Johnson e Endicott, p. 275). Este episódio mostra a atenção do Legislativo norte-americano para as ações e as eventuais omissões do Executivo. Outro episódio, recente, foi o exame por comissão legislativa conjunta das falhas dos aparatos de inteligência dos EUA após os ataques de 11/9/2001 às torres gêmeas.

O que se identifica da literatura é que o Congresso é instância fundamental do processo decisório em política externa. Os seus componentes são “animais políticos que estão preocupados com o seu status institucional e com o poder, com a sua segurança eleitoral e como são percebidos dentro do círculo de Washington e além dele”37, como afirmam Rosati e Scott (342). Portanto, a sobrevivência política levará os congressistas a considerarem os temas da política externa norte-americana sintonizados com o eleitorado e com as formas de financiar a permanência no cargo. As circunstâncias condicionarão os membros do Congresso a comportamentos diferentes em relação ao Executivo. Como sustenta Jentleson (1990, p. 146), os congressistas poderão adotar uma postura competitiva, com atuação ativa e assertiva relativamente à política externa presidencial, tal como se mostrou nos casos da venda de armamentos para a Arábia Saudita, da atuação de norte-americanos na Nicarágua e as relações

37

com a África do Sul durante o apartheid; ou mostrar-se-ão desinteressados por estarem mais preocupados com as questões internas, referendando as iniciativas do Executivo, como na política adotada para El Salvador; ou cooperando com o Executivo na obtenção dos objetivos, como resultado de consenso, como nas relações do governo Bush (pai) com a então URSS e com a RPC; ou ainda agir estratégica e seletivamente, como se vê nas discussões da rodada Doha.

Documentos relacionados