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3 PARA ONDE VOU

3.1 Conhecendo o Concreto

Criado em 2013, a primeira edição do Festival Concreto apresentou para a Cidade de Fortaleza uma nova dinâmica de arte urbana contemporânea, inserida em um evento de grande porte. O Festival tem a proposta de “chegar promovendo experiências, o colorir vira pauta na rua e vivência em cada esquina- um olhar para os muros e se encantar com as dias em que ocorreu o Festival e em pontos diferentes da cidade.

Com programação gratuita desde seu primeiro ano, o Festival segue com a política de proporcionar vivências a partir da arte urbana. Na primeira edição, contou com a participação de 117 artistas nacionais e internacionais (APÊNDICE C) que atuaram em 40 pontos de intervenção, 2 seminários, 2 exposições, 8 shows e uma edição especial do Baião Ilustrado76, evento voltado para profissionais e admiradores de ilustração, além de 12 vídeos produzidos.

O Festival Concreto de 2013 trouxe o graffiti do artista plástico Rafael Limaverde, do artista cearense Ioda, do paraense Rodrigo Arab e do cearense e residente do Titanzinho Wryel, no tombado Farol do Mucuripe (FIGURA 22), resultando em discussões polarizadas sobre a atuação dos artistas. Alguns comentários foram feitos acerca do ocorrido, como a fala do produtor do Festival ao mencionar que “houve polêmicas inúteis sobre o Festival. Inúteis no sentido de que nunca foi feito nada para reverter situações de abandono do poder público frente a espaços memoriais como o caso do Farol do Serviluz” 77. A Secretaria de Cultura do Estado também se posicionou, com um comentário publicado pelo jornal troca de experiências, técnicas e contatos, o Baião ilustrado conta compalestras, oficinas e conversas em mesas de bar. Sua primeira edição foi em 2009. Além de eventos, a alcunha Baião Ilustrado acabou por ser tornar o nome do grupo que atua com ilustrações em diversos projetos, como o Festival de Arte e Cultura que ocorreu no Centro Sócio Educativo Dom Bosco em 2018.

77 Fala de Antônio Luciano Morais Melo Filho, produtor do Festival concreto, sobre o Farol do Serviluz.

Após o início da intervenção artística no local, a Secretaria de Cultura do Estado realizou uma visita técnica através da Coordenadoria do Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural (Copahc), cujo relatório emitido na última quinta-feira (21) apontou a necessidade de providências urgentes devido aos danos na edificação que podem comprometer sua estabilidade. “Uma edificação bastante deteriorada, quanto aos seus equipamentos funcionais e estruturais, sem condições de uso”, resume o documento. Com relação aos grafites na área externa do prédio, a Secretaria reconheceu a importância simbólica da arte, mas pontuou que qualquer intervenção realizada em bem tombado deve ser feita com autorização prévia e orientação do órgão que processa o tombamento, com o objetivo de preservar o equipamento.

Embora a Secult não exerça nenhuma influência administrativa sobre o Farol, o órgão reconheceu o dever de advertir sobre interferências que possam descaracterizar o bem, além de propor medidas para preservação, já que o governo estadual foi responsável pelo tombamento.78

Figura 22 – Intervenção no Farol do Mucuripe, no I Festival Concreto, em 2013.

Fonte: Fotografias de divulgação do Festival, disponíveis em:

http://www.festivalconcreto.com.br/festival/edicao-2013/Uso sem fins lucrativos.

Entender o espaço público enquanto espaço político me coloca em questão sobre como o utilizamos para a construção de dissensos e fendas em um sistema massacrante. público e uma construção tombada, mas seguiu por tantos anos em total descaso e abandono pela Prefeitura de Fortaleza.

Em uma das andanças ao Titanzinho tive a oportunidade de encontrar Wryel, um dos artistas do Farol e que residia nas proximidades. “Tu pesquisa o Festival, é? Pois eu quero dar meu testemunho e não quero que corte nada da minha fala”. Comentou o grafiteiro.

Wryel falou sobre seu desinteresse ao participar do Festival, pois o evento repete os mesmos espaços, como o Centro da Cidade. “Não entra aqui pra gente, além de que eles só pagam quem é de fora, os daqui só recebem tintas”. Segundo ele, a pintura do farol foi realizada sem

78 Disponível em: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/fortaleza/grafite-chama-a-atencao-para-precariedade-do-farol-do-mucuripe/

muitas conversas com pessoas do bairro. É certo que a rua é de todos, mas até que ponto esse discurso não se torna colonizador quando não se olha para uma comunidade a partir de interesses pontuais? Seria essa intervenção uma forma de espetacularização da cidade? Não que a arte não perpasse por esse caminho, mas é necessário compreender que a arte urbana também acontece a partir de uma relação afetiva com o lugar.

Com um hiato de um ano, a segunda edição do Festival Concreto aconteceu em 2015 e contou com a participação de 25 artistas internacionais, 30 artistas nacionais, mais de 100 artistas locais (APÊNDICE D), 5 bandas, 8 oficinas, 2 seminários e o lançamento do projeto “Cine Mara Hope”, que exibiu o filme “Medo de Escuro”, do cineasta Yvo Lopes, na carcaça do navio encalhado na orla da Praia Leste Oeste.

Um dos destaques dessa edição foi a pintura da caixa d’água da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), na Praça da Imprensa, onde o artista plástico Rafael Limaverde realizou a pintura (FIGURAS 24, 25) com referência a uma obra anterior, desenvolvida trinta anos antes no mesmo local (FIGURA 23), pelo artista pernambucano José Cláudio da Silva e executada pelo artista Descartes Gadelha.

Figura 23 – Fotografia de pintura realizada pelo projeto Arte Urbana II, em 1984, na Praça da

Imprensa, em Fortaleza.

Fonte: Extraída do banco de dados do jornal Diário do Nordeste, disponível em:

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/polopoly_fs/1.14370 73!/image/image.jpg Reprodução sem fins lucrativos.

Figura 24 – Ybirá, pintura de Rafael Limaverde no II Festival Concreto, em

2015.

Fonte: Imagem de divulgação do Festival Concreto, extraída do endereço

http://www.festivalconcreto.com.br/festival/edicao -2015/ Reprodução sem fins lucrativos.

Figura 25 – Processo criativo de Ybirá, pintura de Rafael Limaverde no II Festival Concreto, em 2015.

Fonte: Documentos de Rafael Limaverde; fotografia de arquivo pessoal.

Outra atração da edição de 2015 foi o surgimento do mobiliário artístico. O projeto de nome Mobiliário Urbano foi iniciativa do idealizador do Festival, Narcélio Grud, que propôs a criação de um grupo multidisciplinar composto por designers, arquitetos e artistas para desenvolvimento de peças utilitárias a serem dispostas na cidade. Dentre as diversas ideias surgiu a instalação de peças de concreto como poltronas, bocas de lixeiras, bloquetes, jarros para plantas em forma de pé humano – intitulado pé de planta–, brinquedos e bicicletários (FIGURA 26).

Figura 26 – Mobiliário artístico instalado na 2ª edição do Festival Concreto: escultura Poltrona, escultura Pé de Planta e escultura Flora.

Fonte:Imagens de divulgação do Festival Concreto, extraídas do endereço http://www.festivalconcreto.com.br/festival/edicao-2015/ Reprodução sem fins lucrativos.

No projeto Mobiliário Urbano, a ação chamada Arquibancada do pôr do Sol foi um dos destaques dessa edição, desenvolvida no espigão da Praia de Iracema (FIGURA 27).

Foram distribuídos na extensão do espigão 80 bancos: assentos com melhor acessibilidade eram apresentados em cores brancas e amarelas, já os bancos vermelhos eram referências a pontos de difícil acesso. Além disso, a instalação apresentava adesivos com informações e instruções sobre a obra, formas de utilização e sobre o Festival. Participaram dessa primeira formação: Assis Filho (escultor), Cecília Andrade (artista, designer, arquiteta), Emiliano Cavalcante (designer e arquiteto), Davi Ramalho (arquiteto e urbanista), Deborah Lins (arquiteta e urbanista), Érico Gondim (artista e designer), George Lins (arquiteto e urbanista), Narcélio Grud (artista e designer) e Rafael Studart (arquiteto e designer).

Figura 27 – Obra Arquibancada do pôr do Sol, localizada no Espigão da Praia de Iracema.

Fonte: Imagem de divulgação do Festival Concreto, extraída do endereço http://www.festivalconcreto.com.br/festival/edicao-2015/ Reprodução

sem fins lucrativos.

Outra novidade da edição de 2015 foi a campanha Doe uma Parede. A campanha, realizada nas edições II e III, pedia a parceria da sociedade na doação de muros para o uso do Festival. A iniciativa foi divulgada através de redes sociais. Em 2015 o Festival atuou em mais ou menos 50 pontos da cidade, sendo 35 desses lugares frutos de doações, cedidos por donos de propriedades privadas. Junto com essa campanha os proprietários poderiam ceder seus muros pelo aplicativo Arte Urbana Fortaleza, que seria lançado na edição de 2015sofrendo um atraso para março de 201779. O aplicativo dispõe de um mapa de Fortaleza com os muros liberados para receber intervenções artísticas, além de possibilitar permanentemente a campanha Doe uma Parede.

Consolidando-se a cada ano, o Festival Concreto realizou sua terceira edição em 2016, contando com a presença de mais de 100 artistas locais, nacionais e internacionais.

Foram realizadas mais de 35 propostas cearenses, 25 nacionais e 14 internacionais (APÊNDICE E), além de atividades de formação, residência artística, lançamento de livro e de documentários, bazar de obras, festas, shows e a exposição Choque Cultural, que comemorava treze anos de produção gráfica e propiciou uma oportunidade de conhecer obras de artistas já consagrados na arte urbana.

A programação de abertura e credenciamento dos artistas do evento ocorreu no espaço Rogaciano Leite no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, um dos apoiadores do

79 Para mais informações, consultar: http://blogs.opovo.com.br/entreaspas/2017/03/20/cores-festival-concreto-lanca-app-arte-urbana-fortaleza/

Festival. A solenidade de abertura contou com shows e performances, além de Live Painting do artista Rafael Highraff (SP).

A Escola Amplitude de Arte Urbana, que pertence e é coordenada pelo organizador do Festival,o artista Narcélio Grud, foi um dos destaques da terceira edição. Em parceria com o Centro Cultural Bom Jardim, a escola proporcionou ações formativas como o programa Vivências Práticas de Formação, que, através de convocatória, selecionou 10 alunos para beneficiamento de uma bolsa-auxílio, além de acompanhamento por artistas nacionais e internacionais renomados no processo de aprendizado teórico e prático sobre arte urbana. graffitis, palestra com Os Gêmeos (SP), ação de mutirão do ateliê itinerante CaRUAgem que, juntamente com pessoas da comunidade, pintaram os muros da Escola Vidança no bairro Vila Velha. Ainda ocorreram ações como o debate “30 anos de Stêncil”, oficina Arte Urbana e Cidade, além de visita guiada à exposição 13 anos de produção gráfica – Choque Cultural no Festival Concreto, a discussão “Arte Urbana e Tecnologia/Atelier Compartilhado”, palestra

“Da Arte Urbana para a Arte Contemporânea”, bazar e exposição das obras dos artistas do Festival Concreto 2016 e do Choque Cultural, além da festa de encerramento.

Sobre as ações do projeto Mobiliário Urbano, que foi lançado na edição anterior, apresentou-se com uma nova formação, composta pelos artistas Darlan Lima (arquiteto e urbanista), Érico Gondim (artista e designer), Franklin Maia (designer), Karol Carvalho (arquiteta e urbanista), Lucas Rozolline (arquiteto e urbanista), Mayara de Paula (arquiteta e urbanista) e Narcélio Grud (artista, designer e organizador do projeto).

Com uma nova proposta de ação, o projeto Mobiliário Urbano se concentrou em locais mais específicos como as caixas d’água situadas no limiar entre Benfica e Centro (FIGURAS 28, 29, 30), em especial as duas antigas que não são mais utilizadas:

Este espaço foi “encontrado” durante a ação do artista espanhol E1000, na 2 ª edição do Festival, onde foi realizada uma pintura nas colunas das caixas d’água ainda em funcionamento, cedida pela Cagece. Na ocasião identificamos um lugar maravilhoso, com uma arquitetura linda e um espaço de jardins e passeios implorando por cuidados. As portas e janelas haviam sido fechadas e todo o interior estava cheio de lixo, uma estrutura degradada, onde o abandono se via por todos os lados. Após algumas visitas técnicas e muitos encontros, foi desenvolvida uma série

de ações para intervir, reciclar, reutilizar, restaurar e, principalmente, ocupar. Foi realizado um mutirão de limpeza iniciando as ações, abriram-se todas as portas e janelas que dão acesso ao espaço, foi construído um tablado aproveitado a estrutura existente, criando um espaço extra para convivência, com bancos, balanços, instalações, além de uma série de esculturas sonoras nos jardins. O artista Rafael Limaverde fez a pintura externa da casa que compõe o complexo com a obra

“Fazedor de Nuvens”... Para celebrar o espaço e abrir à utilização do público foi realizada a festa de encerramento do 3º Festival Concreto com shows musicais, performances, instalações, projeções, encontros e um novo possível.80CONCRETO:

Festival internacional de arte urbana em Fortaleza, 2017.

Figura 28 – Caixas d’água situadas no Centro da Cidade, 2016.

Fonte: Imagem de divulgação do Festival Concreto, extraída do endereço http://www.festivalconcreto.com.br/dia-11-e-as-atividades-do-festival-concreto/

Reprodução sem fins lucrativos.

80 Concreto: Festival internacional de arte urbana em Fortaleza/ Narcélio Grud. – Fortaleza: Edição do Autor, 2017.

Figura 29 – Caixas d’água durante o processo de intervenção do Festival Concreto 2016.

Fonte: Imagem de divulgação do Festival Concreto, extraída do endereço http://www.festivalconcreto.com.br/dia-11-e-as-atividades-do-festival-concreto/

Reprodução sem fins lucrativos.

Figura 30 – Caixas d’água após intervenção do Festival Concreto 2016, situadas no Centro da Cidade.

Fonte: Imagem de divulgação do Festival Concreto, extraída do endereço http://www.festivalconcreto.com.br/dia-11-e-as-atividades-do-festival-concreto/

Reprodução sem fins lucrativos.

Na edição de 2016, o Festival proporcionou alguns projetos que visavam o diálogo sobre arte urbana como a Semana do Grafite de Fortaleza (2013, 2015 e 2016), a Semana de Arte Urbana (2014, 2015), Projeto Mais Cor, Mais Amor (2013, 2014) e o Conexões Urbanas, no Centro Cultural Banco do Nordeste (2015).

Ainda com o foco nos diálogos, surgiu da parceria entre o Festival Concreto e o Centro Cultural Banco do Nordeste o projeto Conexões Urbanas, com a proposta de integração entre artistas de Fortaleza e de outros estados do Brasil. Foram realizados 6 encontros que resultaram em 6 obras de 3m x 5m cada e que permaneceram expostas nas instalações do CCBNB, localizado no centro de Fortaleza. Em cada encontro acontecia um live painting81 com um artista local em conjunto com um artista de outro estado. Participaram do projeto Filtro de Papel (CE) e Bozo Bacamarte (PE), Leo BDSS (CE) e Grupo Xicra (CE), Carlos Solrac (CE) e Eder Muniz (BA), Edim (CE) e Luna Bastos (PI), Rafael Limaverde (CE) e Hudson Melo (PI).

O Festival Concreto surgiu com a proposta de “fazer uma grande galeria a céu aberto” (GRUD, 2017), propondo “intervir, ressignificar e transformar os espaços geralmente esquecidos e em desuso social... O interesse seria fazer a cidade mais bonita, proporcionar à população o contato com grandes obras de grafite82”. Assim, esse trabalho de pesquisa trata de analisar as propostas feitas pelo Festival Concreto, compreendendo sua atuação na cidade a partir de seus discursos e como a cidade recebe suas intervenções.

81Pintura ao vivo, como é conhecida, é a expressão da improvisação performática de seus participantes e costuma acontecer em locais públicos.

82 Fala de Antônio Luciano Morais Melo Filho. Msc. História Cultural e Produtor do Festival Concreto.