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3 ENTRE MEMÓRIAS E GRAFIAS: A EDUCAÇÃO COMO UMA PERSPECTIVA

3.1 Conhecendo o eu na natureza

A primeira oficina, intitulada “Conhecendo o eu na natureza” foi realizada no dia 26 de fevereiro de 2018, durante as duas primeiras aulas de geografia do ano letivo, tendo como objetivo compreender o conceito de natureza enquanto totalidade, na qual o ser humano também está inserido.

Nesse sentido, fazendo uso da cartografia social foi solicitado aos alunos que observassem a natureza ao seu redor e a representasse num desenho. Cada um construiu a representação do que para ele seria a natureza no seu particular. A maioria (13 dos 20 presentes) buscou um conceito formal no dicionário e/ou na internet através de sites de enciclopédia livre, fato pelo qual o seguinte conceito foi identificado repetidas vezes:

A natureza, em seu sentido mais amplo, é equivalente ao "mundo natural" ou "universo físico". O termo "natureza" faz referência aos fenômenos do

mundo físico, e também à vida em geral. Geralmente não inclui os objetos construídos pelo homem.

Natureza. https://pt.wikipedia.org/wiki/Natureza acesso em 26 de fevereiro de 2018. O que curiosamente norteou o debate pós-representação, uma vez que o conceito mais adotado pela turma aborda a natureza como “o mundo natural, universo físico... que geralmente não inclui os objetos construídos pelo homem”, uma clara evidência do distanciamento entre o ser humano e a natureza. Ao mesmo tempo em que houve também aqueles que optaram por conceituar através da representação ou criaram o próprio conceito a partir do que esperam sobre o trato com a natureza, conforme descrito na representação do aluno Bruno Rayan G. Maranhão (12 anos) que chama a atenção para necessidade de cuidarmos da natureza e sua influência na nossa própria saúde.

Figura 5 – Representação da natureza no povoado Brejo. Aluno Bruno Rayan G. Maranhão, 12 anos, 2018.

Fonte: Bruno Rayan G. Maranhão, 2018.

A maioria representou a sua ideia de natureza com paisagens bonitas, bucólicas, contendo árvores, água, animais, apenas quatro representações continham a presença do ser humano ou de algum elemento que caracterize a presença da ação antrópica como componente da natureza. Na cartografia do aluno Carlos Andriel S. Fontes (12 anos), por exemplo, o Rio Piauí (Figura 6) é apresentado em seu estágio de elevada poluição nas

proximidades da Barragem Dionízio Araújo Machado (Figura 7), onde está localizado o distrito industrial do município de Lagarto, às margens do rio.

Figura 06 – Representação da natureza no povoado Brejo. Aluno Carlos Andriel S. Fontes, 12 anos, 2018.

Fonte: Carlos Andriel S. Fontes, 2018.

Figura 7 – Visão aérea da margem esquerda do Rio Piauí, Barragem Dionízio Araújo Machado, município de Lagarto/SE, 2015.

Fonte: COHIDRO, 2015.

A cartografia de Carlos (Figura 6) denuncia um problema ambiental de grande dimensão naquela localidade, demonstrando a consciência sobre a ação antrópica de degradação ao ambiente ao identificar que há algo de errado na relação homem/natureza, gerando uma conotação negativa representada por árvores cortadas, esgoto dentro do rio, uso industrial, dentre outros aspectos. Durante a apresentação da sua visão de natureza, apontou a necessidade de cuidar daquele rio, segundo ele, devido à necessidade que tem de usar a sua água que está num nível alto de poluição.

A consciência crítica foi tamanha que, ao ser questionado se bebe da água do rio, logo externou “Eca! A água da barragem, Deus me livre”. É sabido que existe um pensamento de limpar o rio para fazer o melhor aproveitamento do recurso, no qual persiste a visão dicotômica, fragmentada de limpar porque precisa usar, mas a oficina pôde, a partir desse questionamento, levá-los a repensar o que significa essa utilidade da água e instigá-los se vale a pena continuar a fazer o uso desregrado conforme já existe no perímetro, ao tempo em que devemos propor alternativas para tal transformação buscando as memórias e os laços afetivos no interior de cada um, onde o ser humano sinta-se enquanto natureza.

A figura 8 expõe outra representação de natureza consorciada ao ser humano, desta vez elaborada por Kauan dos Santos Silva (11 anos), na qual é visível que o espaço construído pelo homem está de um lado e, o que parece ser um meio natural, ainda intocado no lado

oposto, reproduzindo a ideia de natureza como o ambiente ao qual o homem não está inserido, espaço passível de dominação.

Figura 8 – Representação da natureza no povoado Brejo. Aluno Kauan dos Santos Silva, 11 anos, 2018.

Ao mesmo tempo, o aluno faz uma crítica ao avanço da ação antrópica sobre o espaço, o qual para ele é apenas da natureza física, ou seja, identifica a exploração, todavia ainda persiste na ideia de dissociação e dominação, mas configura um ponto extremamente relevante a ser discutido no debate coletivo: quem domina quem? É possível que não exista dominadores e que ambos simplesmente possam interagir recíprocamente? Daí a necessidade de trazer a concepção de uma racionalidade ambiental (LEFF, 2016) através da subjetvidade de pensar na natureza como o outro.

Ainda nesse sentido, a figura 9, grafada por Matheus S. Carvalho (12 anos) ,apresenta uma ideia semelhante a de Kauan, apresentada anteriormente, podendo corroborar com a relevância nos questionamentos, ao tempo em que existe um fator que o mesmo chamou a atenção quando retrata a presença de cercas próximas ao rio, um marco da delimitação, uma fornteira, onde há relação de poder sobre a posse do território enfatizada na cerca. Tornando- se possível identificar a ideia de natureza enquanto recurso sob a posse de alguém, na qual o ser humano se vê no direito de apropriar, comercializar e intensificar o uso.

Figura 9 – Representação da natureza no povoado Brejo. Aluno Matheus S. Carvalho, 12 anos, 2018.

Já a modesta cartografia de José Gabriel S. de Souza (12 anos), apresenta (figura 10) um forte laço de identidade com o seu espaço de vivência representando plantas, animais e pessoas vivendo harmoniosamente numa imagem bucólica, porém que retrata um vaqueiro em meio a vegetação fazendo um outro tipo de uso da água e que materializa uma porção do laço de afetividade do aluno com o seu lugar de origem, vivendo em meio ao pastoreio do gado e seu sonho de tornar-se vaqueiro em sua apresentação referindo-se à natureza como “tudo ao nosso redor”.

Figura 10 – Representação da natureza no povoado Brejo. Aluno José Gabriel S. de Souza, 12 anos, 2018.

Fonte: José Gabriel S. de Souza, 2018.

As cartografias elaboradas pelos alunos apresentaram diferentes visões de natureza, mas que se completam entre si e chamam a atenção para problemáticas importantes que caracterizam o desenvolvimento do senso crítico questionador dos alunos e, ao mesmo tempo configuram a relevância da prática das ciências ambientais na escola como necessária ao resgatar os laços de afetividade com o ambiente ao seu redor, através do estímulo ao desenvolvimento de uma subjetividade ecológica (CARVALHO, 2013), na qual os alunos podem reconhecer o seu lugar na natureza e desenvolver uma sensibilidade para a emergência no trato com as questões ambientais, visando à construção de sujeitos ecológicos, críticos e participativos na sociedade.