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Capítulo I Algumas especialidades da tradução jurídica

3.1. Conexões interfrásicas em Português

3.1.3. Conjunções, conectores e marcadores discursivos

As conjunções, conectores e marcadores discursivos são todos elementos que contribuem para a coesão textual (oral ou escrita), assegurando a interdependência semântica e pragmática entre as partes constitutivas de um texto.

As conjunções são palavras invariáveis que ligam palavras (apenas as coordenativas) ou orações (tanto as coordenativas como as subordinativas). Estas, juntamente com expressões geralmente adverbiais e preposicionais que as podem acompanhar, explicitam um determinado valor conectivo, assinalando ou exprimindo a coesão interfrásica. Além disso, as conjunções podem ocorrer isoladamente, como e, ou, mas. Quando uma conjunção coordenativa é constituída por um elemento, chama- se conjunção simples, mas quando é constituída por mais de um elemento (i.e., locução conjuncional de coordenação) e assume a forma de uma expressão descontínua, chama- se conjunção correlativa.

Tendo em conta os seus comportamentos sintácticos distintos, as conjunções podem ser divididas em coordenativas e subordinativas (Amorim e Sousa, 2013: 217):

a) Conjunções coordenativas relacionam termos ou orações de idêntica função gramatical. De acordo com o nexo semântico que estabelecem, as conjunções coordenativas ainda podem ser subdividas em (Cunha e Cintra, 1986: 576):

i) Conjunções aditivas (copulativas), que servem para ligar simplesmente dois termos ou duas orações de idêntica função (Cunha e Cintra, 1986: 576).

(1) “(...) é inevitável o aparecimento de conflitos entre vários direitos que se entrecruzam e competem entre si (...)”(Texto alvo, p. 17)

ii) Conjunções adversativas, que exprimem prototipicamente um contraste entre os membros coordenados (Matos, 2003: 566).

(2) “(...) já não tem uma natureza de defesa negativa, fundamentada no direito à privacidade clássico, mas sim uma natureza de direito de solicitação positiva.”(Texto alvo, p. 16)

iii) Conjunções alternativas (disjuntivas), que propõem uma escolha entre os termos coordenados. Se a escolha obrigar à selecção de um deles em detrimento do(s) outro(s), estamos perante disjunção exclusiva; no caso de os termos coordenados em alternativa serem compatíveis entre si, a disjunção diz-se inclusiva (Matos, 2003: 566).

(3) “(...) por forma a minimizar ou a eliminar, no âmbito de legislação, os conflitos existentes (...)”(Texto alvo, p. 22)

iv) Conjunções conclusivas, que servem para ligar à anterior uma oração que exprime conclusão ou consequência (Cunha e Cintra, 1986: 577).

(4) “Por isso, muitos países elaboram legislação sobre liberdade de informação, impondo ao governo que torne públicas, de forma adequada, as informações guardadas nos seus arquivos”. (Texto alvo, p. 17)

v) Conjunções explicativas, que ligam duas orações, a segunda das quais justifica a ideia contida na primeira (Cunha e Cintra, 1986: 577).

(5) “No entanto, os referidos diplomas legais limitam-se a apenas determinado aspecto, não existindo pois uma legislação geral que regule e proteja efectiva e eficazmente os dados pessoais.”(Texto alvo, p. 10)

O Quadro 1 abaixo ilustra os vários nexos semânticos associados às conjunções coordenativas e advérbios conectivos.28

Classificação Nexos semânticos elementares Conjunções coordenativas Advérbios conectivos tradicionalmente classificados como conjunção Copulativa adição, sequencializa- ção temporal simples correlativas e, nem não só… mas também, nem… nem, tanto… como,

não só… como Adversativa contraste, oposição mas contudo, porém, no entanto, todavia Disjuntiva alternativa simples correlativas ou

ou… ou, seja… seja, nem… nem, ora…

ora, quer… quer

Conclusiva conclusão,

consequência logo

portanto, assim, por conseguinte, por consequência, por isso

Explicativa explicação pois, que

Quadro 1: Conjunções coordenativas e advérbios conectivos para diversos nexos semânticos

b) Conjunções subordinativas introduzem sempre uma oração subordinada, ou seja, dependente estruturalmente de uma subordinante ou matriz. Esta característica distingue-as das conjunções coordenativas, uma vez que estas últimas também podem coordenar palavras.

De acordo com o nexo semântico que explicitam, as conjunções/locuções subordinativas que introduzem orações adverbiais podem ser classificadas em temporais, finais, causais, concessivas, condicionais, comparativas e consecutivas (Ferramentas para a Língua Portuguesa (FLiP) online, Priberam, https://www.flip.pt/FLiP-On-line/Gramatica/Morfologia-Partes-do-

discurso/Conjuncao):

i) Conjunções temporais:

(6) “(… ) quando um determinado direito fundamental exercido por um titular do direito está em conflito com outro direito fundamental exercido por outrem, é considerado um conflito de direitos real (… )”(Texto alvo, p. 16)

ii) Conjunções finais:

(7) “Na ordem jurídica vigente em Macau, o principal objectivo do registo de transacções de imóveis e de direitos prediais é a publicidade da situação jurídica dos imóveis, para que sejam assegurada a segurança das transacções.”(Texto alvo, p. 20)

iii) Conjunções causais:

(8) “A par disso, uma vez que a tecnologia da informação tem

características e complexidades próprias, os ajustamentos legislativos relativos à protecção de dados pessoais são abrangentes, essenciais, complexos e inconstantes, pelo que é necessário assegurar-se mos uma regulamentação adequada e protecção equilibrada(… )”(Texto alvo,p.11)

iv) Conjunções concessivas:

(9)“Embora parecidos, os dois são diferentes quanto ao objectivo.” (Texto alvo, p. 18)

v) Conjunções condicionais:

(10) “Na sociedade de hoje, se faltar uma garantia legal plena e uma protecção concreta e efectiva dos dados e informações pessoais, uma série de direitos fundamentais relacionados com a dignidade humana e o desenvolvimento liberal da personalidade, (… ) serão severamente ameaçados e prejudicados.” (Texto alvo, p. 8)

vi) Conjunções comparativas:

(11) “Apenas os sócios ou membros do empresário comercial, pessoa colectiva, os titulares de órgãos sociais, assim como as pessoas devidamente mandatadas podem solicitar a emissão de certidões ou informações escritas (… )”

(Texto alvo, p. 22)

vii) Conjunções consecutivas:

(12) O registo de transacções de imóveis e de direitos prediais publicita a situação jurídica dos imóveis, de forma que garante a segurança das transacções. (adaptado do texto alvo, p. 20)

O Quadro 2 abaixo apresenta os vários nexos semânticos associados às conjunções subordinativas e locuções conjuncionais subordinativas (adaptado de Amorim e Sousa, 2013: 222-223):

Nexos semânticos Conjunções subordinativas

Locuções conjuncionais subordinativas

Temporal quando, mal, enquanto,

apenas

agora que, desde que, antes que, assim que, logo que, depois que, até que, sempre que, todas as vezes que, cada vez que, antes de, depois de

Final que (= para que)

para que, a fim de que, de modo a que, de maneira a que, a fim de (+ inf.)

Causal porque, como, visto

(+ inf.), dado (+ inf.)

pois que, uma vez que, visto que, já que, dado que

Concessivo embora, conquanto,

que, malgrado

ainda que, mesmo que, mesmo se, posto que, (se) bem que, nem que, por mais que, por menos que, não obstante

Condicional se, caso desde que, contanto que, salvo se, a menos que, a não ser que

Comparativo

(do) que, qual (depois de tal), quanto (depois de tanto), como

assim como, bem como, como se, que nem

Consecutivo que de forma que, de maneira que,

de modo que, de sorte que

Quadro 2: Conjunções subordinativas e locuções conjuncionais subordinativas para diversos nexos semânticos

Deve-se referir ainda que os conectores englobam elementos linguísticos pertencentes a diferentes classes de palavras, nomeadamente conjunções, advérbios ou interjeições. Desempenham também a função de conectores palavras ou expressões que asseguram uma ligação significativa entre enunciados, especificando o tipo de conexão existente entre eles (e.g., causa, tempo, contraste, entre outros), sendo estes elementos pistas linguísticas que guiam a interpretação do leitor ou do ouvinte. O uso correcto dos conectores permite, assim, uma maior coesão textual e facilita a compreensão global do texto.

Apesar de conjunções e conectores parecerem conceitos semelhantes, há diferenças formais importantes entre eles: embora as conjunções coordenativas possam ser consideradas como uma subclasse específica de conectores, nem todos os conectores que surgem em estruturas de coordenação são conjunções (Matos, 2003: 559). Os conectores, sendo expressões de um âmbito mais geral do que as conjunções, ocorrem tanto em domínios de coordenação como de subordinação.

Segundo Lopes (2010: 246), “Os conectores devem ser entendidos como marcas de relação de sentido entre segmentos textuais, mas sempre em interface com os valores temporais (e modais) expressos pelos seus núcleos verbais”. Assim sendo, na análise do uso de conectores, é necessário ter em conta também o tempo e modo verbais porque a combinação entre um determinado conector e o tempo / modo verbal selecionado determina a interpretação de enunciado.

Apresenta-se a seguir um quadro sinóptico das conexões paratácticas, indicando, para cada nexo semântico, as conjunções coordenativas ou os conectores paratácticos mais frequentemente usados:

Nexos semânticos Conjunções coordenativas Conectores adverbiais e preposicionais

Adição

simples correlativas

adicionalmente, finalmente, em seguida, por fim, em primeiro lugar, por um lado, por outro lado, etc.

e, nem não só… mas também, nem… nem, tanto… como, não só… como Enumeração e

ainda, também, do mesmo modo, pela mesma razão, para além do mais, além disso, igualmente, etc.

Síntese

assim, em conclusão, em suma, em síntese, em resumo, etc.

Disjunção

simples correlativas

alternativamente, das duas uma, etc. ou ou… ou, nem… nem, our… ora, quer… quer, seja… seja Confirmação e

na realidade, com efeito, efectivamente, de facto, na verdade, etc.

Conclusão logo assim, em conclusão, logo,

etc.

Sequencialização

temporal e

antes, entretanto, em seguida, seguidamente, durante, então, depois, posteriormente, etc.

Inferência e (inferencial)

assim, então, deste modo, portanto, por isso, consequentemente, daí, logo, pois, em consequência, por conseguinte, por esta razão, etc.

Contraste mas

porém, mais correctamente, todavia, contrariamente, pelo contrário, por oposição, em vez de, ainda assim, apesar de, contudo, mais precisamente, no entanto, mesmo assim, etc.

Explicitação/

particularização pois, que

especificamente, quer dizer, ou seja, tais como, isto é, por exemplo, nomeadamente, em particular, etc.

Quadro 3: Conjunções coordenativas e conectores paratácticos mais usados para diversos nexos semânticos

Apresentam-se de seguida exemplos de alguns29dos nexos semânticos indicados no quadro acima:

(i) Adição

(13) “Forma-se uma relação triangular entre o titular de dados, o governo e o público, constituída, por um lado, (… ) e, por outro lado, (… )”(Texto alvo, p. 19)

(ii) Enumeração

(14) “Para além disso, o objecto do acesso no direito à informação do público é principalmente (… )”(Texto alvo, p. 20)

(iii) Disjunção

(15) “Por fim, se a dignidade humana, o mais valioso de todos os direitos, for também prejudicada ou até perdida,(… )”(Texto alvo, p. 9)

(iv) Confirmação

(16) “De facto, o direito aos dados pessoais (… )”(texto alvo, p. 13)

(v) Sequencialização temporal

(17) “Posteriormente, o direito à privacidade foi estabelecido”(texto alvo, p. 13)

(vi) Inferência

(18) “Daí ter aparecido no início, nos Estados Unidos, a exigência de conferir às pessoas o direito à privacidade”(texto alvo, p. 13)

(vi) Contraste

(19) “Todavia, devido ao facto de a aplicação da tecnologia da informação à realidade ser muito ampla, os dados pessoais são tratados por meios informáticos” (texto alvo, p. 11)

(vii) Explicitação/particularização

(20) “(… ) vários tipos de direito e interesse reivindicados coexistem, (… ), especificamente, interesses particulares e públicos (… )”(texto alvo, p. 16)

No entanto, Lobo (2003: 114) chama a atenção para a polissemia de alguns conectores, afirmando que “Em português, constatamos que a maioria dos conectores é monovalente (e.g. porque, logo que...) e que apenas alguns conectores podem ser polivalentes.”Por exemplo, conectores polivalentes são uma vez que, que tanto pode ser temporal como causal, e como, que veicula informação de modo, causa e conformidade (cf. exemplos (21) - (23), do texto alvo).

(21) “Como se decide a prevalência dos dois, no caso concreto, por forma a resolver conflitos, constitui uma questão relevante (… )”(texto alvo, p. 19) — > Modo

(22) “Como se sabe, o objecto do direito à informação do público é (… )” (texto alvo, p. 19) — > Causa

(23) “A este respeito, tal como em qualquer direito e correspondente sistema de protecção (… )”(texto alvo, p. 12) — > Conformidade

Como é de prever, esta polissemia ao nível dos conectores gera inevitavelmente ambiguidade. Situações semelhantes acontecem também com as conjunções30.

30Cunha e Cintra (1986: 586), após a classificação das orações subordinadas adverbiais, tecem o seguinte

comentário a respeito da ‘polissemia conjuncional’: “Algumas conjunções subordinativas (que, como,

porque, se, etc.) podem pertencer a mais de uma classe. Sendo assim, o seu valor está condicionado ao

contexto em que se inserem, nem sempre isento de ambiguidade, pois que há circunstâncias fronteiriças: a condição da concessão, o fim da consequência, etc.”

Van Dijk (1988: 83) designa a coesão interfrásica por “conexão”. No entanto, o autor entende que a conexão não implica a presença obrigatória de um conector31, porque, por vezes, as orações podem estar ligadas sem terem a presença explícita de conectores. Do mesmo modo, nem sempre o uso de conectores faz com que as orações estejam “conectadas”.

Relativamente aos marcadores discursivos, englobam-se vários elementos linguísticos que não desempenham qualquer função ao nível da frase, mas permitem estabelecer conexões entre enunciados, de modo a construir um discurso coeso e coerente.32O emprego dos marcadores discursivos orienta a interpretação do leitor / ouvinte e organiza o discurso, permitindo nomeadamente, tal como já se referiu acima, (i) ordenar a informação (ou seja, funcionam como estruturadores da informação):

por um lado, por outro lado, em primeiro lugar, para concluir, etc.

(ii) reformular o enunciado, explicando-o ou rectificando-o (i.e., são reformuladores): ou seja, isto é, quer dizer, por outras palavras, ou melhor, pelo que referi anteriormente, etc.

(iii) reforçar e concretizar ideias (i.e., operadores discursivos): de facto, efectivamente, na verdade, por exemplo, mais especificamente, etc.

(iv) gerir a relação interlocutiva (i.e., marcadores conversacionais): ouve, olha, presta atenção, etc.

(Adaptado de Amorim e Sousa, 2013: 75)

31É apresentado pelo autor um exemplo que ilustra essa situação: “Amsterdam es la capital de Holanda.

Tiene 800.000 habitantes.”(van Dijk, 1988: 84) Neste exemplo, o sujeito nulo da oração ‘tiene 800.000 habitantes’assegura a relação com a frase anterior, referindo-se a ‘Amsterdam’.

32Os conectores “São uma classe de marcadores discursivos, que ligam um enunciado a outro enunciado

ou uma sequência de enunciados a outra sequência, estabelecendo uma relação semântica e pragmática entre os membros da cadeia discursiva, tanto na sua realização oral como na sua realização escrita. (… )”

Marcadores discursivos Exemplos Temporais

(indicam relações temporais entre as frases ou orações)

quando, enquanto, por fim, depois, em seguida, antes, entretanto, então…

Contrastivos ou contra- argumentativos (indicam relações de

oposição)

mas, embora, no entanto, apesar de, pelo contrário, contrariamente, por oposição...

Aditivos

(acrescentam informação)

e, também, além disso, mais ainda, igualmente, do mesmo modo, pela mesma razão, adicionalmente, ainda…

Explicativos e conclusivos (indicam uma relação causa-

efeito)

Porque, por isso, consequentemente, pois, portanto, logo, por conseguinte, por esta razão, deste modo, então, de maneira que…

Confirmativos/

Exemplificativos por exemplo, de facto, efectivamente, com efeito… Reformulativos quer dizer, ou seja, isto é, por outras palavras…

Síntse / conclusão em resumo, em suma, concluindo, para concluir…

Alternativos Ou, alternativamente, em alternativa…

Quadro 4: Valores dos principais marcadores discursivos

(Amorim e Sousa, 2013: 76)

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