• Nenhum resultado encontrado

A CONQUISTA DO PODER E A JUSTIÇA SOCIA L

Antes de deixar definitivamente o assunto tratado nos precedentes capítulos, queremos acrescentar alguns conceitos que continuam desenvolvendo o tema da Lei, num seu aspecto diferente, isto é, a respeito das conseqüências da conduta humana no

terreno histórico-social da posse do poder e do uso e abuso da função de comando, problema dos mais interessantes para o mundo atual, a demonstrar-nos o alcance universal dessa mesma Lei.

Continuaremos usando o mesmo método dos capítulos anteriores. Quando se trata do problema da conduta humana, é fácil cair no erro comum daqueles que, pregando virtudes, em nome dos santos princípios por eles defendidos, acusam; condenam e se deixam arrastar pelo desejo de perseguir o próximo. Isso é devido, sem querer, ao natural instinto de agressividade que o homem teve de desenvolver na sua luta pela vida, porque esta é a lei do seu plano, levando cada um a esmagar os outros para subjugá-los. Esta é uma das muitas ilusões psicológicas, de que já falamos, e às quais o homem muitas vezes obedece, sem suspeitar de seu papel - ele é apenas seguidor de uma lei do seu nível evolutivo. Como não aproveitar tão bela oportunidade de desabafar o próprio instinto de agredir para dominar, tanto mais quando isto se pode fazer em nome dos mais altos ideais, cobrindo-se do manto das mais nobres finali- dades? Por isso, procuramos seguir um método diferente,que não é o de condenar, colocando-nos na cátedra do juiz, método que o Evangelho desaprova quando nos diz:

"não julgueis".

Como há pouco dizíamos, nossa tarefa não pode ser a de constranger, porque não possuímos nem poder nem autoridade alguma. Temos, antes de tudo, de respeitar a liberdade dos outros. Cada um é dono de si mesmo e de fazer algo de sua preferência. Tudo o que podemos fazer é explicar como funciona a Lei de Deus e quais são, para nós todos que estamos nela mergulhados, as conseqüências dos nossos atos, pois é com estes que cada um automaticamente premia ou condena a si mesmo. O julga- mento e execução desses atos estão contidos na Lei e se realizam fatalmente, sem possibilidade de escapatórias. Por isso, não nos cabe nem sequer julgar. Tudo que podemos fazer é expor o que temos de recolher como inevitável conseqüência dos nossos atos, convidando a todos a julgarem-se a si mesmos.

Como já foi explicado anteriormente, nos caps. XVII, XVIII e outros deste volume, a Lei deixa o homem, ainda não evoluído bastante, lutar para chegar ao poder, concedendo-lhe a possibilidade de funcionar com a sua psicologia egocêntrica, a qual lhe permite acreditar que a conquista do poder significa, antes de tudo, uma vantagem para si. Quando o homem, vivendo nesse plano evolutivo, chega ao poder, no mais vasto sentido de forma e domínio social, é lógico e também justo, em seu nível de vida, que ele use sua posição no poder conforme sua forma mental (porque outra ele não possui), isto é, dominando e explorando para tirar proveito pessoal. Esta é a forma mais involuída, usada pelos poderosos, correspondente ao estado primitivo, seja do chefe, seja dos seus subordinados. A Lei permite tudo isto, porque esta é a realidade e a maneira de conceber nesse plano de evolução, plano que ele ainda não conseguiu ultrapassar. Quem alcançou a posição de chefe não a recebeu de graça, mas teve de lutar para chegar até aí, vencendo seus rivais, e teve de enfrentar perigos e fazer esforços para desenvolver sua força e inteligência. Ora, é justa e merecida sua con- quista. E a vantagem pessoal usufruída por ele representa a devida retribuição de seu trabalho, a justa mercê que lhe pertence. Se não houvesse esse prêmio, ninguém nesse nível de vida faria o trabalho de conquistar o poder e de desempenhar as obrigações a ele inerentes.

Até esse ponto tudo está bem equilibrado em seu devido lugar. O chefe é o mais forte e mais astuto. Isto, em seu plano, lhe confere o direito de ser chefe. Direito reconhecido, também, pelos seus subordinados, possuidores da mesma forma mental. Mas, até quando dura tudo isso? Se a posição se baseia na força e na astúcia, ela vai durar enquanto houver força e astúcia. O chefe tem de provar isso a todo momento, pois todos os que são dominados e rivais, tendo a mesma forma mental, estão prontos a agredido, para apoderar-se do poder. Todos: estão mergulhados na mesma atmosfera

de luta e mesmo se o chefe não quisesse usar esses métodos, os subordinados o constrangeriam. São eles os primeiros a exigirem da parte do chefe esse tipo de poder, muito embora não correspondente à função de cérebro diretor de uma sociedade orgânica, a qual espontaneamente, para sua vantagem, deve reconhecer no seu chefe o cérebro cumpridor de uma função de interesse coletivo. Nos planos inferiores,quando um chefe não mostra sua força, são os próprios subordinados, antes constrangidos à obediência, que o eliminam. A toda hora ele tem de dar provas de saber dominar e ser o mais forte.

Esta é a justiça do seu mundo. Neste, um santo não pode ser chefe, porque não pertence ao nível evolutivo da maioria, não possui a forma mental desta, nem usa os métodos de domínio que esta pode compreender e exige. O método da consciente e espontânea obediência não pode ser entendido e praticado num mundo onde o poder é respeitado, não porque representa uma função, mas porque é defendido somente pela força. Neste mundo, os subordinados obedecem só até quando o chefe possui força para sujeitá-los. Num tal ambiente de luta de todos contra todos, os subordinados, sejam súditos ou criados, ficam à espera de que esta força falte ao chefe. Isto para, ao seu primeiro sinal de fraqueza, tirar-lhe o poder das mãos e apoderar-se da sua posição de domínio a fim de substitui-lo. Usam-se, assim, a mesma psicologia e métodos do plano de vida, repetidos por eles próprios, seja na posição de chefes, seja na de dominados.

Esta é a realidade que se encontra na prática, atrás de todas as teorias. A primeira função do poder é a de demonstrar-se poderoso: Os homens chegaram assim a governar em nome de Deus, intitulando-se representantes d'Ele, por direito divino, porque Deus é o mais poderoso. Repetimos a pergunta: mas até quando irá durar tudo isso? Temos visto quais são os alicerces sobre os quais se baseia essa posição de do- mínio. De fato, tratando-se de um plano inferior de vida, quem nele vive não pode deixar de ficar sujeito as ilusões que lhe são relativas. A ilusão consiste no fato de que esse tipo de homem não conhece o jogo que está jogando. Ele acredita que a vitória seja unicamente para sua vantagem. A vitória, porém, é uma miragem sem duração, útil apenas porque o impulsiona à experiência e, assim, ele avança no caminho da evolução. A Lei movimenta estas alavancas para abalar o indivíduo, porque somente a estas ele responde. E acontece que o homem, para conquistar e manter sua posição de comando, para desempenhar compromissos que essa posição impõe, tem de fazer esforços na luta, tem de pôr em ação suas qualidades para adestrar cada dia mais sua inteligência.

Como se vê, o jogo real das leis da vida é diferente do que aparece por fora. Em substância, esta é a realidade: a evolução quer ascender de um degrau para outro. Quando o ser atingir determinado nível evolutivo, deve elevar-se ao seguinte. Como acontece isto? Nesse degrau superior a posição de chefe não pode existir para sua vantagem pessoal, mas justifica-se apenas enquanto se torna função de utilidade coletiva, missão social. Para o chefe involuído isso é inconcebível. Se, às vezes, ele chega a sustentar essa idéia, tudo não passa de palavras em que ele não acredita, de astúcia para dominar melhor. Este é o tipo do Príncipe, de Maquiavel. E ele não pode deixar de aprender a nova lição, tal como a evolução exige. Mas, quem vai ensinar- lhe?

Temos visto como a Lei não se manifesta diretamente. Neste caso, ele intervém, encarregando dessa tarefa outros elementos, a funcionarem como seus instrumentos. Vejamos então o que acontece. O chefe domina os seus subordinados, sujeitos a sua vontade. É lógico: enquanto existam ovelhas inexperientes, sem conhecimento, precisando de pastores, estes aparecem para dirigi-las. Mas, é lógico também que, neste nível, eles apareçam para explorá-las. Isto continuará acontecendo enquanto as ovelhas necessitarem de pastores. Mas, aqueles que ficaram dependentes, possuindo a

mesma forma mental, estão ansiosos por imitar seu chefe. Ficam olhando o que ele faz, que eles bem compreendem1 mesmo porque o peso da exploração escravizadora é

duro. Entretanto, o sofrimento vai desenvolvendo a inteligência deles. A opressão do chefe se transforma para eles numa escola, na qual os reduzidos à obediência vão estudando para chegar aos mesmos resultados de vantagem atingidos por quem os domina,aprendendo, nessa escola, a usar os mesmos métodos do sucesso: os da força e astúcia.

Assim, os subordinados ficam cheios de inveja e cobiça, esperando o momento de fraqueza do chefe e qualquer oportunidade que os favoreça para agredi-lo com a força e traí-lo com a astúcia. O próprio chefe não pode estar isento das conseqüências do seu método, não pode deixar de ficar sujeito as leis do sistema usado por ele, as do plano de vida onde todos vivem, chefe e subordinados. Os comandados estão sempre olhando os defeitos e erros do chefe para tirar proveito, usufruir vantagem, com objetivo de furtar-lhe os frutos da sua vitória, e, por sua vez, vencer, substituindo-o na tão almejada posição de domínio.

Os que tiveram de obedecer tudo isso aprenderam na escola do chefe. Agora eles vão ensinar ao mestre. Observaram o suficiente, e acabaram por se dar conta do que se acha atrás dos bastidores das bonitas teorias do domínio em nome de Deus, do direito, da justiça, para o bem do povo e do progresso do mundo etc. E por muito andarem nesse caminho, descobriram uma verdade diferente - a da luta pela vida - na qual o mais forte vence para atender ao seu interesse, posição aberta a qualquer um, logo que dê prova de ser o mais forte.

Quando a maioria chega a desenvolver sua inteligência até esse ponto, então caem as barreiras do mito, da fé cega, do medo do desconhecido, da ignorância, com que os chefes procuram acalmar a natural rebeldia do homem Aparece, então, nua e crua a realidade biológica, a das duras leis da vida. E quando os povos chegam a perceber que os chefes têm direitos porque souberam conquistá-los com força e astúcia, então esses povos compreendem também, pela mesma lei, que não poderão ter direito se não souberem conquistá-los com o mesmo método. E assim se inicia, através de um amadurecimento natural, o lento pressionar da reação, até estourar na revolta, onde os rebeldes imitam o método dos seus chefes, método que os conduziu à vitória.

Podemos ver, desta maneira, como a Lei automaticamente realiza sua justiça, utilizando elementos diferentes, colaborando todos para o mesmo objetivo, a evolução comum. Assim, se a opressão dos chefes gera a dor nos que a ele estão sujeitos, nestes ela acorda a inteligência que os fará vencedores. Assim, a posição de dominantes e dominados é posição percorrida por todos, para que todos aprendam na mesma escola a mesma lição. Esclareceremos ainda melhor estes conceitos, com exemplos, no capítulo seguinte.

XXIV