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5. CAPÍTULO IV A NATUREZA DA EDUCAÇÃO QUE EMANCIPA

5.3. A CONSCIÊNCIA CRÍTICA NA EDUCAÇÃO FÍSICA

É preciso lembrar que a ciência pode ser desenvolvida (considerando as distintas e específicas áreas do conhecimento) de maneira autônoma e aberta. Salvo as exceções, pode-se notar que há áreas da ciência que em vez de buscar pela abertura dessa referida autonomia, mostram-se cada vez mais dependentes das diferentes composições ligadas ao capitalismo; ao

misticismo; ao mercado128; as tendências imigrantes, ou, o que é pior, a todo esse conjunto agregado.

Ora, o que tende a caracterizar uma boa pesquisa (ou o seu caráter premente, portanto inadiável) é não somente o fato de que ela pode resolver um problema (sobretudo se a pergunta for relevante), mas também o fato de buscar compreender e, se possível, dar respostas às demandas (humanas, ecológicas, sociais, políticas, etc.) ainda não resolvidas. Pode-se dizer que esses fatores precisam ser analisados com mais critério pois há muita discussão sobre as vantagens e desvantagens dos financiamentos de pesquisa no mundo129, talvez um possível levantamento

estatístico sobre tal questão possa oferecer mais transparência para esse problema.

O enfraquecimento da autonomia dos sujeitos e o controle – inclusive – dos seus deslocamentos e desejos lançam os homens no redemoinho do condicionamento espiritual e cultural que só tem espaço no mundo administrado do qual se exerce múltiplas influências, principalmente porque:

“A indústria cultural, como parte integrante e inseparável das modernas sociedades, torna os indivíduos cada vez mais incapazes de desenvolver uma forma autônoma de pensamento, fazendo-os depender, sistematicamente, do desenvolvimento de processos sociais gerados em outras esferas, em relação aos quais não têm condições de exercer nenhuma influência” (PALANCA, 2001, p. 51).

Sobre essa forma autônoma de pensamento paira uma questão espinhosa para a ciência hoje. Esse debate tem crescido em importância no Brasil, pois foi possível notar com veemência que algumas pesquisas feitas no país não atendem diretamente os interesses públicos, mas sim os interesses privados, o que indica uma possível ausência de autonomia por parte daquele que propõe o objeto de pesquisa. Ora, já foi dito que “O interesse que cega a uns dá luz a outros” (aforismo

128 No caso da educação física, um bom exemplo é o espírito fitness do momento. Algo que se renova (geralmente) de

fora para dentro, ou seja, seguindo as tendências do que se estabelece fora do país.

129 Sugerimos a leitura de (MARQUES, 2016), pois o autor aponta como os diversos tipos de impactos no

financiamento de pesquisas sugerem que as controvérsias sobre financiamento de pesquisa necessitam de melhores dados, pois o problema “demanda classificações bem mais complexas do que as duas categorias, pesquisa básica e pesquisa aplicada, têm a oferecer” (MARQUES, 2016). O autor ainda aponta como e quando nasceu as controvérsias sobre financiamento da pesquisa, sobretudo dos financiamentos públicos que Ronald Reagan em 1967 chegou a questionar sua necessidade, concluindo que para “resolver problemas orçamentários”, seria preciso cessar o

financiamento de pesquisa que alimentava apenas a “curiosidade intelectual”. Em tempos de crise financeira, não é

difícil imaginar que as demandas por pesquisas que não agregam retornos imediatos no pós-pesquisa, terão mais chances de serem classificadas apenas como mera “curiosidade”, sobretudo quando o que é utilitário e imediato se sobrepõe.

40). (LA ROCHEFOUCAULD, 2014, p. 16), então, é de se perguntar se os próprios critérios de seleção hoje (incluindo aqueles que tratam diretamente do financiamento das pesquisas) acercam- se da importância de ceder autonomia ao pesquisador (mesmo que indagado de sua utilidade ou inutilidade), ou se visa às finalidades econômicas diretas do retorno empreendedor. Talvez por isso os pesquisadores de boa parte das universidades e faculdades no Brasil (levando em consideração as áreas distintas) percebem-se explorados por algum setor produtivo, não conseguindo alcançar – na profissão projetada de modo estrutural – o valor da autenticidade oriunda das indagações e suas urgências.

Nessas horas, vale relembrar do último parágrafo de um importante ensaio de Immanuel Kant: Que significa orientar-se no pensamento? Nesse arremate o autor quer alertar sobre alguns perigos que vêm com o “tempo” e arrancam do homem “toda autoridade”, ou melhor, “determina”, por assim dizer, “a maneira de pensar” absolutamente e decididamente “livre” (livre-

pensamento), e o tempo o faz de um modo peremptório. Daí a conclusão do autor:

Amigos do gênero humano e daquilo que lhe é mais sagrado! Admiti aquilo que depois de cuidadoso e honesto exame nos pareça mais digno de fé, quer se trate de fatos quer sejam princípios da razão. Somente não contesteis à razão aquilo que faz dela o supremo bem na terra, a saber, o privilégio de ser a definitiva pedra de toque da verdade. Caso contrário, indignos desta liberdade, certamente também a perdereis, e esta infelicidade arrasta além disso ainda os restantes membros inocentes da sociedade, que, se não fosse isso, estariam dispostos a se servirem legalmente de sua liberdade e a contribuírem convenientemente para a melhoria do mundo”. (KANT, 2010a, 61-2).

Embora seja bastante complexo essa relação hodierna entre mercado e academia, isso pode ser verificado de diversos modos, a saber, na análise de um conjunto de trabalhos produzidos por docentes a partir de suas pesquisas de pós-graduação; ou no discurso que alguns professores propõem em suas aulas e debates; na maneira como os cientistas acatam ideias e tendências oriundas de outras culturas; ou seja, é possível encontrar diferentes maneiras para que possamos constatar a presença ou a ausência de autonomia acadêmica em alguma área do conhecimento. De acordo com uma produção docente é possível também compreender que os referenciais que norteiam uma parte das pesquisas tendem a variar em diversos sentidos, mas geralmente são atraídos para áreas temáticas mais pesquisadas.

Esses referenciais podem trazer alguns aspectos que são mais pessoais do pesquisador como podem também apresentar aspectos filosóficos que mantêm uma certa neutralidade dentro

de sua atuação sistêmica (ontológica e epistêmica) de interpretação, porém, e aí reside o lado perverso em boa parte desses trabalhos, podem revelar uma certa ameaça que torna as conclusões e pensamentos, presentes na pesquisa, meros quantitativos com pouca legitimidade e importância real para os resultados, o que termina por refletir (nas consequências indiretas, inclusive) conclusões que participam de outros contextos (as vezes de outros países e outras culturas) em prejuízo da realidade presente (e talvez premente, seja regional ou local).

Ora, se podemos concordar que, às vezes, não sobra muito espaço para caber todos os nossos desejos de transformação social, talvez pela mesma razão de que, no modelo capitalista “Não temos força suficiente para seguir toda a nossa razão” (aforismo 42). (LA ROCHEFOUCAULD, 2014, p. 16), então resta perguntar o que faz com que determinadas cátedras e suas pesquias (às vezes distanciadas geograficamente) sejam mais prestigiadas (na aceitação dos resultados que orientam alguns cientistas hoje) do que outras que estão mais próximas? Pois talvez aí seja possível entender os motivos do valor creditado à algumas tendências em determinadas pesquisas. Por exemplo, os motivos de determinadas tendências no esporte (sobretudo as que são atinentes ao esporte de auto rendimento) se tornarem mais urgentes do que a necessidade de pesquisas que possam emergir do contexto social e regional próprio do pesquisador, incluindo as contradições concernentes à condição socioeconômica de boa parte da população vizinha (tanto do local quanto das proximidades da sua região geográfica), de modo que possa gerar alguma contribuição local direta.

Essa é uma pergunta que pode ser feita (hoje) aos pesquisadores da educação física, pois será que – nessa área do conhecimento – isso se constituiu de maneira natural ou foi produzido a partir da necessidade de eleger pesquisas de outros departamentos (de outros países) como ideal para fundamentar os avanços no esporte ou a melhoria da atividade física? Em que medida a pesquisa – seja em qualquer área do conhecimento – vem ganhando espaço e autonomia para a produção de um trabalho autêntico e de acordo com a realidade social do pais em que o pesquisador trabalha? Como se apresenta o arranjo geral dessas pesquisas? Em que direção elas apontam hoje e o que esperar da militância nessa área do conhecimento130?

130 Pensando nessa direção, podemos lembrar de um ensaio de Fichte: destino do sábio. Embora nesse texto o autor

faça referência ao douto cientista, e, todavia, após alguns naufrágios da ciência no decorrer da história, podemos lembrar, nessas palavras, a força da militância (daquele pesquisador) que compõe o seu lugar nessa luta. Nessa “quarta lição” de sua obra (Lições sobre a vocação do sábio) se pode encontrar o alento para aqueles que ainda acreditam que a ciência – de hoje – pode se libertar das “amarras” do mercado e apostar na sua própria autonomia. Diz o autor:

Não se trata apenas de procurar pistas para responder a essas questões, seria preciso ainda uma ampliação da área que realiza investigações sobre essas tendências em pesquisas sobre desporto. Todavia, podemos – a princípio – entender que se houve um processo de mudança na esfera da vida privada (bem como da vida pública) com a força que o molde capitalista originou para um reservado espaço da vida acadêmica, não seria repentino pensar o acompanhamento de uma certa constituição no modo gradual e repetitivo das pesquisas como mais um setor produtivo que se assemelha ao processo material de produção. Esse problema pode ter gerado novas diretrizes para os pesquisadores de modo, por assim dizer, detalhado em sua metodologia. Com isso, percebe-se que o universo da pesquisa moderna acolhe algumas propriedades e aportes para a ciência que – aqui e acolá – transparecem em diferentes pesquisas. Em um fragmento de Adorno, exposto na dedicatória da obra Mínima Moralia, se pode imaginar de que modo esse fato pode ter ocorrido na ciência em geral.

Aquilo que a ‘vida’ significava outrora para os filósofos passou a fazer parte da esfera privada e, mais tarde ainda, da esfera do mero consumo, que o processo de

produção material arrasta consigo como um apêndice sem autonomia e sem substância própria. Quem quiser saber a verdade acerca da vida imediata tem que

investigar sua configuração alienada, investigar os poderes objetivos que determinam a existência individual até o mais recôndito nela. [...] A relação, porém, entre a vida e a produção, que rebaixa realmente aquela a uma efêmera manifestação desta, é em tudo absurda. (ADORNO, 1992, p. 7). (grifo nosso).

Ora, isso não nos furta a necessidade de também pesar, em nossa proposta de pesquisa, naquilo que ela possa ter de alienação. Por isso, nosso intuito é nos juntarmos a outras propostas críticas de modo que se possa descortinar os pressupostos que mantêm viva uma possível configuração dessa mesma crítica. E podemos começar isso pelo processo moderno que formou uma nova espécie de racionalidade, pois as novas configurações do mundo moderno, suas definições e suas sucessivas mudanças requerem não apenas a atenção do pesquisador, mas também uma dose extra de coragem, e porque não dizer: de um pouco de perspicácia.

“Confesso de bom grado que, deste ponto, onde a Providência me colocou, gostaria de contribuir um pouco para propagar em todas as direções onde se fala a língua alemã, e mais longe, se eu pudesse, um modo de pensar mais viril, um sentimento mais forte para a sublimidade e a dignidade, um ardor mais inflamado de cumprir a todo o custo o seu destino; a fim de que um dia, depois de abandonardes estas regiões, e vos terdes dispersado por todas as fronteiras, eu saiba que, nos confins onde viverdes, há em vós homens que tem a verdade por amiga de eleição; que lhe são dedicados na vida e na morte, que a recebem, se for proscrita de todo o universo; que abertamente a defendem, se for caluniada

e difamada; que alegremente suportam por ela o ódio astutamente dissimulado dos grandes, o sorriso insípido do louco ou o abanar de ombros compassivo do pequeno espírito. Com este intuito, disse o que disse e, com este objetivo

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