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4.2 O CONHECIMENTO GEOMÉTRICO DOS PROFESSORES

4.2.1 Consciência do não saber

Por meio da análise do discurso dos professores, foi possível perceber o quanto eles têm clareza de que lhes faltam conhecimentos para que possam bem ensinar geometria a seus alunos.

“... é a falta de conhecimento, a minha falta de conhecimento, o embasamento, porque tá distante, eu posso passar a aprender com eles (os alunos), mas eu tenho que ter pelo menos algumas questões pra começar a pensar com eles. Se eu não tiver, eu não tenho nem como provocar eles” (Professor E – pré- entrevista).

Para Pain (1988), o professor é o responsável por proporcionar situações de aprendizagem que levem os alunos a construírem seus conhecimentos. Sendo assim, para que o professor seja capaz de encontrar a situação adequada para trabalhar com os conceitos que deseja ensinar a seus alunos, é necessário que ele tenha conhecimentos destes conceitos. Dessa forma, ele consegue fazer a transposição didática, que, de acordo com Vergnaud (2005) é o mais significativo. Além disso, Vergnaud (2005) aponta para a necessidade de se conhecer a didática, especificamente sobre o que se quer ensinar, ou seja, quais são as estratégias que serão utilizadas para levar o aluno a alcançar as competências que dele se espera. Então, conhecer o que se quer ensinar é importante e, além disso, é importante saber como ensinar.

4.2.1.1 Formação deficitária

Todos os professores atribuíram a falta de conhecimento sobre o assunto a sua formação deficitária. Questionados sobre como tinham aprendido geometria, disseram não conseguir lembrar.

“Não me lembro, eu acho que estudei, com certeza devo ter estudado, mas não lembro assim de uma aula específica, de alguma coisa assim que ficou, não lembro” (Professor A – pré-entrevista).

Um ensino apenas explicativo e que não leva em conta as experiências já adquiridas, que não considera o processo de construção de cada aluno, na maioria das vezes, pode não atingir o aluno como deveria. Para que o aluno incorpore novos conhecimentos, ele precisa associá-los a outros já adquiridos, pois dessa forma a aprendizagem será significativa, isto é, fará sentido para o aluno no momento em que ele conectar os novos conhecimentos com as experiências já vividas.

Segundo Vergnaud (2003), os conhecimentos científicos, para que sejam apropriados pelo sujeito, devem estar apoiados nos conhecimentos cotidianos, ou seja, o conhecimento que o aluno já construiu, por meio das experiências que teve oportunidade de vivenciar e que, por isso, para ele tem enorme importância, deve servir de base para a elaboração de novos conhecimentos. Nas palavras de Vergnaud (2003, p. 51) “Essa é uma questão que diz respeito diretamente à escola, porque é exatamente na escola onde se dá o encontro, o diálogo entre os conceitos cotidianos e científicos”.

Enquanto o aluno for tratado apenas como mero receptor de informações, é bastante provável que essas informações caiam no esquecimento, o que possivelmente deve ter ocorrido com os sujeitos entrevistados. Um aluno é muito mais do que um receptor, de acordo com Pain (1988), o aluno deve ser considerado em sua estrutura lógica e dramática, ou seja, inteligência e desejo.

Para conhecer mais a respeito da didática e da pedagogia, oferecendo a seus alunos oportunidades mais favoráveis à aprendizagem, o professor precisa estar sempre se atualizando com o que há de mais recente sobre o aprender e o ensinar, sendo assim, os momentos de estudos são preciosos. Os professores entrevistados têm consciência de que essa falta de conhecimento não é por culpa ou dificuldade deles, e sim, devido à falta de oportunidade, isso fica muito claro na fala do professor E na pré-entrevista:

“... assim como eu sei que é porque não me foi dada oportunidade, não é porque eu tenha dificuldade, as coisas que eu deixo de fazer porque eu não aprendi, talvez seja minha responsabilidade não ter buscado também, mas tu só buscas algo que tu já tenhas uma noção, alguém tem que fazer perceber que aquilo é necessário”.

Segundo Grossi (2000), os seres humanos, diferentemente dos animais que possuem instintos, precisam aprender tudo e é por esta razão que é necessário estar sempre estudando.

A experiência de aprender é uma marca humana central. Vive-se porque se aprende. [...] Com isso nossa vida não pode ser repetição, exige contínua inovação, permanente capacidade de aprender para enfrentar o novo, o desconhecido, o surpreendente (GROSSI, 2000, p. 93).

Portanto, é importante que o professor também esteja sempre estudando para que possa ensinar melhor a seus alunos. Nas palavras de Grossi (2007, p. 75) “Só ensina quem aprende”. Na fala do professor D:

“E se a gente não estudar, vai continuar fazendo do mesmo jeito” (Nota do pesquisador – diário de campo – 16/06).

Em relação ao estudo da geometria entre professores, afirmaram que este tema nunca havia sido discutido nas reuniões pedagógicas da escola:

Contudo, um dos professores afirmou que estudam no grupo de estudos semanal (encontros semanais organizados pelos próprios professores que trabalham com a proposta metodológica do Geempa), mas que o grupo também não conseguiu desenvolver um estudo consistente, pois eles perceberam que o livro estava muito além do que podiam compreender naquele momento.

“No grupo de estudos nós começamos a ler aquele livro ‘o azulzinho, sabe? ’ da geometria. Nós começamos a ler ele, trabalhamos, eu acho, que dois encontros e não terminamos e paramos exatamente por causa dessa falta de sustentação – acho que foram três encontros que a gente leu – foi lendo ele e tentando pensar e discutir, mas ele não avançou porque tá faltando um lastro antes, tem um vácuo, entre o que nós sabemos e o que tem que fazer e trabalhar” (Professor E – pré- entrevista).

Com isso, percebe-se que, quando um conhecimento está muito além do que o sujeito é capaz de compreender naquele momento, ele acaba distanciando-se dele. Foi o que aconteceu, pois os professores o abandonaram, era um conhecimento que estava além do que foi denominado por Vygotsky (2000, p.112) de Zona de Desenvolvimento Proximal:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

4.2.1.2 Fuga da matemática

A falta de conhecimento dos professores faz com que eles tenham uma concepção do ensino de matemática, sobretudo da geometria, bastante negativa, ou que tentem fugir dela, o que pode ser ilustrado por meio do relato de um dos professores quando questionados se trabalhavam geometria com seus alunos.

“Eu trabalho alguma coisa. Os blocos lógicos eu sempre trabalho. Esse ano eu trabalhei duas vezes, mas não consegui continuar, eu sempre fujo e era pra ter continuado, eu dei pra eles, jogaram mais de duas vezes, trabalhei com a ficha didática e depois abandonei. [...] mas eu tenho um bloqueio, tanto que eu tento fugir da matemática” (Professor B – pré-entrevista).

Como afirma Vergnaud (2003a), os conhecimentos científicos devem estar apoiados nos conhecimentos cotidianos. Quando os professores não conseguem fazer essa relação entre os seus saberes, elas acabam optando pela fuga.

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