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A CONSCIÊNCIA MORAL E O SEU TEOR COGNITIVO NA EVOLUÇÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE DA MORAL NO SEU ASPECTO FILOSÓFICO E

PÓS-METAFÍSICO.

Conforme analisado, com o advento da modernidade ocorreram várias mudanças em relação à compreensão da sociedade, pois devido à ruptura com as imagens de mundo da sociedade arcaica e o mundo medieval, tornou-se possível a racionalização social e cultural, sobrevindo, dessa forma, diversas transformações sociais. Contudo, diante dessas transformações, cabe aos intérpretes da sociedade presente tentar esclarecer quais direções devem ser tomadas, mediante um pensamento que resiste a qualquer interpretação meramente metafísica. Para Habermas (1990), nesse momento o filósofo passou a ser o intérprete mediador de sentido da sociedade hodierna.

Habermas (1990) considera ainda que a filosofia perdeu a sua autonomia em relação às ciências, devendo cooperar com elas. No entanto, de acordo com ele “sobra para filosofia uma promoção iluminadora dos processos de autoentendimento de um mundo da vida referido à totalidade, o qual precisa ser preservado da alienação resultante das intervenções objetivadoras, moralizantes e estetizantes das culturas de especialistas” (HABERMAS, 1990, p. 27).

Essa forma de alienação resultante das intervenções objetivadoras é considerada por Habermas como a razão instrumental que, por si só, apresenta-se dominadora do homem e quer colonizar o mundo da vida, considerado por Habermas como uma rede ramificada de ações comunicativas que se difundem em espaços sociais e épocas históricas, sendo fonte das tradições culturais, responsáveis pela preservação das identidades de indivíduos.

Nesse sentido, pode-se afirmar que sobrou para a filosofia, de maneira cooperativa com as outras ciências, a reflexão esclarecedora sobre até que ponto o racionalismo sistêmico torna as relações sociais reificadas, mediante uma lógica que, não obstante, tende a aprisionar o homem retirando sua autonomia.

Com base nessas afirmações, surge o pensamento pós-metafísico situando a razão no entendimento de que “a fenomenologia ontológica, sob o pretexto da finitude, da temporalidade e da historicidade, rouba da razão os seus atributos clássicos: a consciência transcendental deve concretizar-se na prática do mundo da vida, adquirir carne e sangue em encarnações históricas” (HABERMAS PPM, 1990, p. 15).

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Isso quer dizer que a fenomenologia ontológica ou a experiência do sujeito não se dá mais de maneira tão transcendental como demonstrado na filosofia da consciência. Nesse cenário, passa a acontecer uma espécie de transcendentalismo suavizado das pretensões da dedução, que surge das interações linguísticas no mundo da vida.

Para Habermas, o sujeito transcendental perde a sua conhecida posição dupla, na qual “o sujeito Kantiano, enquanto consciência transcendental situava-se perante o mundo e a totalidade dos objetos perceptíveis; ao mesmo tempo, ele se punha no mundo como consciência empírica, como uma entidade ao lado de outras” (HABERMAS, 1990, p. 50).

Por esse motivo, Habermas descarta certa condição de isolamento entre teoria e práxis em relação aos pressupostos da razão; seja ela razão prática, seja razão teórica, elas se complementam em torno de uma linguagem discursiva no mundo da vida, por meio de um discurso prático, ou no mundo cientifico com base em um discurso teórico.

Corroborando o que foi dito, Dutra (1993) esclarece que o filósofo em comento propõe uma pragmática universal como um programa de investigação que objetiva reconstruir a base universal de validade da fala, a partir de uma filosofia moral como ciência que reconstrói, na qual a subjetividade, ou a consciência transcendental, deixa de ser o tema privilegiado da investigação.

Nesse sentido, Habermas deixa bem claro que sua teoria comporta as requisições dos tempos pós-metafísico devido ao apelo da filosofia da linguagem para situar a razão no tempo, transformando o sujeito em “quase transcendental”, tirando-o do estágio monológico, como era nos ditames da filosofia da consciência. Para uma melhor compreensão, vejamos essa citação:

A passagem do paradigma da filosofia da consciência para o paradigma da filosofia da linguagem constitui um corte de igual profundidade. A partir deste momento, os sinais linguísticos, que serviam apenas como instrumento e equipamento das representações, adquirem, como reino intermediário dos significados linguísticos, uma dignidade própria. As relações entre linguagem e mundo, entre proposição e estados de coisas, substituem as relações sujeito-objeto ( HABERMAS PPM,1990,p.15).

Assim, como foi possível perceber, a forma como as relações entre linguagem e mundo acontecem, são tratadas na teoria de Habermas com outra ótica, agora o sujeito não é mais introduzido como objeto do conhecimento, como ocorre na referência da autorreflexão, mas como sujeito que se educa em interações linguísticas, ratificando verdades, ou seja, essas verdades são ratificadas com base na relação sujeito-sujeito. Diferentemente da forma como a filosofia da consciência observava os estados das coisas nas relações sujeitos-objeto.

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A esse respeito, Dutra (1993) explica que a tese de Habermas apoia teorias de caráter filosófico que entram de forma indireta na construção de teorias empíricas e, quando elas são confirmadas pela experiência, indiretamente há uma comprovação da teoria filosófica nelas presente, porém, é necessário observar que as ciências com vinculação à empiria tratam de questões de gênese e a filosofia trata de questões de justificação.

Ante o pano de fundo desse modelo de questão de gênese e justificação, Dutra (1993) esclarece que Habermas não quer reduzir a filosofia a uma pesquisa meramente empírica e genética, mas que ela pode fazer uso dos resultados dessas ciências compartilhando dos seus trabalhos. Para isso, Habermas analisa exemplos de colaboração entre filosofia e ciência. Sua teoria consta de análises de investigações da epistemologia genética do psicólogo Jean Piaget, tendo em vista, ela incorporar elementos da teoria kantiana do conhecimento; bem como, em termos de estudos deontológicos, a teoria de Habermas recebe aportes teóricos das pesquisas do psicólogo Lawrence Kohlberg.

Habermas (1989) analisa o trabalho de Kohlberg sobre o desenvolvimento da consciência moral. Acerca disso, podemos considerar que a consciência moral é a tese central na teoria proposta por Habermas, haja vista que essa abordagem implica a construção teórica em relação a uma ética discursiva com foco sobre a moral e a sua ação na sociedade contemporânea. Por conseguinte, é importante ressaltar essa questão, visto que o modelo proposto pelos psicólogos citados nos ajuda a entender melhor os fundamentos “pós- metafisicos” habermasianos.

Para demonstração da importância desse assunto, é bom que se mencione a explicação da autora Barbara Freitag em relação à teoria de Habermas e Piaget. Para Freitag (2005), Habermas considera os processos evolutivos da sociedade com foco na gênese do conhecimento científico, existindo desta forma, certa relação da psicogênese piagetiana com o pensamento da sociogênese. Ou seja, de acordo com esse pensamento, processos semelhantes que ocorrem no desenvolvimento cognitivo do individuo acontecem no desenvolvimento moral da sociedade 1.

Nesse sentido, Freitag esclarece que Habermas parte do pressuposto da existência de um processo de desenvolvimento – individual e coletivo – da razão, “que caminha de forma cadenciada no decorrer do tempo de vida do indivíduo e das sociedades, provocando níveis de diferenciação, complexidade e integração cada vez mais elevados, sofisticados e positivos” (FREITAG, 2005, p. 42).

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