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Consenso como fundamento último para a Eficiência

4. EFICIÊNCIA E MAXIMIZAÇÃO NA TEORIA ECONÔMICA DO DIREITO

4.2. Consenso como fundamento último para a Eficiência

Ainda que não seja exatamente uma preocupação explícita e recorrente dos autores vinculados à Análise Econômica do Direito, é possível delinear tentativas de corroborar a eficiência como um valor segundo mecanismos outros, que lhes forneça maior Legitimação.

Dos modelos de mercado, autores da Teoria Econômica do Direito extraem a idéia de que transações só são efetivadas quando se estabelece o consenso entre os envolvidos no que se refere a valores e conteúdos do trato. Como toda utilidade pode ser testada em mercados hipotéticos – e assim valorada as disposições para ofertá- la e adquiri-la – as decisões podem fazer uso desse instrumento hipotético e, aplicando-o à situação em análise, conferir que soluções seriam encontradas mediante transações de um mercado ideal e, então tentar reproduzir o arranjo na realidade.

Presume-se que, desde que os indivíduos reais guardem alguma semelhança com o indivíduo, conforme descrito pela Escola Neoclássica, se construiria um consenso que se assentaria nesse resultado de mercado.

Assim, a idéia de eficiência como um parâmetro moral a julgar a qualidade das decisões políticas e jurídicas poderia ter como fundamento último o consenso hipotético que indivíduos racionais dariam caso de fato estivessem transacionando em mercados perfeitos152.

152 “Law and Economics busca oferecer uma base para a decisão fundada no consenso. O ponto de partida

Nesse sentido, como já indicado, não é raro observar o uso do critério paretiano de eficiência como um fator que, uma vez satisfeito, não gera quaisquer possibilidade de contestação ou resistência racional. Parte-se da crença de que, uma vez que nenhum dos afetados tenha sido deixado em situação pior, não há motivos racionais para que obstrua ou refute a adequação daquilo que é realizado.

No entanto, é difícil a satisfação do critério de Pareto153, já que decisões políticas e jurídicas geralmente afetam terceiros de maneira pouco reconhecível, proporcionando externalidades negativas por vezes de difícil rastreamento.

Em face dessa limitação – e outras – desenvolveram-se outros argumentos legitimadores da eficiência como axioma a ser aplicado pelo Direito. Dentre eles, em especial a afirmação de que há um consenso subjacente e implícito quanto à aplicação da desse conceito econômico como critério valorativo, mesmo levando-se em conta o problema dessa aceitação no tempo, o que envolveria temas como o risco e expectativas individuais.

O argumento é apresentado, principalmente, por Richard Posner. Novamente, parte-se da concepção de que o indivíduo busca sempre maximizar sua satisfação e riqueza, conclui-se que, sempre que transações forem efetuadas voluntariamente, as partes terão consentido nas conseqüências da decisão. Assim, mesmo em face da incerteza quanto ao futuro, a aceitação racional ex ante daquilo que a médio ou longo prazos poderá resultar das modificações alocativas bastaria para que se desse a satisfação indireta do critério paretiano – ou melhor, cumpre um critério de aceitação racional dos termos em que a transação se deu e arriscou-se a perdas em função da expectativa de ganhos futuros154.

Nessa perspectiva, ainda que qualquer indivíduo se veja em pior situação momentaneamente, ele mantém uma expectativa de compensação no longo prazo, pois espera que as maximizações da riqueza agregada que se instituem no presente lhe beneficiarão, pessoalmente, em momento posterior. Por essa razão, consensualmente se disporia a perdas passageiras em benefício da maximização do resultado social. Posner, portanto, fundamenta-se na aceitação de se dispor a uma situação possivelmente danosa,

melhor satisfazer esses desejos que não satisfazê-los, e prefeririam que isso ocorresse com maior freqüência do que com menor.” BIX, Jurisprudence, p. 191

153 Como mais explorado no Capítulo 2 do presente trabalho. 154 POSNER, Economics of justice, p. 88.

mas compensadora de maneira agregada, e identifica esse essa acolhida, hipotética, com um consenso presumível, o que é visto com desconfiança por alguns autores155.

Vale dizer que esse viés, em que alguma perda individual é razoável em face de um ganho agregado compensatório – mesmo individualmente – já configura uma evolução nos termos professados pela economia liberal clássica. Lembre-se que, segundo essa corrente original, a eficiência somente poderia ser afirmada e o consenso presumível reconhecido quando nenhum dos indivíduos pudesse alegar a sua transição para situação pior em função da realocação de recursos ou quanto houvesse a adequada compensação logo após a maximização. Assim, a justificativa exigida dentro de um paradigma estritamente individualista de curto prazo seria a de que a decisão social, jurídica e política, seja neutra ou promotora do interesse de cada uma das partes que compõem a sociedade156.

Deste modo, a diminuição das exigências de caráter individualista para a caracterização do consenso hipotético efetuou transição juntamente com o critério de eficiência que se fazia hegemônico e partiu de um modelo paretiano para um compensatório potencial ou efetivo de longo prazo.

É preciso esclarecer que, especialmente no que se refere à compensação potencial de longo prazo, a expectativa do indivíduo é fundamental no processo de consentimento e, portanto, deve ser analisada.

Quando da decisão quanto ao desenho da norma, especialmente se os indivíduos não tiverem segurança sobre como a norma virá a incidir sobre sua vida – se ele será o tutelado ou o responsabilizado, por exemplo – fica caracterizada a circunstância ideal para que se alcance um amplo consenso entre os indivíduos de que a melhor regra a se instituir é aquela que maximiza a riqueza ou bem-estar de todos. Isso porque, para cada indivíduo, é melhor a adoção de regras gerais promotoras da eficiência, mesmo que eventualmente um deles se veja posteriormente prejudicado pela criação da norma.

Ocorre que, antes de efetivamente saber se é beneficiário ou penalizado pela instituição de determinada norma, o indivíduo poderá traçar racionalmente os custos e benefícios decorrentes das regras a se normatizar157.

155 COLEMAN, Jules. Efficiency, utility and wealth maximization, p. 535-536.

156 COLEMAN, Jules. Risks and wrongs. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 29.

157 Exemplo comum é a da escolha de responsabilidade objetiva ou culposa em face de acidentes de

Uma vez escolhido a melhor configuração da norma, o indivíduo se dispõe a, casualmente, figurar no pólo prejudicado e aceita tal condição na esperança de que, tratando-se do modelo normativo mais adequado e maximizador, vir a ser beneficiado em maior grau pela norma quando vier a figurar no pólo oposto. Ou então receber mais benefícios globalmente, de todas as normas outorgadas que busquem a eficiência.

Sem dúvidas, trata-se do resultado de um mecanismo de decisões baseadas em expectativas em que, incapacitado de verificar previamente sua condição perante a norma, o indivíduo tende a optar pela configuração que beneficia mais os agraciados e prejudica menos os penalizados, o que parece ocorrer quando da instituição de regra maximizadora do bem-estar ou riqueza agregados quando há maior aversão ao risco.

Eis então como se estabelece, especialmente nos trabalhos de Posner, a noção de que há um consenso subjacente que legitima, ainda em termos bastante liberais, a busca pela sempre maior eficiência nas relações interindividuais sobre as quais incide o Direito.

Essa concepção, no entanto, não resta livre de opositores. Dworkin estabelece uma crítica às colocações a respeito da consistência do argumento que promove o consenso ao patamar de legitimador da eficiência como valor. Segundo esse autor, esse consenso, que não se pode efetivamente observar na realidade social, deveria ser demonstrado ao menos teoricamente. Então, afirma que, diferentemente de Rawls158, Posner não teria se dedicado a desenvolver um arrazoamento convincente capaz de atribuir valor legitimador à sua proposição de consenso ex ante159.

Não se satisfaz, assim, com o uso que Posner faz dos mecanismos de mercado – modelos ideais, vale dizer – como expressão de qualquer modalidade factível de vontade.

vítima, ele optará pelo desenho normativo que for mais eficiente de maneira agregada, ainda que venha a ser negativamente afetado pela norma quando instituída.

158 O consensualismo de Rawls será tratado no próximo item deste estudo.

159 Dworkin desconfia da defesa de Posner sobre o consenso relativo às regras do jogo, através do qual

cada indivíduo se disporia a eventualmente se ver em pior situação, desde que anteriormente tivesse vislumbrado a possibilidade de maximização agregada naquela configuração alocativa de direitos ou responsabilidades. DWORKIN, Ronald. Why efficiency? Hofstra Law Review. Vol. 8, p. 563-590, 1979-1980. p. 575.