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1.2 DEFINIÇÃO DAS DOENÇAS DIARRÉICAS

1.5 CONSEQÜÊNCIAS DAS DOENÇAS DIARRÉICAS

Com o advento da TRO, os óbitos causados por diarréias agudas têm reduzido, entretanto os quadros diarréicos persistentes têm emergido como as principais causas de morbidade e mortalidade por doenças diarréicas (BHUTTA et al., 2008; KOSEK; BERN; GUERRANT, 2003; LIMA et al., 1992; 2000; LIMA; GUERRANT, 1992; MCAULIFFE et al., 1986). As diarréias persistentes são responsáveis por aproximadamente metade do número total de óbitos causados por doenças diarréicas e, apesar de representarem somente 8 a 11% dos casos da doença, estão implicadas em 34 a 50% dos dias de diarréia (LIMA et al., 2000; SCHORLING et al., 1990b).

Nosso grupo de pesquisa, em parceria com a Universidade da Virgínia (UVa), vem realizando trabalhos de vigilância das doenças diarréicas na população infantil pobre da cidade de Fortaleza-CE desde 1978 e tem observado que as diarréias persistentes e algumas infecções entéricas específicas estão associadas com a ruptura da barreira intestinal, provocando alterações na sua função absortiva e predispondo crianças a uma maior carga diarréica (GUERRANT, R. L. et al., 1999; LIMA et al., 2000; SCHORLING et al., 1990a; STEINER et al., 1998).

Em uma avaliação longitudinal prospectiva de 315 crianças provenientes de uma comunidade carente em Fortaleza, Ceará, nosso grupo observou que a desnutrição está associada a um maior risco para as doenças diarréicas. Cada queda do escore-z (desvio padrão) de peso-por-idade (weight-for-age – WAZ) ou altura-por-idade (height-for-age – HAZ), que avaliam o déficit do estado nutricional, é seguido por um aumento de 11,8 a 12,5% no número de episódios diarréicos/criança/ano e um aumento de 15 a 17% em número de dias de diarréia, mesmo quando controlado por idade e incidência anterior de diarréia pela regressão linear de Poisson (MOORE et al., 2000). Por sua vez, as doenças diarréicas, principalmente os quadros diarréicos persistentes, estão associadas com um maior risco para a desnutrição e um aumento na freqüência e duração de novos episódios diarréicos em crianças (GUERRANT et al., 1992b; 2002b; 2008; KOSEK; BERN; GUERRANT, 2003; LIMA et al., 1992; 2000; SCHORLING et al., 1990a). Os efeitos dessas enfermidades no subseqüente estado nutricional, bem como o efeito do estado nutricional anterior na freqüência e duração da doença têm sido documentados por diversos autores, demonstrando, assim, a importância do ciclo vicioso das diarréias e da desnutrição na população infantil (ALASFOOR et al., 2007; BLACK; BROWN; BECKER, 1984; HUMPHREY, 2008; WEISSTAUB; ARAYA, 2008).

Outra importante descoberta do nosso grupo é o impacto a longo prazo das doenças diarréicas e infecções entéricas na população infantil. A ocorrência de diarréias persistentes e de algumas infecções entéricas assintomáticas nos primeiros anos de vida pode prejudicar o crescimento da criança, bem como seu desenvolvimento físico e cognitivo.

O primeiro estudo a longo prazo realizado observou a aptidão física e a função cognitiva de crianças na faixa etária entre seis e nove anos, que foram acompanhadas durante os primeiros dois anos de vida. O teste de Harvard mostrou um decréscimo na aptidão física correlacionado diretamente com o número total de episódios de diarréia nos primeiros dois anos de vida. Na análise preliminar da função cognitiva, utilizando testes apropriados, como o McCarthy Draw-A-Design, Wechsler Intelligence Scales for Children e o Backward Digit Span Test, pontuações significantemente menores foram observadas em crianças com elevadas taxas de episódios diarréicos nos dois primeiros anos de vida, ocorridos quatro a sete anos antes da realização dos testes (GUERRANT, D. I. et al., 1999).

Com o aprofundamento desse trabalho inicial, os autores observaram uma associação altamente significativa entre as doenças diarréicas no início da infância e o crescimento linear da criança, determinado pelo escore HAZ. Episódios de diarréia persistente nos primeiros dois anos de vida mostraram ter associação com um déficit de crescimento de 1,5 a 4cm aos 4 a 6 anos de idade nessas crianças (MOORE et al., 2001).

Estudos complementares demonstraram que a idade de início da criança na escola e a idade por ano escolar são significantemente atrasadas pelas doenças diarréicas no início da infância. Estes achados confirmam os prejuízos causados pela ocorrência de diarréias no início da vida, uma vez que tais parâmetros de rendimento escolar são utilizados pelos economistas para predizer a produtividade econômica (GUERRANT et al., 2002b).

Trabalhos complementares do nosso grupo e de outras equipes de pesquisa confirmaram os prejuízos nos índices antropométricos, na função cognitiva e no rendimento escolar das crianças após a ocorrência de doenças diarréicas no início da infância (AGNEW et al., 1998; BERKMAN et al., 2002; BUSHEN et al., 2007; CHECKLEY et al., 1997; 1998; 2002; 2003; LORNTZ et al., 2006; LUNN, 2000; MOORE et al., 2007; NEWMAN et al., 2001; NIEHAUS et al., 2002; PATRICK et al., 2005; SANTOS et al., 2008; SCHORLING; GUERRANT, 1990; WALKER et al., 2007). Dados de um período de 20 anos de avaliação diária de crianças de cinco países ratificaram a influência dos episódios diarréicos no crescimento infantil. A

possibilidade de ocorrência (odds ratio) de nanismo aos 24 meses de idade aumentou significativamente com cada episódio diarréico e com cada dia de diarréia ocorrido nos dois primeiros anos de vida (CHECKLEY et al., 2008).

Pelo menos dois mecanismos têm sido propostos na tentativa de explicar as conseqüências das diarréias persistentes ocorridas no início da vida. A atrofia parcial das vilosidades intestinais, caracterizada por redução no número e comprimento das microvilosidades, alterações nas bordas dos enterócitos, perda do glicocálice e encurtamento dos vilos, reduziria a digestão e absorção da lactose e provavelmente de outros nutrientes (BARBOZA JR. et al., 1999; FAGUNDES-NETO et al., 2000; LIMA et al., 1997). Alternativamente, os danos à função de barreira da mucosa permitiriam a passagem de macromoléculas para a mucosa e o sangue, ativando uma resposta imune local e sistêmica com conseqüentes mecanismos inflamatórios (LIMA et al., 1997). A redução na absorção de nutrientes e/ou a ocorrência de inflamação intestinal prolongadas poderiam ocasionar o dano ao desenvolvimento da criança a longo prazo (LUNN et al., 2000).

Essa relevância da integridade do TGI nos primeiros anos de vida tem sido descrita por vários autores. Como outras espécies de animais, principalmente mamíferos, os seres humanos apresentam expressivo desenvolvimento cerebral e formação de sinapses durante os primeiros dois anos após o nascimento (DOBBING, 1984; 1985; 1990; DOBBING; SANDS, 1981; 1985; KATZ; DAVIES; DOBBING, 1982; PETRI JR. et al., 2008). Dessa forma, a absorção de nutrientes nessa fase da vida é essencial para garantir o crescimento e desenvolvimento do corpo, cérebro e das sinapses neuronais que determinam a capacidade humana (PETRI JR. et al., 2008). O atraso no tempo de formação das sinapses pode ser irreversível (DOBBING, 1990).

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