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PARTE II – TEMAS DESENVOLVIDOS NO ÂMBITO DO ESTÁGIO

Tema 1- Polimedicação em Doentes Idosos: dos Riscos à Intervenção Farmacêutica

5. Consequências da Polimedicação

Existe uma relação muito estreita entre o número de medicamentos tomados e os problemas relacionados com os mesmos, ou seja, por cada fármaco adicional, a probabilidade de reações adversas, interações e demais consequências, aumenta exponencialmente [24, 34]. O tempo de utilização, a dose prescrita, o uso de fármacos com margem terapêutica estreita, as mudanças constantes no plano farmacoterapêutico e o uso de medicamentos para múltiplas patologias, parecem ser fatores de risco para o desenvolvimento de problemas relacionados com os medicamentos (PRM) [26, 28, 47]. Pessoas com problemas cardíacos, asma e doenças do foro psiquiátrico, por exemplo, parecem ter mais probabilidade de sofrer com a toma múltipla de fármacos [25]. Uma vez que a polimedicação parece abranger mais mulheres do que homens, estas têm maior predisposição para a ocorrência de situações adversas [25, 31].

Desta forma, as principais consequências da polimedicação são o aumento do risco de reações adversas nos pacientes, as interações, a prescrição de medicamentos potencialmente inapropriados, a duplicação de classe farmacológica e a não adesão à terapêutica. Todas estas situações podem conduzir a estados de saúde graves, que aumentam os encargos do sistema nacional de saúde e que podem mesmo levar à morte [24].

5.1. Prescrição de Medicamentos Potencialmente Inapropriados

A prescrição de MPI acontece quando a um utente são prescritos medicamentos que apresentam um risco potencial superior ao benefício, ou seja, não constituem a melhor opção farmacológica dentro do leque de opções de tratamento, considerando as alterações fisiológicas do idoso ou a sua patologia. Habitualmente podem ser substituídos por alternativas mais seguras, ou a sua exclusão do regime farmacoterapêutico apresenta-se como a melhor solução [24, 34]. Estudos demonstram que, comparativamente com os doentes que fazem pouca medicação, os doentes polimedicados apresentam com maior frequência, casos de prescrição de medicamentos inapropriados ou não recomendados [46, 48]. O uso de MPI nos idosos, afeta desfavoravelmente a qualidade de vida do utente e constitui um desperdício de recursos.

Atualmente, a comunidade científica tem reunido esforços para elaborar critérios de avaliação da prescrição de MPI, abordados em seguida no presente relatório.

5.2. Reações Adversas

Uma reação adversa, segundo a Organização Mundial de Saúde, corresponde a uma resposta nociva e não intencional do organismo, que ocorre quando um fármaco é administrado em doses normalmente utilizadas no Homem para profilaxia, diagnóstico, tratamento ou modificação de funções fisiológicas [48]. O risco de sofrer uma reação adversa está associado ao número de co morbilidades e parece ser duas a três vezes mais provável de acontecer nos idosos, devido às dificuldades de metabolização e eliminação dos fármacos, que resultam na acumulação de substâncias tóxicas [26, 34]. O número de medicamentos

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tomados e o uso de medicamentos inapropriados são fatores de risco para o aparecimento de efeitos adversos [25, 31].

As reações adversas mais comuns (Anexo X) são as associadas à ação farmacológica do medicamento, dependentes da dose e bastante previsíveis [39]. É o caso da toxicidade da digoxina, a síndrome serotoninérgica provocada pelos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) e os efeitos anticolinérgicos dos antidepressivos tricíclicos. Outras reações adversas que podem ocorrer são as associadas a terapêuticas prolongadas, relacionadas com uma dose cumulativa, como a supressão do eixo hipotálamo - hipófise - glândula suprarrenal. A retirada de β-bloqueadores pode provocar isquemia do miocárdio, uma reação adversa incomum que aparece no final do tratamento. As interações fármaco- fármaco também podem ser consideradas reações adversas e são bastante comuns e dependentes da dose [49].

Uma das consequências do aparecimento das reações adversas é a chamada “cascata de prescrição”. Esta também pode ser considerada a causa, uma vez que se trata de um ciclo vicioso. Este fenómeno acontece quando erradamente alguns sinais e sintomas que aparecem no doente idoso são considerados uma nova doença, e se procede a uma nova prescrição para a mesma. Até prova em contrário, eles devem ser considerados consequência da terapêutica e avaliados como tal, pois a prescrição consecutiva de novos fármacos pode ser prejudicial para o doente, conduzindo a doença iatrogénica [28, 31].

5.3. Interações Medicamentosas

Interações farmacocinéticas ocorrem quando um medicamento interfere na absorção, distribuição, metabolismo e excreção de outro, e interações farmacodinâmicas ocorrem quando o efeito de determinado medicamento é potenciado ou inibido por outro [25, 50]. Neste âmbito, os fármacos preocupantes serão os indutores e inibidores enzimáticos. As interações observadas em doentes polimedicados podem ser: fármaco-fármaco, fármaco-patologia, fármaco-alimento, fármaco-álcool, fármaco-produto fitoterapêutico e fármaco-estado nutricional [50]. O mecanismo responsável pela maioria das interações farmacocinéticas fármaco-fármaco envolve as enzimas do citocromo P450, os transportadores de fármacos como a glicoproteína-P e os transportadores de aniões orgânicos. O resultado destas interações corresponde a variações na concentração plasmática do fármaco e possivelmente na resposta clínica. A toma simultânea de ciprofloxacina e olanzapina, por exemplo, conduz a uma inibição da CYP1A2 pela ciprofloxacina, o que leva a um aumento da concentração plasmática da olanzapina, resultando em rigidez e quedas no idoso. O mecanismo responsável pela maioria das interações farmacodinâmicas fármaco-fármaco é a dificuldade na formação do complexo fármaco-recetor, o que resulta na amplificação ou redução do efeito terapêutico do fármaco, por causa de um outro. Exemplo disso é a interação entre a olanzapina e a glibenclamida, uma vez que ocorre sinergismo que provoca uma profunda hipoglicemia no idoso [50]. As interações mais comuns estão esquematizadas no Anexo XI.

5.4. A Não Adesão à Terapêutica

A adesão do doente à terapêutica reflete-se na observância das instruções verbais ou escritas de um médico, Farmacêutico ou outro profissional de saúde em relação ao tratamento farmacológico [30, 34]. O cumprimento do esquema posológico condiciona diretamente a eficácia terapêutica, daí a sua relevância

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quando falamos de doentes que fazem vários medicamentos por dia. Verifica-se uma prevalência da não adesão à terapêutica nos idosos, e uma das causas prende-se com os complexos esquemas posológicos, que devido à quantidade diária de medicamentos complicam a gestão por parte do doente [30, 48].

São muitas as razões que conduzem à não adesão à terapêutica, tais como o esquecimento, a dificuldade de deglutição, as dificuldades económicas, a suspensão da medicação para ingestão de bebidas alcoólicas, a automedicação, a negação ou medo da doença, o nível educacional ou cultural da pessoa, ideias suicidas, a descrença no tratamento e a necessidade de alteração de hábitos diários [30]. Segundo um estudo americano, quanto mais intervalada é a toma de determinado medicamento, menor é a probabilidade de adesão [27]. Todos estes fatores foram alvo de estudo no projeto desenvolvido na FSP.

5.5. Morbilidade / Mortalidade

Uma revisão sistemática da literatura revela que entre os fatores que influenciam de forma significativa o internamento hospitalar do doente idoso, a polimedicação é considerada bastante relevante. Também esta é responsável por aumentar o tempo de internamento, os episódios de reinternamento e a mortalidade [28].