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AGR ESTE POTIGUAR

5 CONSID ER AÇÕES FINAIS

Neste trabalho, analisamos a dinâmica da atividade mandioqueira e o uso pretérito e atual do território do Agreste Potiguar. A partir da realização de pesquisas bibliográfica, empírica e em dados secundários, desencadeamos o trabalho de acordo com os seguintes questionamentos: como vem ocorrendo o uso pretérito e atual do território do Agreste Potiguar, considerando-se a dinâmica da atividade mandioqueira? Que mudanças técnicas e nas relações de trabalho vêm sendo implementadas, desde a década de 1980, a partir do processo de modernização da atividade mandioqueira desencadeada no território em tela? Em que medida essa modernização vem contribuindo para o desenvolvimento territorial do Agreste?

Até a década de 1980, a atividade mandioqueira, no Agreste Potiguar, não apresentava características “modernas”, sendo realizada de maneira “tradicional”. Dessa forma, a mandioca era cultivada sem a utilização de adubos e/ou de insumos químicos; no preparo da terra para o plantio, não havia a necessidade da utilização de tratores; o período de cultivo da mandioca era de 2 anos; a mandioca produzida era transformada em farinha por meio de um processo cultural denominado farinhada, no qual famílias amigas se reuniam para fabricarem tal gênero alimentício, que garantia sua subsistência no período de 2 anos, quando haveria uma nova colheita de mandioca.

Esse processo de fabricação da farinha era feito em casas de farinha ou nas próprias residências dos agrestinos. A transformação da mandioca em farinha ocorria por meio de instrumentos técnicos movidos a força humana, bem como de relações de compadrio, isto é, de amizade e de parentesco entre determinadas famílias. A mandioca e a farinha, nesse contexto, eram consideradas gêneros para a subsistência dos agrestinos, e não mercadorias para atender a demandas comerciais. Por vezes, quando se produzia algum excedente, vendia-se ou trocava-se essa sobra por algum gênero que a família estivesse necessitando, como o feijão.

Portanto, nesse contexto pretérito, a função primordial da atividade mandioqueira no uso do território do Agreste Potiguar era contribuir para a subsistência dos agrestinos. A farinha era considerada um alimento típico das refeições dos homens nordestinos, não podendo faltar, em hipótese alguma, na mesa de uma família nordestina nos momentos do café, do almoço e da janta. Não havia, primordialmente, objetivos capitalistas, isto é, comerciais, mas somente objetivos sociais, referentes à subsistência de trabalhadores.

Entretanto, essa situação começa a ser alterada a partir da década de 1980, quando se inicia a instalação de instrumentos técnicos movidos a eletricidade (rodete e forno,

sobretudo) em casas de farinha do Agreste. Essa mudança técnica constitui-se na origem de um processo de modernização que permeia atualmente a atividade em questão.

No momento atual, o cultivo da mandioca é feito por meio da utilização de adubos e/ou de insumos químicos e, em Lagoa de Pedras e Vera Cruz, com a utilização de máquinas; o preparo da terra para o plantio conta com a participação de tratores, para acelerar tal tarefa; o período de cultivo da mandioca pode ser realizado em menos de 1 ano; toda a mandioca produzida é vendida pelos produtores a donos de casas ou de indústrias de farinha do Agreste, bem como a intermediários que a distribuem em mercados locais ou externos (de Pernambuco, do Ceará e da Paraíba); a mandioca é hoje marcada por um preço, determinado pelos interesses das fecularias do Centro-Sul nacional e propagado pelos compradores desse produto, causando, muitas vezes, prejuízo aos produtores, por estar abaixo do mínino necessário para cobrir os gastos com o cultivo da planta.

A transformação da mandioca em farinha é realizada, no período atual, em casas ou em indústrias de farinha. Naquelas, vêm sendo, cada vez mais, instalados instrumentos técnicos movidos a eletricidade, com o objetivo macro de transformá-las, num futuro próximo, em indústrias. Já nestas, todo o processo de fabricação da farinha e de outros derivados, como a farofa, é feito mecanicamente, com alguns homens apenas supervisionando as máquinas.

A farinha produzida não é mais apenas a farinha branca de granulometria grossa, como era anteriormente. No momento atual, produzem-se farinhas finas, médias e grossas; farinhas brancas e amarelas, bem como farofas, numa indústria localizada em Vera Cruz, com os sabores “alho e cebola”, “calabresa” e “bacon”. Assim, agrega-se valor ao “produto farinha”, visando atender a demandas cada vez mais exigentes do mercado capitalista.

Logicamente, a mandioca e a farinha não são mais consideradas meros gêneros de subsistência para os agrestinos. Essas são atualmente consideradas mercadorias, que devem ser produzidas de acordo com determinados padrões estabelecidos por agentes hegemônicos da atividade (donos das casas ou das indústrias de farinha, compradores de mandioca e de farinha), com vistas a prover as demandas do mercado.

A farinha produzida no âmbito do território mandioqueiro do Agreste Potiguar é comercializada em todo o território norte-rio-grandense, bem como para intermediários que a distribuem nos territórios pernambucano, paraibano, cearense e baiano. Por isso, afirmamos que esse território mandioqueiro pode ser chamado de “território mandioqueiro

do Rio Grande do Norte”, e que ele é um dos principais territórios mandioqueiros do Nordeste brasileiro.

No processo de modernização da atividade mandioqueira, as relações de trabalho entre produtores e compradores de mandioca, e entre donos e trabalhadores das casas ou das indústrias de farinha são regidas pela lógica capitalista, sendo marcadas pela intensa produtividade e exploração do trabalho.

Assim sendo, os produtores de mandioca e os trabalhadores das casas ou das indústrias de farinha vêm sobrevivendo em precária situação de trabalho e de vida. No tocante aos produtores, afirmamos que eles encontram-se submetidos aos interesses de proprietários de maiores faixas de terra, que lhes arrendam terras para tentar aumentar sua produção, ansiando a obtenção de maior renda e maior possibilidade de conseguir sua subsistência; encontram-se também submetidos às exigências dos compradores de mandioca, que os levam a cultivar a mandioca com a utilização de adubos e/ou de insumos químicos, assim como com a utilização de tratores para o preparo da terra, o que representa para os produtores altos gastos com a produção da mandioca; além disso, na colheita dessa planta, os produtores não têm outra opção senão vendê-la para os compradores por baixíssimos preços estabelecidos por estes agentes, o que acaba gerando prejuízo aos produtores.

Em relação aos trabalhadores das casas ou das indústrias de farinha, podemos dizer que eles vêm sendo submetidos a precárias situações de trabalho. Sobretudo nas casas de farinha, em que desempenham suas funções em ambientes de trabalho marcados pela falta de higiene e pela falta de segurança no manuseio dos instrumentos técnicos, deixando-lhes sujeitos a acidentes. Destarte, esses agentes recebem valores irrisórios pela produtividade de seu trabalho, o que os leva a enfrentar intensas e longas jornadas de trabalho, que comumentemente ultrapassam as oito horas diárias de labor.

Desse modo, constatamos que esses produtores e trabalhadores vêm sobrevivendo em situação veementemente precária, sem ter acesso a serviços de educação e saúde, ao lazer e aos direitos trabalhistas, bem como, muitas vezes, sem ter a possibilidade de realizar no mínimo três refeições diárias (no café, no almoço e no jantar). Foi comum também encontrarmos, durante a realização da pesquisa empírica, trabalhadores que não dispunham de moradia própria, vivendo, assim, com alguns de seus familiares, como a mãe e o pai, que eram aposentados e lhes ajudavam a sustentar suas famílias.

Com isso, concluímos o trabalho afirmando que a modernização da atividade mandioqueira não vem contribuindo para o desenvolvimento territorial do Agreste Potiguar. Essa modernização vem, na verdade, gerando e/ou reforçando graves problemas sociais, fazendo com que a maioria dos agentes dessa atividade (produtores de mandioca e trabalhadores de casas ou de indústrias de farinha) sejam submetidos a veementes situações de pobreza. Isso vem ocorrendo devido aos agentes hegemônicos da referida atividade usarem o território do Agreste Potiguar conforme meramente seus próprios interesses e suas próprias necessidades, alicerçados, por conseguinte, em objetivos individuais e não na coletividade.

Vale frisar que os agentes hegemônicos da atividade mandioqueira atuam, muitas vezes, com o apoio do poder público municipal, que procura viabilizar, ao máximo, os anseios daqueles. Por vezes, esses agentes são os responsáveis pelas decisões do referido poder público. Logo, percebemos que o Estado, tanto na escala local como na nacional, encontra-se comprometido com os interesses de uma minoria dominante, negligenciando as necessidades da maioria. Torna-se, assim, cada vez menos social para corresponder aos ditames da regulação econômica do território (SANTOS, 2004). No entanto, temos a consciência de que o Estado continua a ser um instrumento importante, que pode representar os interesses e as necessidades de toda a sociedade (Ibid.).

Destarte, diante da realidade da modernização da atividade mandioqueira no Agreste Potiguar, propomos que os agentes hegemonizados dessa atividade lutem, hajam, enfim, construam novas histórias com o pilar fundamental do bem-estar coletivo. No contrário, o perverso processo atual de modernização da atividade se intensificará e tornará a situação de trabalho e de vida desses agentes cada vez mais precária. Faz-se mister também que o poder público assuma sua função de representante de toda a sociedade, formulando e implementando políticas que atendam aos anseios de todos os cidadãos.

Citando as palavras de Santos (2007a, p. 161), acreditamos que “ficar prisioneiro do presente ou do passado é a melhor maneira para não fazer aquele passo adiante, sem o qual nenhum povo se encontra com o futuro”. Nessa perspectiva, declaramos ser urgente os agrestinos construírem um futuro melhor para todos, calcado na coletividade e não no mercado. Meditando acerca das palavras presentes na epígrafe deste trabalho, evidenciamos que a situação atual é insuportável para a grande maioria, não devendo ser sustentada, mas sim transformada, rumo a um novo contexto que seja alicerçado no

cotidiano vivido por todos e na necessidade de continuar existindo e usando o território de maneira banal (SANTOS, 1985).

Por fim, explicitamos que, a partir das análises feitas sobre a modernização da agricultura brasileira e sobre a modernização da atividade mandioqueira no Agreste Potiguar, a principal consideração final deste trabalho é que, no Brasil, modernização econômica e desenvolvimento territorial não podem ser tomados como sinônimos, apresentando-se como processos antagônicos. A modernização econômica pode ser tomada como sinônimo de progresso, de crescimento, que são processos que favorecem uns (minoria) em detrimento de outros (maioria).