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37 considerá-lo como uma medida excepcional quando todos os

recursos foram esgotados. Além de medida derradeira, a família adotiva é retratada pela lei como família substitutiva, como se fosse de segunda categoria. O conservadorismo acaba imperando. (Psicólogo Walter Gomes de Sousa, Supervisor da Área de Adoção da Vara de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), entrevista concedida à Agência CNJ de Notícias, 2015).

Muitas crianças são abandonadas pelos seus pais, ou retiradas do seu convívio em razão de situações de riscos oriundas de violências domésticas. Assim as diversas tentativas de retorno à convivência familiar de origem, imposta pela legislação, sem que a família tenha de fato interesse em reassumir suas responsabilidades, podem provocar, além de danos psicológicos, pelo sentimento de rejeição, à criança e adolescente, danos às possibilidades dessa criança ou adolescente chegarem à adoção de fato. Isto se dá porque a cada ano de espera o perfil da criança e adolescente vai se afastando do perfil desejado23 por aqueles que se colocam na fila à disposição para adotar.

É importante salientar que os pais também são destituídos do poder familiar devido às violências que praticam contra seus filhos. Não raras as vezes, têm-se situações graves de violências físicas e sexuais, por exemplo, em que os agressores não demonstram preocupação e afeto com seus filhos. Várias dessas famílias não são empobrecidas e isto demonstra que nem sempre a pobreza é a única causa da destituição do poder familiar. O objetivo aqui é aprofundar os motivos que levaram à destituição, mas não se pode desconsiderar que principalmente a violência e negligência cometidas contra crianças e adolescentes acontecem também em famílias com boas condições socioeconômicas. (COLLET, 2011 p. 48).

Na nova ferramenta disponibilizada pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), pode-se constatar, com os números disponíveis, a realidade da grande maioria de crianças e adolescentes à espera de adoção. Em 17 de abril de 2020, haviam 33.987 crianças acolhidas em abrigos. Destas, apenas 5.032 estavam disponíveis para a adoção. O número de processos de adoção, ainda é menor chegando a apenas 2.685. Sendo que neste mesmo período havia uma disponibilidade de pretendentes, inscritos na fila de adoção de 36.465 pessoas.

Essa realidade deixa claro que, mesmo com os avanços conseguidos com o ECA, após 30 anos de estatuto, muito pouco se caminhou em relação ao atendimento

23Em fevereiro, havia cerca de 36,5 mil pretendentes habilitados e disponíveis para a adoção. A maior parte encontra-se nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. A fila é mais demorada porque, das crianças disponíveis que não estão vinculadas, 83% têm acima de 10 anos, e apenas 2,7% dos pretendentes aceitam adotar crianças e adolescente acima dessa faixa etária. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ (PAINEL de ADOÇÃO, 04/2020).

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de seu art. 19. Se por um lado, procura-se garantir que o indivíduo não perca a sua “identidade” de laços sanguíneos, atendendo ao determinado pela lei, de que sejam primeiramente esgotados todos os caminhos e medidas que garantam a permanência da criança ou adolescente junto à família natural ou extensa; por outro lado, vemos que a ideia de que a adoção aconteça somente por medida excepcional, faz com que os processos de adoção não aconteçam ou se arrastem por anos, dificultando a concretização do que a própria lei determina.

É verdade que alguns representantes do Ministério Público demoram meses ou anos para promover ação de destituição do pátrio poder em casos considerados graves e de prognóstico difícil, e que alguns profissionais estendem excessivamente os acompanhamentos às famílias, enquanto as crianças aguardam ansiosas ou desamparadas algum sinal na instituição em que estão abrigadas. É igualmente verdadeiro o fato de alguns juízes de infância não utilizarem o tempo como uma medida importante do sofrimento psíquico das crianças e gastarem meses solicitando testemunhas ou fazendo repetidas tentativas de localização do paradeiro de pais desaparecidos. Essa questão do tempo ou dos prazos processuais deveria, certamente, ser reconsiderada, também porque para uma criança a noção de tempo não é a mesma do adulto. Pode fazer muita diferença uma criança ser adotada nos primeiros três meses de vida do que ao completar um ano... (PAIVA, 2004, P. 131).

Como consequência desta realidade, como demonstram os dados disponíveis no SNA, passa a existir, a cada ano, uma grande quantidade de adolescentes que, se tornam a cada dia, “inadotáveis”, por saírem da faixa de preferência da grande maioria dos pretendentes à adoção. Os adolescentes são a maioria nos serviços de acolhimento brasileiro. Os dados disponibilizados no Painel On-Line do SNA, nos mostram que os adotandos com 15 anos ou mais superam os 9.400 adolescentes e que, já estão nos abrigos há mais de três anos. Ainda, em comparação, no ano de 2019 aconteceram apenas 3.014 adoções pelo cadastro, sendo a grande maioria da primeira infância, pois apenas 2,7% dos pretendentes à adoção, aceitam crianças acima dos 10 anos.

A. vai completar 18 anos no dia 26 de setembro e terá de deixar a unidade de acolhimento em que vive hoje, na Praça da Bandeira, depois de ter passado por diferentes abrigos da prefeitura do Rio... A. é hoje um adolescente de poucas palavras, que não raro desvia os olhos para o chão e quase não ri. Quando retornaram ao abrigo, ele e as irmãs foram separados. Elas acabaram adotadas por uma família europeia, ele ficou. Ora permanecia no orfanato, ora fugia para a rua, até, de novo, voltar a buscar acolhimento. De acordo com a Unicef, para cada um ano em abrigo no início da vida, há uma perda de quatro meses no desenvolvimento da criança, como lembra o juiz Sergio Ribeiro, da 4ª Vara da Infância, Juventude e Idoso do

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Rio... Ele diz não temer a maioridade, que o obrigará a deixar o abrigo onde atualmente vive. (Reportagem O Globo, 07/2019)

Assim, para que se consiga alcançar a tão sonhada sociedade mais justa e igualitária, é necessário, além da existência e do conhecimento de uma legislação que apresenta direitos e deveres para a infância e a juventude, garantir, na prática, o cumprimento do Estatuto em sua integralidade, ou seja, atendendo ao previsto em toda legislação, principalmente na abordagem em relação ao tempo máximo de tramitação dos processos. Pois como nos mostra Paiva (citação página anterior), a noção de tempo para a criança não é a mesma tida pelo adulto, podendo, esse tempo, fazer a diferença entre ser ou não adotada. Somente por meio de uma verdadeira proteção de nossas crianças e juventude, e com o avanço de políticas públicas que construam a efetivação e seus direitos fundamentais e com uma visão baseada na realidade vivida por esses, é que alcançaremos a realidade de uma sociedade mais humana e um país mais justo e melhor.

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