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CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA DO CONTO

2. LITERATURA E SOCIEDADE: CONHECENDO O MÉTODO E O OBJETO DE

2.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA DO CONTO

Podemos dizer que, segundo a enciclopédia livre, o “conto é uma obra de ficção que cria um universo de seres, de fantasia ou acontecimentos” 2. Como todos os textos de ficção, o

conto apresenta um narrador, personagens, ponto de vista e enredo, tendo, pois, uma especificidade na sua composição. Considerando, então, seus elementos composicionais, o ângulo dramático do conto equivale a uma unidade ou célula dramática. O conto apresenta um só conflito, um só drama, convergindo todas as ações para um mesmo ponto. Por ser narrativa curta, tudo no conto é reduzido: poucos personagens, o tempo é intenso, o lugar onde as ações acontecem também é limitado, diferentemente do romance que tem vários núcleos de personagens, uma diversidade maior de lugares e várias problemáticas de tempo e conflitos variados. Assim, o contista procura significar muito em poucas páginas.

No conto, sempre dá para ver situações humanas representadas na figuração de suas personagens, articulada a espaços sociais antagônicos, fazendo observar os contrastes da vida social, a miséria e as contradições da existência humana. Segundo Alfredo Bosi, por abranger as mais variadas temáticas, o conto é “capaz de refletir as situações mais diversas de nossa vida real ou imaginária” (BOSI, 1981, p. 21), expressando, literariamente, de forma breve e concisa, a complexidade e as contradições da existência. Em semelhante perspectiva, no que se refere à brevidade e à concisão do conto, o escritor argentino Julio Cortázar nos oferece a noção de “limite” com a seguinte definição: “[...] o conto, por seu lado, parte da noção de limite, em primeiro lugar limite físico” (CORTÁZAR, 1999, p. 350), o que significa tomar a sua breve extensão como um de seus traços mais característicos.

Em tal perspectiva, o contista, comparado à atividade de fotógrafo, sente necessidade de escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que seja significativo. Ainda sobre a problemática do conto, em “Recanto das Letras”, Ricardo Sérgio apresentou, de forma resumida, o que consideramos essencial em termos de conceitos sistematizados por alguns escritores sobre o gênero em causa, dentre os quais, citamos Edgar Allan Poe (1809 – 1849), o primeiro teórico do gênero:

Temos necessidade de uma literatura curta, concentrada, penetrante, concisa, ao 2 Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Conto Acesso em 03de dezembro de 2016

invés de extensa, verbosa, pormenorizada... É um sinal dos tempos... A indicação de uma época na qual o homem é forçado a escolher o curto, o condensado, o resumido, em lugar do volumoso3.

Essa afirmação – de uma literatura “curta”, “concentrada” e “concisa” – nos remete a comparar o momento da sociedade em que eram escritos romances com grandes volumes de páginas, lidos com grande entusiasmo; hoje, existe uma sociedade sem tempo para a leitura, se usando desses contos para continuar integrado ao mundo literário. Com o advento da modernização, foi necessário criar algo mais breve, no entanto, com a mesma riqueza de informações, para assim poderem ser lidos e acompanhados pelos leitores, que, devido às imposições cotidianas, estão cada vez mais sem tempo de dedicar-se à leitura.

Para Alfredo Bosi, em O Conto Brasileiro Contemporâneo:

O conto cumpre a seu modo o destino da ficção contemporânea. Posto entre as exigências da narração realista, os apelos da fantasia e as seduções do jogo verbal, ele tem assumido formas de surpreendente variedade. Ora é quase-documento folclórico, ora quase-crônica da vida urbana, ora quase drama do cotidiano burguês, ora quase-poema do imaginário às voltas, ora, enfim, grafia brilhante e preciosa voltada às festas da linguagem. (BOSI, 1981, p. 7)

É no conto que se encontram, adequadamente, o prazer e a pressa de um não perder tempo, afinal, o caráter curto desse gênero permite que o apreciador da arte possa desfrutar de uma boa leitura sem deter-se por longas horas nela, como faria, por exemplo, com um romance ou mesmo com uma novela. Nessa seara, Massaud Moisés, em A Criação Literária, lecionou:

Entrando o século XIX, o conto vive uma época de esplendor. Além de se tornar “forma artística”, ao lado das demais até então consideradas, sobretudo as poéticas, passa a ser vastamente cultivado: abandona o estágio de “forma simples”, paredes- meias com o folclore e o mito, para ingressar numa fase que se torna produto estritamente literário. (MOISÉS, 2006, p. 34)

3

Ver “Conceitos de escritores sobre o conto”, de Ricardo Sérgio http://www.recantodasletras.com.br/teoria literaria/1576196 Acessoem 26 de setembro de 2016

Por ser narrativo, o conto pode apresentar diversas maneiras de retratar a realidade moderna. As características desse gênero literário permitem que ele lide com o mundo real de forma a revelá-lo com diferentes nuances. Ao escrever o conto, é necessário manter a concisão, a precisão e a profundidade, retratando a modernidade de forma literal e metaforicamente.

Ainda acerca do gênero em questão, existe, na perspectiva de Borges (apud OGLIARI, 2012), o que podemos chamar de uma história aparente, ou seja, visualizamos apenas a primeira história, conhecida rapidamente por uma leitura superficial na qual os fatos são organizados de acordo com uma sequência lógica de acontecimentos; e uma segunda história, que é a autêntica, podendo-se dizer que ela se encontra no espaço do não dito do texto narrativo, estando, portanto, oculto à primeira vista, momento em que somos convidados a partir para uma solução dos fatos apresentados, analisando cada palavra dita e qual o seu contexto para assim assimilar o que está realmente sendo dito. Trata-se de pensar, na perspectiva de Borges, a narrativa curta a partir de dois argumentos, conforme mencionamos: um falso, que vagamente se indica; e o outro, o autêntico, que se manterá secreto até o fim. Essa perspectiva se assemelha à sistematização teórica de Ricardo Piglia (apud OGLIARI, 2012), na medida em que este compreende o conto como uma estrutura capaz de comportar, em primeiro plano, uma história aparente, ocultando a história cifrada, de modo que, ao expor a cena narrativa para o leitor, o narrador termina por criar a história secreta de forma disfarçada.

Nesse jogo entre a história aparente e a história cifrada, a narrativa curta ganha maior amplitude. Conforme se extrai do pensamento do poeta e crítico argentino Cortázar: “o de recortar certo fragmento da realidade, fixando-lhe determinados limites, mas de maneira tal que esse recorte opere como uma explosão que abra de par em par uma realidade muito mais ampla” (CORTÁZAR, 1999, p. 351). Assim teremos uma obra rica em informações e detalhes, mas de forma sucinta, facilitando a leitura de todo o conteúdo.

Nessa perspectiva, portanto, é o que se observa nos contos analisados neste trabalho, uma vez que durante a leitura se percebe, na trama narrativa, o que ocorre no espaço do dito e do não-dito, considerando que tudo se revela para o leitor através do enunciado irônico, que o ajuda a identificar na “história aparente” a “história cifrada”.